Por Theófilo Rodrigues
A decisão do PCdoB de apoiar a reeleição de Rodrigo Maia (DEM) à presidência da Câmara dos Deputados pegou muita gente de surpresa. Nas redes sociais alguns militantes antigos do partido anunciaram desfiliações. Como de costume, os militantes das demais legendas da esquerda do espectro político também não perderam a oportunidade de atacar os comunistas. Se já era esperado que o saldo seria tão negativo, qual a razão para o partido agir desse modo?
Para entender a decisão do PCdoB é preciso voltar um pouco no tempo. Em fins de 2017, o Congresso Nacional aprovou uma polêmica reforma política que havia começado em 2015 com o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB).
Entre alguns outros pontos, a reforma política de 2017 aprovou duas mudanças que incidem diretamente sobre os partidos pequenos: a cláusula de barreira e o fim das coligações. A partir das eleições municipais de 2020 e das eleições estaduais e federais de 2022 os partidos políticos não poderão mais organizar coligações para disputar as eleições. Além disso, partidos que não atingirem determinada votação mínima não terão acesso aos recursos do fundo partidário, nem tempo de televisão e rádio.
É aí que entra o dilema do PCdoB. A literatura especializada sabe que partidos políticos que não lançam candidatos à presidência da República e nem para governos de estado tendem a ter baixas votações para o parlamento. A ciência política chama de efeito coattail esse fenômeno pelo qual candidatos ao Executivo puxam votos para os partidos no Legislativo.
Como historicamente o PCdoB sempre apoiou candidatos do PT à presidência e aos governos de estado, sua força junto ao eleitorado para eleger parlamentares sempre foi fraca. Como o apoio para candidatos de outras legendas para o Executivo tem como consequência essa fraqueza eleitoral, o partido passou a adotar a seguinte tática: “bom, apoiamos vocês para o Executivo, mas vocês nos apoiam para o legislativo através de uma coligação”.
Para um partido considerado pequeno, a tática deu certo entre 1994 e 2018. Em geral com coligações formadas com o PT, o PCdoB elegeu 10 deputados em 1994, 7 em 1998, 12 em 2002, 13 em 2006, 15 em 2010, 10 em 2014 e 9 em 2018. Sem as coligações, o partido provavelmente teria eleito em 2018 apenas dois deputados: um no Maranhão e outro na Bahia.
O processo é dialético: sem as coligações o PCdoB elege poucos deputados; ao eleger poucos deputados o partido passa a não ter mais o fundo partidário e os tempos de televisão e rádio. Sem fundo partidário e tempos de televisão e rádio, o partido elege ainda menos deputados. Enfim, o processo leva à dissolução eleitoral dos partidos pequenos. De fato, esse foi o objetivo da reforma política impulsionada por Eduardo Cunha com o apoio dos grandes partidos, entre eles o PT.
Fundado em 1922, em 2022 o PCdoB completará seu centenário. Trata-se do partido com presença no Congresso Nacional mais antigo do país. Ocorre que, se nada mudar na lei eleitoral, 2022 não será apenas o ano do centenário, mas também o ano em que o PCdoB verá sua participação no parlamento ser reduzida drasticamente.
É sob esse registro que ocorre a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Num cenário em que a vitória de Rodrigo Maia já é inevitável, o PCdoB optou por negociar com o candidato do DEM alguma mudança na lei eleitoral que possa garantir a sua viabilidade no parlamento.
Um mecanismo possível que poderia ser aprovado pelo Congresso Nacional é a chamada “Federação partidária”. Essa fórmula possui uma diferença em relação às coligações: as “Federações partidárias” não se mantém unidas apenas na eleição, mas durante todo o mandato funcionam como se fossem um único partido. A vantagem é que, diferente das antigas coligações, esse mecanismo fortalece laços programáticos e ideológicos entre os partidos.
A adesão do PCdoB ao projeto de Rodrigo Maia certamente tem entre suas contrapartidas algum apoio do presidente da Câmara para a aprovação das “Federações partidárias”. Bom, se ainda não tem, deveria ter.
Defrontado com a possibilidade real de deixar de existir em 2022, o PCdoB busca por alguma alternativa institucional que lhe dê sobrevida. Seus dirigentes partidários sabem que a decisão é de difícil compreensão por parte do eleitorado. Sabem que serão massacrados na opinião pública e nas redes sociais. Mas esses mesmos dirigentes não querem ser os responsáveis pelo fim da legenda de 100 anos e por isso agem com uma “ética da responsabilidade” weberiana.
Do outro lado, seus críticos internos alertam: “ora, é justamente por esse tipo de ação conflitiva com a opinião pública que não conseguimos crescer no eleitorado e somos reféns das coligações. Deveríamos jogar pra plateia como fazem os outros partidos”. Para essa parcela crítica do acordo com Maia, o PCdoB deveria adotar um populismo de esquerda, como vem propondo a cientista política belga Chantal Mouffe. Para esses críticos internos, Manuela D´Ávila poderia ser a melhor expressão de uma nova estratégia de crescimento baseada em uma conexão mais próxima entre partido e eleitores. Em tempos de avanço do populismo de direita, a saída seria o populismo de esquerda. Mas para esse tipo de estratégia populista o acordo com Maia não ajuda, pelo contrário, atrapalha. Será? Esse é o dilema pelo qual passa o PCdoB.
Theófilo Rodrigues é cientista político.