Tenho procurado abordar o “escândalo” do assessor de Flavio Bolsonaro com bastante prudência. Até agora não foi encontrado nenhum ilícito, apenas indícios de movimentação financeira de um assessor, acima de seus rendimentos, além do caso ainda mal contado do cheque de R$ 24 mil para Michele Bolsonaro, e que seria, segundo o presidente eleito, o pagamento de uma dívida.
Hoje a Folha traz reportagem sobre o tema que fala em depósitos seguidos de saque.
Apesar da comoção natural em tudo que envolve um presidente da república, ainda mais alguém tão odiado como Bolsonaro, temos que tomar cuidado com sensacionalismo vulgar. Que depósitos e saques sejam mais ou menos coincidentes, tem uma lógica simples. Eu preciso de uma certa quantia para fazer um determinado pagamento, então cobro uma dívida de alguém, ou peço emprestado, ou arrumo os recursos de qualquer outra forma, e quando estes já se encontram em minha conta, eu vou lá, retiro o dinheiro e faço o pagamento. Não se tratando de milhões de reais em espécie, mas apenas alguns milhares, isso está dentro da normalidade, em especial quando se trata de pequenos negócios informais (ou talvez, ilegais, a se investigar).
As suspeitas mais plausíveis, até aqui, recaem sobre esse hábito (ilegal) de vereadores e deputados de usar salários de assessores para pagar dívidas de campanha, ou mesmo para enriquecer o titular do cargo. Há casos também de assessores que têm ascendência política sobre colegas, a quem cobram o favor do emprego obtido, na forma de um percentual sobre seus salários. É um comportamento de mafioso. Nada que surpreenda muito no mundo político da extrema direita fluminense, cerca de milicianos por todos os lados.
No Globo, vemos reportagem sobre a “simplicidade” da casa de Fabrício Queiroz, que movimentou 1,2 milhão de reais em sua conta. Também aí não há crime nenhum. Mais estranho seria se Queiroz vivesse numa mansão acima de suas posses. No entanto, talvez seja um indício de que o dinheiro movimentado não era dele, e que ele era o “laranja” de alguém. As suspeitas recaem, naturalmente, sobre o filho de Bolsonaro, o deputado estadual Flavio, eleito senador pelo Rio de Janeiro. Mas, repito, é preciso investigar com tranquilidade.
Entretanto, há uma notícia hoje no site do Ministério Público Federal que merece alguma atenção. O Coaf remeteu os dados financeiros suspeitos ao MP federal. E este agora, vendo a batata queimar na sua mão, repassou o caso para o MP estadual. Ou seja, a investigação foi “rebaixada”, já que é notório que o MPF estadual tem menos recursos de investigação que o órgão federal. Se o caso do assessor do senador Flavio Bolsonaro for investigado apenas pelo MP do Estado, estará mais vulnerável a pressões de cima do que se o fosse pelo MP federal, instituição superpoderosa, ou pelos menos que vinha aparentando ser até este momento.
O MPF alega que há “ausência de indícios que justificassem alguma apuração em âmbito federal relacionados a tais nomes [deputados]”. Bem, talvez os procuradores federais não estejam lendo jornais, mas há um assessor investigado que se liga a um senador eleito e a um presidente da república. Há, sim, portanto, indícios que justificam uma apuração em âmbito federal.
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No site do MPF
Esclarecimento: MPF remete ao MP/RJ relatório que cita fatos alheios à Operação Furna da Onça
Documento recebido pelo MPF na 2ª Região é remetido pelo Coaf a órgãos de persecução penal
O Ministério Público Federal (MPF) esclarece que remeteu nesta segunda-feira (10) ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP/RJ) uma cópia do relatório de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com indícios de movimentações de recursos incompatíveis com rendimentos declarados por profissionais da Assembleia Legislativa (Alerj), incluindo assessores de deputados estaduais.
O relatório tinha sido encaminhado espontaneamente pelo Coaf ao MPF e serviu de base para as investigações envolvendo deputados estaduais investigados na Operação Furna da Onça. No entanto, como o documento indicava a existência de movimentações atípicas de outras pessoas que não eram alvos da referida operação, o MPF na 2ª Região (RJ/ES), diante da ausência de indícios que justificassem alguma apuração em âmbito federal relacionados a tais nomes, remeteu o material ao MP/RJ, para que o órgão apure eventuais ilícitos de competência estadual cometidos na Alerj.