Essa entrevista produziu furor nas hostes petistas, porque Camilo pronunciou a palavra maldita no partido: autocrítica.
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No Globo
‘Faltou ao PT (autocrítica) durante todo o processo’, diz Camilo Santana, reeleito governador do Ceará
Prestes a iniciar 2º mandato, petista diz, porém, que partido foi o grande vitorioso da eleição de 2018
Sérgio Roxo
30/12/2018 – 04:30 / Atualizado em 30/12/2018 – 08:29
SÃO PAULO – Reeleito no primeiro turno no Ceará com a maior votação do Brasil (79,95%), o petista Camilo Santana assume o segundo mandato no dia 1º com disposição de dialogar com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Ao mesmo tempo, diz que uma autocrítica seria importante para o seu partido e fala da relação do PT com seus aliados locais Ciro e Cid Gomes (PDT).
Quais as questões principais de interesse dos estados do Nordeste que o governo Bolsonaro terá que enfrentar?
Primeiro, o problema do pré-sal. O Congresso votou a nova redistribuição das reservas de petróleo, que foi barrada no STF. Acho que o governo federal tem o papel de ser o coordenador e pacificador dessa questão. O outro tema é o salário-educação. A Constituição é muito clara ao dizer que esses recursos devem ser distribuídos de acordo com o número de alunos e não é assim. Hoje é distribuído de acordo com os locais onde estão instaladas as sedes das empresas (que contribuem para o fundo). Se o governo federal coordenar, encontra uma solução. Outro tema é o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), que vai ser encerrado em 2020.
Bolsonaro foi eleito com bandeira de afrouxar o desarmamento. O senhor comanda um dos estados com altos índices de violência. O que acha que vai acontecer se as pessoas passarem a ter mais armas?
Particularmente não acho que esse seja o caminho. Penso ao contrário: temos que desarmar a população.
Se ele levar o projeto adiante, o senhor pretende se opor?
Claro que eu vou me posicionar. A democracia é isso.
Pela fala do senhor, é possível concluir que, mesmo sendo filiado ao PT, o senhor quer ter uma boa relação com o governo Bolsonaro?
Quando a gente assume o papel de governar o estado, depois que a eleição passou, nós temos a responsabilidade de melhorar a vida da população. Então, independentemente de quem seja o presidente, nós queremos construir uma relação institucional. Da mesma forma que ele foi eleito, eu também fui eleito com 80% dos votos no meu estado.
O senhor tem uma ligação muito próxima com os irmãos Cid e Ciro Gomes. O Ciro tem se afastado do PT. Como o senhor pretende se colocar nessa disputa? De que lado o senhor vai se colocar?
Tenho uma relação muito positiva com o Ciro e com o Cid. Temos uma aliança muito forte no Ceará. Muito mais nos une do que nos separa. Claro que há divergências. Eu defendi, antes das eleições, que nós apoiássemos o Ciro. Defendi até a chapa Ciro-Haddad. Acho que esse era o melhor caminho nesse momento.
Acredita que o resultado teria sido outro com essa chapa?
Não tenho dúvida que o resultado poderia ser outro, até porque o Ciro foi o terceiro colocado e o Haddad, o segundo. Houve uma reação muito forte ao PT nessa eleição, principalmente no Sul e Sudeste. Um antipetismo muito grande. Por mais que o Haddad seja uma pessoa de um grande caráter, um cara íntegro, havia uma rejeição muito grande por conta de ele ser do PT.
Foi um erro ter lançado o Haddad nessas circunstâncias?
Não cabe mais discutir se foi erro ou não. Já passou. Vamos agora pensar no futuro.
O que o PT precisa fazer para reverter esse desgaste de imagem?
Eu já defendi lá atrás que o PT precisa se reinventar, reavaliar os seus caminhos, se reorganizar, se aproximar das suas bases, movimento sindical e, muitas vezes, reconhecer os erros que foram cometidos. Acho que isso faz parte, isso demonstra de certa forma para a população e para o povo que todos estão sujeitos a cometer erros. Faltou um pouco isso para o partido, ter humildade. Querer construir um projeto que seja um projeto de nação. Isso precisa estar muito claro, não só para o PT, mas para todos os partidos. Às vezes, nosso posicionamento não é muito aprovado dentro das agremiações, mas tenho um estilo de sempre defender aquilo que acredito.
Quando o senhor fala reconhecer os erros se refere aos escândalos de corrupção?
É tudo. Não é só isso. Independentemente de partido, qualquer um que cometa um erro tem que responder, seja do PT, do MDB, do PSDB. Eu falo dos erros cometidos pelo próprio governo na condução da política econômica, na relação com movimentos sociais. Foram vários erros cometidos, estratégicos do partido, que precisam ser muitas vezes avaliados, acho que a autocrítica é importante. Se o homem público não for capaz de fazer uma avaliação, está fadado ao insucesso.
Faltou autocrítica na eleição?
Não na eleição. Acho que faltou ao PT um pouco (de autocrítica) durante todo o processo. O PT fez muito esforço e foi um grande vitorioso. Considero que o partido mais vitorioso dessa eleição foi o PT: elegeu o maior número de governadores, a maior bancada de deputados federais, elegeu senadores. Tirou 45% dos votos para presidente com um candidato que foi apresentado a 20 dias da eleição. Claro que há uma reação muito forte em algumas regiões do país, o antipetismo. Precisa ser reavaliado, analisado. Alguma coisa está errada. É preciso reconhecer.