Lacrosfera é um neologismo derivado de outra palavra inventada: lacrobolha, que por sua vez mescla “lacre” e “bolha’.
“Lacre”, ou “lacrar” é o termo usado para uma maneira específica de se portar nas redes sociais, característica sobretudo em setores progressistas. A figura “lacrou”, ou seja, proferiu uma frase, ou pensamento, que enterraria qualquer contestação. É típico do pensamento lacrador frases do tipo: “agora não há o que discutir, né?”
A lacrobolha é o universo fechado, asfixiante e medíocre em que vivem os lacradores. O sujeito passa os dias proferindo platitudes e clichês politicamente corretos, de preferência associados a algum tipo de gracinha, sempre com uma postura triunfante e definitiva. Aos seguidores cabem concordar. O próprio tom com que a frase é dita já deixa claro que o discordante não pertence sequer à raça humana; é um “anti ser humano”, como já disse alguém.
O mal que a lacrobolha faz ao campo progressista é incomensurável. Ela cria um mundo paralelo, em que tudo vai às mil maravilhas, os nossos representantes nunca são derrotados. Ou então, o que me parece o cúmulo do ridículo, somos derrotados aqui mas vencedores na “história”, seja lá o que isso queira dizer. Nem vou me referir às pesquisas e pesquisadores próprios da lacrobolha.
A crítica, a autocrítica, uma abordagem incômoda, diferente, de um problema político complexo, são inimigos mortais da lacrosfera, que é o universo das lacrobolhas (sim, há várias lacrobolhas dentro da lacrosfera), porque a lacrosfera é ancorada em certezas absolutas.
A pesquisa CNI/Ibope, divulgada hoje, confirma, no entanto, que a lacrosfera continua falhando miseravelmente em sua avaliação de Jair Bolsonaro.
O presidente eleito iniciará seu mandato com uma avaliação muito boa, com 75% dos entrevistados afirmando que ele está no caminho certo.
Os percentuais são maiores entre os segmentos que as pesquisas mostravam que formavam o núcleo duro de seu eleitorado: homens, classe média, do sul, sudeste e centro-oeste.
Entre brasileiros com renda familiar de 2 a 5 salários e acima de 5 salários, por exemplo, 79% e 82%, respectivamente, afirmam que ele está “no caminho certo”, e 68% e 72% consideram que seu governo deverá ser bom ou ótimo.
Mas Bolsonaro também está forte no Nordeste, onde 67% afirmaram que ele está “no caminho certo”. 64% dos dois mil entrevistados pelo Ibope esperam que o novo governo seja ótimo ou bom.
Entre mais pobres, que ganham até 1 salário de renda familiar, entre os quais Bolsonaro perdeu no segundo turno para o candidato do PT, também nota-se um voto de confiança no governo eleito: 70% acham que Bolsonaro está no caminho certo.
Essa situação é a razão pela qual políticos experientes entendem que é preciso muita inteligência e estratégia para construir uma oposição eficaz a Jair Bolsonaro, uma oposição que consiga sair das “lacrobolhas” e atingir parcelas maiores da população.
Quando um político de oposição deseja “boa sorte” e “sucesso” ao governo de Jair Bolsonaro não é porque pretende deixar de fazer oposição, ou não necessariamente por causa disso, e sim porque a vitória política e eleitoral de Bolsonaro é um fato.
Os questionamentos de “fraude eleitoral”, por exemplo, embora tenham alguma repercussão dentro das lacrobolhas, soam como choro de derrotado aos olhos da imensa maioria da população e acaba por enfraquecer a oposição.
As grandes maiorias não podem se dar ao luxo de desejar o fracasso do governo Bolsonaro, por razões muito práticas. Mesmo que tenham votado e feito campanha para outro candidato, entendem que agora a coordenação das políticas econômicas do país estarão à cargo do presidente eleito, e como precisam de empregos, serviços de saúde e segurança, alimentam esperanças que essas demandas possam ser atendidas.
Cabe à oposição duas estratégias paralelas: de um lado, montar uma vigilância crítica, atenta, servindo de intermediário e intérprete das ações de governo, cobrando transparência e informação, para que a população possa julgar por si mesma o que está sendo feito e seus resultados; de outro, estimular a auto-organização da sociedade, ajudando-a a criar estruturas e ferramentas de ação e inteligência, de preferência independentes de burocracias sindicais e partidárias, ao mesmo tempo em que cuida de aperfeiçoar e fortalecer as instâncias partidárias e sindicais, como quem prepara um exército para futuras batalhas.
Os pontos fracos de Bolsonaro vão aparecer. É preciso ter paciência e não cair nas armadilhas udenistas montadas pelo consórcio mídia e justiça.
Setores progressistas devem tomar cuidado com posturas de linchamento e acusação que, depois, se voltam contra o campo popular, o qual está particularmente desprotegido quando se trata de sua relação com uma máquina judicial quase inteiramente em mãos se setores reacionários e elitistas.
A pesquisa CNI/Ibope mencionada neste post deixa bem claro que a população irá cobrar duramente do governo a promoção de políticas de geração de emprego, investimentos em saúde pública e combate aos problemas de segurança e corrupção.
A medida em que seu governo começar a enfrentar os problemas reais, e a população se dar conta de que estes não serão resolvidos com rapidez, é muito provável que a avaliação de Bolsonaro comece a declinar. A oposição, neste momento, precisa estar bem estruturada, prestigiada, respeitada pelas maiorias, inclusive por aquelas que votaram em Bolsonaro, para ser um porta-voz confiável das insatisfações populares.