Davos, uma fria

Arnd Wiegmann/Reuters/Direitos reservados

Denise Assis*

“Me dá medo”. Assim, sem rodeios ou meias palavras, o vencedor do prêmio Nobel de economia de 2013, Robert Shiller, descreveu o discurso de Bolsonaro em Davos, cercado de muita expectativa por parte de sua comitiva e da mídia no Brasil. Por aqui, comentaristas saltitantes e entusiasmados desfilaram pela tela da TV cantando loas ao poder de síntese do presidente. O que para eles soou como “competência”, para a diretora editorial e colunista do Le Monde e colaboradora do NY Times, Sylvie Kauffmann, foi descrito como um discurso de generalidades, incapaz de responder aos questionamentos de Klaus Schwab fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial. “Um fiasco”, resumiu.

E onde está a novidade? Para quem atravessou uma campanha presidencial sem enfrentar, de fato, em entrevistas, a perguntas sobre o seu plano de governo e depois escondeu suas “propostas” sob a recuperação de uma cirurgia no abdômen que, ora permitia que ele falasse para um canal específico, ora o impedia de participar de debates, não causou surpresa.

O que, sim, ficou deste primeiro dia da participação de Bolsonaro em Davos foi a sua imagem de isolamento durante o almoço, e o cancelamento de 15 agendas paralelas com empresários que esperavam ouvir sobre um país que anunciou aos quatro ventos ter se transformado em terra promissora para novos investimentos. Nem mesmo a elite endinheirada, que por aqui ele diz representar, quis saber de dois dedos de prosa com alguém que não consegue se expressar, ou responder de maneira objetiva o que foi fazer nas montanhas geladas da Suíça.

Enquanto no Brasil o seu amigo Fabrício Queiroz confessa que indicou para o gabinete do seu filho, Flávio, os parentes do miliciano acusado de envolvimento no crime da vereadora Marielle e do seu motorista, Anderson Gomes, Bolsonaro esperava, lá dos Alpes, conseguir esfriar a temperatura das investigações que estão prestes a subir a rampa.

Não conseguiu. O máximo que fez foi congelar, numa imagem lúgubre, o isolamento a que jogou o país. Sua viagem só corrobora a certeza em todos nós de que entramos numa fria. *Jornalista

 

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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