Por Theófilo Rodrigues
A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados ocorrida na última sexta-feira escancarou as divergências táticas dos partidos de oposição ao governo Bolsonaro. De um lado PT, PSOL e Rede decidiram lançar um candidato do grupo à presidência da Câmara, o deputado Marcelo Freixo; de outro, PDT e PCdoB optaram por não ter um candidato próprio de seu campo político e alargar a aliança para outros setores como o centro do espectro político. Na experiência histórica e na teoria política essas duas táticas ficaram conhecidas respectivamente como “Frente de Esquerda” e “Frente Ampla”.
A Frente de Esquerda de PT, PSOL e REDE conquistou para seu candidato 50 votos dentre os 513 possíveis, algo em torno de 9% da Câmara dos Deputados. O argumento presente ali é o de que ao filtrar quem pode participar dessa chapa, a Frente de Esquerda conseguiria demarcar com mais clareza na opinião pública qual o seu programa e seu conjunto de ideias para o país. O objetivo, portanto, não seria a conquista da presidência da Câmara no curto prazo, mas sim o acúmulo de forças junto ao eleitorado com vistas ao médio prazo. O pressuposto dialético é o de que o poder simbólico acumulado no presente transforma-se qualitativamente em poder material no futuro. Diga-se de passagem, essa foi a tática adotada pelo PT nas décadas de 80 e 90.
A Frente Ampla de PDT e PCdoB possui uma interpretação distinta da conjuntura. Para esses partidos, num contexto de grave fragilidade da esquerda (impeachment em 2016, prisão de Lula, derrota nas urnas em 2018 etc) a aposta em uma Frente de Esquerda significaria o isolamento político. Os 50 votos obtidos por Freixo seriam a representação máxima desse isolamento. Inspirados pela teoria política do marxista búlgaro Georg Dimitrov, os comunistas e os trabalhistas entendem que, num momento em que forças políticas autoritárias chegaram ao governo do país, a oposição a esse governo não pode ser feita apenas pela esquerda, mas também por setores liberais. Na prática, PDT e PCdoB entendem que é preciso alargar a oposição e incluir nela todos os partidos políticos que estejam dispostos a participar de um programa mínimo de críticas ao governo Bolsonaro, entre eles o PPS, o PV, o Podemos, o PROS e o Solidariedade, por exemplo.
Um defensor da Frente de Esquerda poderia dizer que a tática de acúmulo prolongado de forças já deu certo no passado com o PT que, após marcar posição nas décadas de 80 e 90, conseguiu musculatura no eleitorado para finalmente eleger um presidente em 2002. Um defensor da Frente Ampla poderia usar o mesmo exemplo para lembrar que o PT só elegeu Lula em 2002 quando alargou sua aliança e trouxe o empresário José Alencar, do Partido Liberal, para ser o seu vice-presidente.
Diferente do que pensa a apaixonada militância dos dois campos, as duas táticas não precisam ser necessariamente excludentes. Ao contrário, podem ser complementares. O PT e o PSOL podem apostar no capital simbólico e acumular forças jogando para a opinião pública, enquanto PDT e PCdoB, partidos mais coesos, cumprem o papel mais difícil de dialogar com as demais forças políticas, pois são mais consistentes ideologicamente e aguentam a pressão. Como dois rios, as duas frentes podem se encontrar no médio prazo, trazendo ganhos distintos e construindo uma unidade mais forte para as eleições de 2020 e 2022.
Vantagens e desvantagens das duas táticas existem. Não é um erro debater de forma transparente e pública essas vantagens e desvantagens, pelo contrário, essa é uma qualidade das forças políticas de esquerda. O equívoco maior seria transformar essas diferenças táticas e de avaliação de conjuntura em motivos para ataques mútuos e desrespeitosos dentro da própria oposição. Esse, aliás, deve ser o grande sonho dos partidos que compõem o governo e que se regozijam a cada briga pública da esquerda.
Theófilo Rodrigues é cientista político.