Geopolítica e Fé
07/01/2019 10:14:43
Por José Luís Fiori
While the US government is moving toward a policy of regime change in Venezuela, its action may simply lead to a prolonged standoff.
Stratfor Worldview, Daily Brief, 4 de outubro de 2018.
Três anos depois do início das sanções econômicas americanas contra a Venezuela, o presidente Donald Trump anunciou, numa entrevista coletiva no estado de New Jersey – concedida no dia 14 de agosto de 2017 – que os EUA poderiam fazer uma ação militar na Venezuela. E um ano depois, no dia 8 de agosto de 2018, o jornal NYT noticiou que, de fato, vários funcionários americanos já haviam se reunido com militares venezuelanos, para promover a derrubada do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Por outro lado, e dentro deste mesmo tabuleiro, no mesmo mês de agosto de 2018, o presidente venezuelano visitou Pequim e recebeu o apoio político e financeiro do presidente Xi Jinping, assinando 28 acordos de cooperação com a China, nas áreas de energia e mineração.
Tais acordos alargam e aprofundam uma relação econômica de mais de uma década, que já superou a casa dos 50 bilhões de dólares emprestados ou investidos em 780 projetos econômicos financiados pelos chineses ou montados em parceria com os venezuelanos. Paralelamente, o presidente Maduro visitou e foi recebido na cidade de Moscou como um “aliado estratégico” da Rússia, com quem assinou acordos de investimento, no valor de R$ 6 bilhões de dólares, destinados aos setores de petróleo e mineração de ouro.
Não há dúvida, no entanto, de que esse “conflito anunciado” mudou de qualidade, no dia 10 de dezembro do ano passado, quando aterrissaram no aeroporto internacional de Caracas dois bombardeiros estratégicos Tu-160, um avião de transporte militar An124 e uma aeronave Il-62, da Força Aeroespacial da Rússia, para participar de exercícios militares conjuntos com as forças venezuelanas. Nesse momento, com toda certeza, a Venezuela mudou de posição no cenário internacional e passou a ocupar outro lugar, muito mais importante, na competição entre as três grandes potências que lutam pelo poder global neste início do século XXI.
Uma disputa aberta e sem fim previsível que se acelerou na segunda década do século, depois da posse de Vladimir Putin e Xi Jinping, em 2012 e 2013, respectivamente, e ainda mais, depois da posse de Donald Trump, em janeiro de 2017. Como todos os analistas já entenderam, Donald Trump abandonou a velha política norte-americana de apoio e promoção ativa de regras e instituições de governança multilateral e adotou, como bússola de sua política externa, o modelo westfaliano de solução dos conflitos mundiais, através da competição e do uso agressivo do poder econômico como arma de guerra, e o uso permanente da ameaça militar para o caso em que as sanções econômicas não funcionem. Trata-se de uma luta sem quartel e sem religião, orientada pelo mesmo nacionalismo econômico da Rússia e da China, e de todos os demais países que têm ainda algum peso no sistema mundial.
O petróleo não é a causa de todos os conflitos do sistema internacional. Não há dúvida, entretanto, de que a grande centralização de poder que está em curso no sistema interestatal também está transformando a permanente luta pela “segurança energética” dos Estados nacionais numa guerra entre as grandes potências pelo controle das novas reservas energéticas que estão sendo descobertas nos últimos anos. Uma guerra que se desenvolve palmo a palmo, e em qualquer canto do mundo, seja no território tropical da África Negra ou nas terras geladas do Círculo Polar Ártico; seja na turbulentas águas da Foz do Amazonas ou na inóspita Península de Kamchatka.
Não há dúvida de que as descobertas mais importantes e promissoras deste início de século foram as areias betuminosas do Canadá, o pré-sal brasileiro e o cinturão do rio Orinoco, na Venezuela. Este transformou a Venezuela na maior reserva de petróleo do mundo, calculada hoje em 300 bilhões de barris, enquanto as areias monazíticas transformaram o Canadá na terceira maior reserva, estimada em 170 bilhões de barris, logo depois da Arábia Saudita, mas muito à frente do Brasil. Este assim mesmo saltou para o décimo-quinto lugar do ranking mundial, com reservas estimadas de 13 milhões de barris¹, 2 sem levar em conta, evidentemente, as estimativas de alguns centros de pesquisa que falam que haveria até 176 bilhões de barris de reserva em todo o “polígono do présal” brasileiro.
Se somarmos a isto o salto da produção americana de petróleo e de gás, nos últimos três ou quatro anos, produzido pelo “fracking boom”, entenderemos por que o continente americano está se transformando no novo grande foco da geopolítica energética mundial. E entenderemos também duas outras coisas: a decisão norteamericana de voltar a ser o maior produtor de petróleo do mundo, e pivot ou controlador – em última instância – dos níveis de produção e preço do mercado mundial de petróleo.
O problema é que agora, do outro lado desta disputa, já não está apenas a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, que segue sendo um “Estado-cliente” dos Estados Unidos. Está a Rússia, que é o segundo maior produtor mundial de petróleo, e que está cada vez mais próxima e articulada com a OPEP, e com a própria Arábia Saudita. E está ainda a China, cada vez mais interessada em diversificar e garantir seu fornecimento de energia, impedindo ao mesmo tempo que os Estados Unidos imponham sua supremacia e seu controle sobre o mercado do petróleo, somando-o ao controle que já exercem sobre a moeda de referência internacional.
Tudo indica que essa disputa deverá se acirrar ainda mais no ano de 2019, quando os EUA estarão tentando aumentar a produção mundial de óleo, enquanto a Rússia e a OPEP estarão forçando na direção contrária. Mesmo ano de 2019 no qual, aliás, a OPEP será presidida pela Venezuela, e a Rússia talvez entre na organização com o apoio da Arábia Saudita. Dessa perspectiva, talvez se possa compreender melhor a “ordem unida” que os norte-americanos decidiram impor em seu hemisfério, e o enfrentamento geopolítico e geoeconômico que se anuncia na Venezuela.
Dentro desse quadro de enorme complexidade econômica e geopolítica, soa absolutamente delirante, quase infantil, imaginar que está sendo travada na Venezuela uma batalha em defesa da fé cristã, e dos valores e arquétipos da civilização ocidental. Esse tipo de visão milenarista costuma reaparecer de tempos em tempos, em certas idades, e em alguns momentos da história, mas não costumam chamar atenção nem causar maiores danos coletivos enquanto se mantenham como uma fantasia individual.
No entanto, tudo muda de feição quando esses arroubos milenaristas se transformam numa Cruzada que pode dar lugar a uma guerra insana – neste caso, envolvendo pelo menos três países da América do Sul que não têm a menor experiência, nem a menor competência técnica, logística e psicológica para fazer uma guerra com suas próprias pernas. Em momentos como este, de grande exuberância teológica e entusiasmo salvacionista, é bom lembrar aos cruzados uma velha lição da história, a respeito dessas “guerras santas”, entre pequenos “peões militares” terceirizados pelas grandes potências: depois que começam, elas não costumam ter fim.
Fonte:
¹ Dados publicados em 1º de janeiro de 2017, no The World Factbook, da Central Intelligence Aghency/ CIA, www.cia.gov/library.
Artigo publicado pelo Portal GGN.
Obi-Wan
13/01/2019 - 19h47
òvio que é sobre o controle e querem roubar o petróleo venezuelano.
O processo começou lá atras, com todos aqueles golpes contra chaves, o circo midiático
dentro da venezuela e internacionalmente demonizando o pais, sabotagens na economia.
Algo muito parecido com que ocorreu no Brasil. Aqui a coisa foi rápida 2 anos de caos para os entreguistas fazerem as doações.. Certo faz o governo venezuelno pedir ajuda para garantir alguma
estabilidade contra as forças imperiais.
Guimarães Roberto
12/01/2019 - 05h11
Paulo, o Maduro estava sem alternativa de peso.
Paulo
12/01/2019 - 11h07
Jango também estava, quando Brizola lhe ofereceu a resistência do III Exército, e, num ato de grandeza política e patriótica, a fim de evitar derramamento de sangue entre brasileiros, recusou…
Paulo
11/01/2019 - 18h02
Eu não sei quem é mais irresponsável, se Fidel Castro, ao instalar mísseis soviéticos em Cuba; ou se Maduro, ao receber aviões de guerra russos, em seu território, para “manobras conjuntas”…
Vinícius
11/01/2019 - 21h14
Talvez não seja questão de irresponsabilidade e sim de responsabilidade com a soberania de seus países.
Seria irresponsável quem oferece território para os EUA operacionais ataque a outro país?
Guimarães Roberto
11/01/2019 - 22h04
Paulo, em nenhum dos dois casos ocorreu irresponsabilidade.
No caso de Cuba, os EUA tinham imposto o bloqueio econômico à ilha e tentado, sem sucesso, invadi-la pela Baia dos Porcos (Abril/1961). Necessitando de apoio econômico e político, Fidel ofereceu seu território para instalação de mísseis (a partir de Maio/1962) para sua defesa e como advertência aos EUA em relação a futuras tentativas de derrubar o governo. Apesar do bloqueio naval imposto por Kennedy a Cuba, ocorreram negociações entre os dois grandes países, EUA e URSS, no sentido de retirarem os mísseis. A URSS retirou os mísseis de Cuba e os EUA retiraram os mísseis da Turquia e suspenderam o bloqueio naval. Fidel obteve o apoio que necessitava permanecendo sob a área de influência da URSS.
No caso da Venezuela, os EUA vem pressionando, através de seus aliados na América Latina, por uma intervenção naquele país cujo objetivo é a derrubada do presidente Maduro. Dono das maiores reservas de petróleo do mundo não foi difícil para Maduro obter apoio militar da Rússia e econômico da China, países com os quais a Venezuela mantém relações diplomáticas e comerciais. Trump deverá pensar duas vezes antes de propor qualquer atitude mais drástica contra esse país.Os EUA possuem grandes investimentos na Venezuela, assim como esta também possui grandes investimentos nos EUA.
O problema continua a ser o petróleo. Parece que os EUA não admitem que países em desenvolvimento administrem grandes reservas de petróleo sem a sua presença. Qualquer país sem poderio militar e possuidor de reservas petrolíferas terá sempre os EUA tentando desestabilizá-lo para obter o acesso às jazidas desse bem insubstituível até aqui. Todos sabem que é o petróleo que toca todas as indústrias ao redor do mundo.
Paulo
11/01/2019 - 23h44
Ao atrair militares russos, o clima de insatisfação, entre as FFAA dos demais países latino-americanos (Brasil principalmente), só aumenta, trazendo uma tensão geopolítica desnecessária para a Região, e atraindo ainda mais a ira norte-americana, que – queiramos ou não, e eu não me orgulho disso nem um pouco disso – sempre considerou a AL um quintal seu. É preciso evitar a todo custo uma guerra fratricida entre nós, sul-americanos, o que traria consequências muito negativas a longo prazo, para a unidade do Continente, fora as perdas humanas e materiais…
Euclides de Oliveira Pinto Neto
12/01/2019 - 11h18
Corretissima sua apreciação. O articulista baseia-se em informações fornecidas pela CIA, muito fora da realidade. O Brasil do pré-sal possui reservas comprovadas em torno de 156 bilhões de barris, atrás de Venezuela, Arabia Saudita e Russia. As tais reservas do Canadá são falaciosas, lançadas para confundir aqueles menos informados. A guerra pelo petróleo justifica-se porque os petro-dólares representam a continuação do poder do dólar como moeda de reserva internacional, moeda sem nenhum lastro – aquele ouro de Fort Knox só existe em Hollywood – e que os USA Inc. utilizam como instrumento para chantagear governos que privatizaram suas reservas de petróleo e gás – como Venezuela e Iran – e aqueles da Europa que insistem em realizar negócios com a Russia. Como o dólar impresso pelos “banksters” Rothschild – donos do FED, FMI, Banco Mundial e BIS – está sendo substituido por acordos “counter-trade”, a importância do dólar está sendo reduzida… Já imaginaram se os países do mundo não aceitassem mais o dólar para vender seus produtos ? A empresa USA Inc. iria à falência… Esse é um indício do fim do “império” cada vez mais evidente…