Os tumultos ocorridos nas diplomações dos deputados estaduais e federais – destaque negativo para São Paulo e Minas Gerais – são ilustrativos do comportamento fascista e da degradação do parlamento que acompanharemos na próxima legislatura.
A começar pelas vaias e insultos reportados em Minas e no Rio Grande do Sul, dirigidos às deputadas Áurea Carolina (MG) e Luciana Genro (RS), ambas do PSOL, por homenagearem Marielle Franco e pedirem justiça pela sua morte. Marielle foi brutalmente assassinada, um crime com evidentes motivações políticas, mas nem tal tragédia é capaz de comover alguns deputados e a claque fanatizada da direita, os quais não conseguiram demonstrar um milímetro de respeito pela dor alheia.
Em SP e MG os ânimos acirrados descambaram em violência física.
Na capital paulista, Alexandre Frota, eleito deputado federal pelo PSL de Bolsonaro, arvorou-se a segurança da cerimônia de diplomação e tentou tirar do palco, aos empurrões, Jesus dos Santos, do PSOL, membro do mandato coletivo encabeçado por Monica Seixas que foi eleito para a Assembleia Legislativa de São Paulo.
Frota disse depois que “não pode aceitar que um sujeito desses pule no palco” e chamou Jesus de “bandido”. Eduardo Bolsonaro, também diplomado no dia, falou em “atos bandidos” ao comentar o episódio.
Em Minas Gerais, um cartaz onde estava escrito “Lula Livre” foi arrancado da deputada Beatriz Cerqueira (PT) por uma pessoa do cerimonial. Uma lamentável censura a uma manifestação política absolutamente legítima de uma representante eleita pela população.
Quando o deputado Rogério Correia (PT) empunhou outro cartaz “Lula Livre”, no palco, o cabo Junio Amaral (PSL), também deputado eleito, aproximou-se e simplesmente tentou arrancar o cartaz das mãos de Rogério. Este reagiu dando um soco em Junio, que tentou revidar e errou o alvo. A briga foi, então, separada.
A explicação de cabo Junio sobre o acontecido é reveladora do modus operandi fascista:
A partir do momento que eles trazem essa manifestação, pior, fora da vez dele, levanta fica exibindo esse outdoor. Tem outra menina ali que integra o comando vermelho lá, tava estendendo o tempo todo. O pessoal pediu muitas vezes. Então se não tem ordem, a gente vai lá e resolve. E ai ele achou o que, que eu ia ficar na minha depois que ele tentasse me acertar um soco. Onze anos na polícia eu nunca tive medo de vagabundo, não vai ser agora não.
Enquanto Frota e Eduardo Bolsonaro chamaram Jesus de bandido, Junio chamou Rogério de vagabundo.
Os termos “bandido” e “vagabundo” foram banalizados e são usados recorrentemente para designar pessoas de esquerda. A lógica fascista é evidente aqui: se é de esquerda, é bandido/vagabundo; se é bandido/vagabundo, pode sofrer violência sem problemas.
Atitudes truculentas como as cometidas por Frota e pelo cabo Junio somente são viáveis por conta desse processo de desumanização da esquerda que vivemos. Eles não agiriam como brigões de colégio, em plena pomposa solenidade de diplomação, sem o respaldo do ódio coletivo à esquerda que foi plantado e adubado pela mídia e pelo Judiciário, não foi combatido eficazmente e, assim, deu podres frutos em significativa parcela da população.
Outro elemento importante, presente tanto no imbróglio de São Paulo quanto no de Minas Gerais, é a inclinação do fascista de corromper a lei e a ordem enquanto grita que está defendendo-as.
Frota “não aceitou” que Jesus subisse no palco e, ao invés de manifestar seu descontentamento ao cerimonial, resolveu acatar seu próprio pleito e agir violentamente para colocar em prática o que achava correto.
O cabo Junio deixa essa tendência L’État c’est moi ainda mais explícita ao afirmar que “se não tem ordem, a gente vai lá e resolve”.
A fascistização da sociedade resulta em aberrações como essas. Se o guarda da esquina já é um problema em tempos autoritários, imagine deputados em pleno surto delirante de poder.
As vergonhosas manchetes envolvendo deputados, tumultos e socos não devem parar na diplomação. Temos longos quatro anos pela frente.