A integração territorial brasileira e a Embraer

Algo que não é muito dito pela imprensa é que o Brasil possui um potencial fantástico a ser explorado com o desenvolvimento da aviação regional, segmento que a Embraer é campeã no mundo todo.

Por possuir uma extensão continental e uma população concentrada principalmente nas regiões costeiras, a aviação regional tem um papel de integração territorial e cultural que promove uma série de benefícios econômicos e sociais para o país. Algo que já é praticamente consolidado na maioria dos países do dito primeiro mundo, com a ajuda do Brasil a partir da sua maior empresa de tecnologia (criada e desenvolvida pelo Estado brasileiro), a Embraer, que produz o melhor custo-benefício em aeronaves do segmento, como é o caso do E-195, presente em mais de 100 países no mundo. Sua remodelagem, o E-195-E2, é a maior aeronave produzida no Brasil, e já conta com uma encomenda de mais 30 aviões só da Azul, em crise.

Na Europa, EUA e Canadá, por exemplo, a quantidade de voos é muito maior do que no Brasil não apenas porque há uma renda média mais consolidada. A preocupação com um projeto de país duradouro que conseguisse essa integração do território historicamente passou pelo desenvolvimento e integração dos diversos modais de transporte, mas foi na aviação regional que encontrou seu formato mais acabado por ligar os interiores com o centro em alta velocidade.

Ao viajar muito mais rápido e muito mais barato para todo o país, permitimos uma circulação maior de informação, mercadorias e, é claro, mais negócios realizados e menos tempo ocioso. Sem falar na concorrência oferecida ao historicamente oligopolizado setor de transportes viários.

Só para compararmos, os EUA possuem uma frota de aviões 11 vezes maior que a nossa (490 aviões no Brasil para 5190 nos EUA, nos dados de 2014), sendo que aqui no Brasil temos apenas 105 cidades que conseguem ter serviço aeroportuário e nos EUA temos 390, sendo que a diferença territorial entre ambos os países não chega a 1.3 vezes (sem falar que há desertos nos EUA). Mais de 90% do território estadunidense já está interligado pela aviação regional. Enquanto o brasileiro viaja em média 0,5 vezes por ano, o estadunidense viaja 2,5.  Não preciso nem dizer o que isso representa em termos econômicos reais, com a geração de empregos nos mais diversos setores e, principalmente, no de aviação regional tendo em vista que a Embraer ainda está aqui, correto?

Mas como integrar os quase seis mil municípios que convivem com situações socioeconômicas e necessidades de demanda distintas entre si? Hoje existe uma distorção: apenas 58% da população têm acesso a um aeroporto com voos comerciais em até uma hora de deslocamento rodoviário.

Há localidades em que o isolamento chega a ser dramático. Sem avião, o transporte por terra ou água a uma cidade maior mais próxima pode levar até três dias. “O maior desafio é atender a uma baixa demanda com uma operação de menor custo, e que traga resultados”, comenta Sanovicz.

No Brasil, até há pouco existia um projeto de integração sendo levado a cabo pela Secretaria de Aviação Civil (SAC), o Pdar (Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional), mas que foi suspenso pela ‘falta de capacidade de investimento do Estado e, principalmente, da Infraero’. Até pouco tempo, essa secretaria contava com status ministerial para a aceleração desse processo, mas hoje foi absorvida pela pasta de Transportes. O responsável por levar à frente esse processo, iniciado no Governo Dilma, em 2012, era Moreira Franco, mais conhecido como o Gato Angorá da Lava Jato.

O Pdar prometia que 94% da população ficariam a até cem quilômetros de um aeroporto com voos regulares a partir do investimento estatal em cerca de 800 terminais aeroportuários do país. Com a crise, não demorou para que os cortes viessem e logo o projeto passou a falar de apenas 270 aeroportos. No final, a SAC arquivou o plano e prometeu trazer investimentos privados para a aviação regional a partir de uma maior flexibilização do setor.  O resultado: a entrega apenas dos principais aeroportos do Brasil (localizados nas metrópoles) para o setor privado. E nada de integração nacional.  Ou seja, a lógica do mercado por si só se mostrou, mais uma vez, ineficiente aqui.

Falo de tudo isso não só para que olhemos a questão da integração territorial como algo de extrema importância para o desenvolvimento nacional, mas principalmente para que tenhamos em mente o papel da Embraer como catalizador desse processo. A empresa JÁ É campeã mundial no setor de aviação regional. É ali aonde ela ganha a uma grande parcela dos seus lucros. Ou seja, mesmo que grande parte da sua cadeia produtiva não esteja localizada no Brasil, é aqui que está a sua inteligência e, principalmente, um potencial absurdo de mercado. Não é à toa que os EUA se interessam tanto pela Embraer. Lá está localizado o maior mercado CONSOLIDADO de aviação regional, sem falar é claro do interesse militar com a questão do KC-390.

Se a demanda agregada do setor ainda é pequena no nosso país, o papel do Estado como agente primário na ativação desse processo pode alavancar exponencialmente os ganhos da empresa no médio prazo e, é claro, dar um boom na nossa economia em um período de crescimento irrisório.

Obviamente, a autorização da venda da Embraer pelo Estado brasileiro, desse modo, representa uma visão específica de Brasil. Uma visão curto-prazista, uma visão míope do mercado que não enxerga um palmo a frente o quão grande é esse país e qual é o tamanho do seu potencial, inclusive para o próprio mercado que o renega. Me custa acreditar que o problema se trata apenas de perspectiva econômica. Se trata de umaperspectiva social. Ou a falta dela.

Nos perdoe Ozires.

Vinicius Costa Martins: Vinicius Costa Martins é jornalista formado pela ESPM/SP
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