*Denise Assis
O senhor Fabio Schvartsman despiu-se dos ternos bem cortados que costuma usar em sua sala de presidente da segunda mineradora do mundo, a Vale, deixou a barba por fazer e tirou do armário uma camiseta básica, preta, bem condizente com o momento que iria enfrentar. Em seguida, rumou para Brumadinho, município palco da tragédia que engoliu, numa golfada, cerca de 300 dos seus funcionários, todos, claro, ligados a alguma família, ou dali, da região, ou de algum canto desse país.
Em seguida, posou para fotos durante uma entrevista a um jornal de grande circulação. O fotógrafo caprichou no close, em que Fabio aparece com o rosto vincado e os pelos da barba, já embranquecida, brotando da pele. Desleixo? Não. Tudo milimetricamente calculado para combinar com o texto que diria: “Como vou dizer que a gente aprendeu, (após o acidente de Mariana) se acaba de acontecer um acidente desses?” O texto, evidentemente, carrega quilos de “humildade” e o faz um homem contrito, carregado de emoção.
E prossegue: “O fato é que não sabemos o que aconteceu e o que ocasionou, mas certamente vamos descobrir.” (…) “Peço desculpas a todos os atingidos, a toda a sociedade brasileira, e dizer que não mediremos esforços para enfrentar essa questão da forma que deve ser enfrentada”.
Muito bem, senhor Fábio. Pode ser que o senhor, do alto dos seus almoços caros e do cargo que ocupa, – embora seja a sua obrigação, e para isto recebe uma polpuda remuneração – não saiba, mas nós sabemos. O que aconteceu foi crime. De negligência de responsabilidade por um episódio que não pode ser classificado de outra maneira. Apenas desta. Crime.
Ao dizer que não medirá esforços para enfrentar essa questão da forma como deve ser enfrentada, conta com a sua influência e a certeza da impunidade que sempre cercou pessoas do seu porte econômico, para simplesmente postergar na Justiça as acusações que por ventura vierem a lhe ser imputadas. Às vezes elas nem têm como alvo o CEO da empresa. Ficam por ali, diluídas num palavrório jurídico que acabam, tal como aconteceu em Mariana, interrompidas nos escaninhos. Ao contrário da lama, que correu veloz nos dois casos, sobre as vidas, plantações, animais, propriedades, e tudo que encontrou pelo caminho.
Existem no país, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), 24.092 barragens cadastradas. Dessas, segundo levantamento feito há dois anos, 42% tem estruturas que funcionam sem ato de autorização, ou seja, de forma irregular, para dizer o mínimo. E, sabe-se, que pelo menos 143 delas estão sob a sua responsabilidade, senhor Fabio. Pertencem à Vale.
Mas sabe o que aconteceu? Certamente o seu tempo andava escasso em tentativas de negociações para afrouxar a legislação ambiental, que conforme andamos lendo ultimamente, “multa demais”. Sua preocupação estava em elevar de 5,1%, em 2017, o crescimento do seu produto, para 10,3% no terceiro trimestre de 2018. Foram geradas 104,945 milhões de toneladas, sendo 26 milhões em Paraopeba. Um salto. E sabe em quanto foi ampliada a capacidade do depósito de rejeitos da barragem de Brumadinho? Zero.
E aí, senhor Fabio, candidamente o senhor nos diz que não sabe o que aconteceu? Pois eu lhe digo: lucro em excesso. Ganância exacerbada. Preocupação de menos com o seu país, com a região onde o senhor desenvolve o seu negócio, com os funcionários que propiciavam o crescimento da Vale. Com as vidas dos que ali trabalham.
O senhor pede que o desculpemos. Eu lhe dou de troco um sonoro “NÃO”. Chega de achar que a nossa memória, a nossa indignação, descem rio abaixo, junto com a lama que o senhor joga na cara da sociedade. Não vamos soterrá-las nas suas desculpas. Pague a sua fatura, senhor Fabio. * Jornalista