O filósofo Luiz Felipe Pondé é um dos mais destacados intelectuais da direita – é claro que a léguas de distância do emplacador de ministros Olavo de Carvalho, que não tem adversário intelectual do seu nível nem na esquerda. Segundo o próprio, é claro.
Pondé publicou, esses dias, um artigo sobre uma proeminente questão filosófica dos nossos tempos: será que homens que gostam de ver fotos de outros homens usando lingerie são gays?
O filósofo leu, no The Guardian, uma opinião sobre o tema, segundo a qual “as namoradas devem estimular o anseio secreto dos namorados”, e aparentemente ficou furibundo:
(A namorada) Deve, quem sabe, estimulá-los a usar calcinhas e batom.
Mundo louco esse, não? Se antes você sonhava com um príncipe —e todo mundo dizia que você era uma idiota manipulada por isso—, agora as especialistas estão a dizer que se seu namorado gosta de ver fotos de homens vestidos de mulher, isso não implica em ele ser gay.
Lamento, mas, provavelmente, você está namorando um gay. Não à toa, uma das perguntas mais comuns das mulheres feitas ao Google nos EUA é “como saber se meu marido é gay?”.
Antes você esperava que seu namorado enfrentasse perigos por você. Agora, especialistas dizem que você deve, quem sabe, estimulá-lo a sair de saia e salto alto para as festas com você.
Uau. Espero que Pondé não frequente blocos de carnaval; aquela profusão de homens de saia deve irritá-lo profundamente.
Para o filósofo, namorado de verdade é o “príncipe” que “enfrenta perigos” pela namorada. Quem sabe arrumar uma briga desnecessária em um bar ou reagir estupidamente a um assalto seriam as provas de valentia modernas? Não se fazem mais machões como antigamente…
Pondé nos brinda, no texto, com mais alguns preciosos decretos filosóficos:
O fato é que os jovens desconhecem dados básicos da realidade, tipo: mulheres mais jovens sempre gostaram de sair com homens mais velhos, seja por amor, encanto, paixão, dinheiro, ascensão social, enfim.
E não estou sendo “judgmental” —adoro essa palavra gourmet: ser “judgmental” é julgar alguém ou algo. O cool é ser “nonjudgmental”, isto é, não julgar ninguém, como se isso fosse possível.
Namorado de verdade só se estiver no padrão “príncipe machão”, mulheres jovens gostarem de homens mais velhos é um “dado básico da realidade”, é impossível não julgar as pessoas… Pondé poderia constar no dicionário como exemplo do que é um conservador.
Depois deste um tanto tortuoso introito com as opiniões terminantes do Pondé – me perdoem, leitoras – chego ao ponto que gostaria de abordar, o erro básico do conservadorismo: a vida, inapelavelmente, evolui.
O erro, portanto, começa pelo nome. Lutar pela simples conservação de estruturas sociais, morais, políticas ou qualquer outra é remar contra o fluxo natural da vida, que, das colônias de insetos às sociedades humanas, é o da evolução.
Além disso, o conservadorismo esconde duas manifestações contraproducentes do ego humano.
Uma delas é o medo. A mudança é sempre desafiadora, pois nos tira da confortável e supostamente segura posição de estagnação.
Nada neste universo, entretanto, pode permanecer para sempre como está. A impermanência é uma característica fundamental da realidade. Tudo tem seus ciclos. Tudo nasce, cresce, atinge seu ápice e morre, seja um brócolis, sua avó, o império romano ou o Sol. Reivindicar a conservação das estruturas vigentes é, portanto, inútil. Como canta o Lulu, tudo muda o tempo todo no mundo.
A outra manifestação do ego subjacente à posição conservadora é a empáfia. O conservadorismo contém em si, implicitamente, a ideia de que chegamos ao ápice do nosso desenvolvimento. Se é bom que conservemos as coisas como são, a decorrência lógica é assumirmos que não temos mais como evoluir. Atingimos, finalmente, a perfeição.
Isso é obviamente falso. O filósofo Sócrates já tinha sacado, na Grécia Antiga, que estar consciente da própria ignorância é infinitamente mais sábio do que achar que se sabe tudo. Estamos no século XXI e os conservadores, inclusive seus representantes filósofos, ainda não captaram a mensagem simples e profunda do pensamento de Sócrates. Ah, se o Pondé tivesse pelos filósofos de antigamente o mesmo apreço que tem pelos namorados…
A mudança e a evolução são, portanto, duas bem estabelecidas leis da natureza. Tanto é assim que os próprios conservadores mudam e evoluem ao longo do tempo. Ou algum conservador ainda defende que a escravidão seja legal, por exemplo?
É evidente que não há uma linearidade na evolução, como o demonstra o momento que o Brasil e boa parte do mundo vive, de reação às mudanças. Mas se o conservadorismo porta um erro insanável em si mesmo, o que dizer do reacionarismo?
Ambos terão que, inapelavelmente, ceder às leis da mudança e da evolução.
Para encerrar, lembro ao Pondé que os grandes mestres espirituais da história da humanidade afirmaram ser possível, sim, não julgar os outros. Trata-se, como tudo na vida, de uma questão de prática. Tirar o rótulo de impossível do nonjudgmental é um bom começo.
Afinal, se é possível não julgar, com muito esforço, quem faz pose de intelectual segurando um cachimbo, você também pode, Pondé.