O senador eleito Jaques Wagner concedeu entrevista à Folha neste sábado (8), em que realinhou seu discurso à narrativa hegemônica no PT, de que o partido não tem de fazer nenhuma autocrítica e que, no máximo, alguns de seus fizeram “bobagem”.
Antes de entrar na entrevista, permitam-me uma digressão sobre o papel desempenhado por Jaques Wagner no processo político deste ano. Se preferirem, saltem para a próxima parte, depois dos asteriscos.
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Wagner era o nome preferido por Lula (o repórter da Folha assim o afirma categoricamente na entrevista, então imagino que isso tenha alguma procedência) para ser o candidato do partido à presidência da república.
A tese fazia sentido. Nos primeiros meses da prisão de Lula, quando o PT ainda não havia definido sua estratégia, Wagner era um dos petistas que mais visitava o ex-presidente.
Entretanto, Wagner se recusou a assumir o papel mais tarde desempenhado por Fernando Haddad. Segundo fartamente divulgado na imprensa, um dos motivos para não aceitar a oferta de Lula, seria o temor de que exposição excessiva de uma candidatura presidencial poderia atiçar a fúria de setores lavajateiros, que há tempos tentavam “pegá-lo”.
A Lava Jata caça Jaques Wagner, sem sucesso, desde pelo menos 2016, quando o MPF convence Nestor Cerveró a citá-lo numa delação, acusando-o de ter sua campanha para o governo do estado bancada por verba desviada da Petrobrás. Cerveró, no entanto, não acrescenta nenhuma prova à denúncia, e esta não foi para frente.
Em fevereiro deste ano, dias depois de começarem a circular notícias de que Jaques Wagner era o “preferido de Lula” para disputar a presidência da república, a Lava Jato deflagra a operação Cartão Vermelho, que tinha o ex-governador como principal alvo. Na ocasião, a PF pediu sua prisão com uma justificativa muito emblemática dos tempos sinistros que vivemos: como o STF havia proibido o uso de conduções coercitivas, numa de suas raras atuações contra o arbítrio lavajateiro, a PF achou conveniente que o ex-governador fosse preso temporariamente. Felizmente, nem todo juiz é Marcelo Bretas e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) recusou a solicitação. Mas o chumbo foi grosso. A delegada da PF acusou Wagner de receber R$ 82 milhões em propinas e a denúncia teve grande repercussão da mídia, incluindo quase cinco minutos no Jornal Nacional. A acusação era absurda. A PF copiava uma confusão do Tribunal de Contas da Bahia, que demonstrou não entender a dinâmica de uma obra movida por parcerias público-privado, onde o conceito de superfaturamento não se aplica.
Assustado com o assédio da Lava Jato, Wagner não apenas decide afastar qualquer especulação em torno de seu nome como candidato presidencial, como se torna o principal defensor, dentro do PT, de um apoio da legenda a Ciro Gomes. A Wagner, se juntariam os governadores da Bahia, Rui Costa, do Maranhão, Flavio Dino, e, dizia-se, até mesmo Fernando Pimentel, governador de Minas, interessado em costurar um acordo que neutralizasse um de seus adversários mais perigosos no estado, Marcio Lacerda, do PSB. O governador do Ceará, Camilo Santana, do PT, era um dos mais animados com a candidatura Ciro. A lógica era simples: como Lula não podia ser candidato, e o PT estava sob fogo cerrado do partido da justiça, seria oportuno, para o PT, dar um passo atrás, fazer um recuo estratégico, para sair da frente dos holofotes. Convinha aceitar a mão que lhe estendia um dos partidos com quem tinha mais afinidade, um aliado de longuíssima data, o PDT, e que tinha um candidato experiente o qual, apesar de seu temperamento um pouco problemático, tinha provado ao longo dos anos sua lealdade nos momentos mais difíceis.
A reação no PT, todavia, foi muito negativa. O próprio Lula, aparentemente, recusa qualquer diálogo neste sentido e decide bancar sua candidatura até o fim, com apoio entusiástico de Gleisi Hoffmann, presidente do partido. A opinião de Wagner e dos governadores é complemente rechaçada pela cúpula do PT, que usa a forte comoção provocada pela prisão de Lula para taxar qualquer narrativa que não significasse apoio irrestrito e acrítico a uma candidatura própria do PT como uma espécie de traição.
O resto é história.
O PT levou adiante uma candidatura fadada à inevitável cassação pela Lei da Ficha Limpa, fechando-se num discurso messiânico, onde de vez em quando admitia, muito reservadamente, que se tratava de um desafio aberto ao judiciário. Para o grande público, em especial as massas iletradas, a campanha petista procurava emplacar a narrativa de que era possível a Lula, sim, ser candidato, tomar posse e se tornar presidente. A estratégia foi bem sucedida em pequenas cidades do interior e no nordeste, mas fez a rejeição ao PT explodir na classe média e nas grandes cidades.
A candidatura de Lula, por sua vez, foi vista como uma provocação ao judiciário (até porque era mesmo), fortalecendo os setores mais politizados e reacionários da instituição. A determinação de Moro de entrar na política talvez se tenha forjado nesse momento.
A estratégia petista fraturou mortalmente a campanha eleitoral no país, conforme inúmeros analistas previam. O debate deixou de ser em torno de um projeto viável de desenvolvimento, para se tornar um plebiscito histérico, violento, ultrapolarizado, sobre o PT, facilitando o caminho para Bolsonaro, visto que as pesquisas apontavam, desde o início do ano, uma altíssima rejeição ao partido, em especial nas classes médias, cujo papel seria determinante numa campanha baseada nas redes sociais (e a gente cansou de escrever sobre isso aqui no blog).
A Lava Jato, no entanto, não desistiu de Jaques Wagner. No dia 23 de novembro deste ano, a Lava Jato, em sua 56ª fase, já sob o comando de Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, voltou à Bahia e prendeu um monte de gente próxima do ex-governador, como Manuel Ribeiro, ex-diretor da OAS e ex-secretário de Estado no governo Jaques Wagner.
Os elementos que faltavam em denúncias anteriores, provas de que desvios na Petrobrás pagaram obras na Bahia, e ligações destes desvios com o PT, agora não faltam mais. Entre os alvos da operação estão Valdemir Garreta, apresentado como marketeiro do PT, João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, e sua cunhada, Marice Correa (mais tarde libertada pela própria Gabriela). Uma das teses centrais da denúncia é que o desvio de verbas na construção da sede da Petrobrás na Bahia abasteceu os cofres do PT e da campanha de Dilma Rousseff de 2014.
Na coletiva de imprensa da operação, a procuradora responsável, perguntada se Jaques Wagner não estava sendo investigado, responde que não, mas faz um longo e estranho circunlóquio, mencionando “duas operações” paralelas. Sua colega toma a palavra e tenta complementar, também de maneira confusa; então o representante da Polícia Federal pega o microfone e confirma que há duas operações paralelas (uma delas deve ser o inquérito contra Wagner) e que podem convergir. Para quem acompanha a operação desde seu início, e conhece seus métodos, sabe que é óbvio que Jaques Wagner é um dos alvos ocultos dessa nova fase da Lava Jato. Entre os presos estão possíveis delatores dispostos a envolver o senador eleito em alguma das inúmeras “narrativas” montadas pelo Ministério Público Federal. Para a Lava Jato é relativamente fácil envolver governadores e prefeitos, atuais e antigos, em seus power-points, pois governador e prefeito sempre tem, necessariamente, relações com empreiteiros, tanto para tocar obras como para financiar suas campanhas eleitorais.
Esta é a situação em que Jaques Wagner se encontra. Felizmente, foi eleito senador e um processo contra ele agora tem de correr no Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, embora ainda sob forte influência de neoconstitucionalistas como Barroso e Fux, que preferem julgar conforme a opinião pública, também conta com nomes como Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Lewandowski, mais afeitos ao texto da Lei do que aos holofotes da televisão.
Em tese, portanto, Wagner está relativamente protegido contra novos arbítrios da Lava Jato, embora não de acusações sem prova oriundas de delatores, cuja finalidade, muitas vezes, é estritamente política.
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Vamos à entrevista de Wagner. Vou reproduzir as perguntas e respostas e comentar em negrito, entre colchetes.
Folha: A eleição de Jair Bolsonaro se deu em parte pela rejeição ao PT. Que lição o partido tira do resultado?
JW: Teve gente que votou porque não queria o PT, mas isso é minoritário. Até porque pesquisas mostravam que Lula poderia ganhar no primeiro turno. Foi mais antissistema do que anti-PT. Entre os partidos tradicionais, o que se saiu melhor foi o PT.
[A análise de Wagner não é correta, ou pelo menos não é o que dizem as pesquisas e especialistas. Uma sondagem do Datafolha, realizada entre os dias 17 e 18 de outubro, ou seja, poucos dias antes da votação do segundo turno, mostrava que o desejo de “renovação e alternância” (30%) e a rejeição ao PT (25%) eram as principais razões do voto em Bolsonaro. Essa não era a única pesquisa. A rejeição ao PT nas classes médias, nas grandes cidades e no Sul/Sudeste vinha atingindo níveis alarmantes desde o início de 2018. A prisão de Lula tinha apoio da maioria da população, e maioria esmagadora nas classes médias e no Sudeste, de maneira que a sua candidatura seria vista naturalmente como um insulto para milhões de brasileiros. Na última pesquisa Datafolha antes do segundo turno, a rejeição a Haddad chegava a 58% entre quem ganhavam de 2 a 5 salários e 67% nas faixas de renda acima disso; no Sul, Sudeste e Centro Oeste, a rejeição ao petista ficou em 60%, 59%, 63%, respectivamente. Se isso não é “antipetismo”, não sei o que é. As pesquisas, além disso, jamais mostraram que Lula “poderia ganhar” no primeiro turno. Isso é uma falácia que o PT vem repetindo, sem base na realidade. Lula chegou perto disso, mas não ganhava. E temos que analisar a situação à luz do que as urnas disseram, não mais das pesquisas. E as urnas mostraram que Lula não ganharia no primeiro turno. Não concordo igualmente que houve um voto “antissistema”. Bolsonaro não é antissistema. Bolsonaro é anti-PT. O esforço do PT, por sua vez, para se autodescrever como “vencedor” numa eleição em que foi derrotado por alguém tão grotesco como Bolsonaro é um tanto melancólico. Para isso, ele compara seu desempenho com partidos “tradicionais”, como PSDB e PMDB. Ora, não há nada de positivo nisso. A direita perdeu votos para a extrema-direita, ponto. Comemorar isso é um absurdo lógico. É uma pena que Wagner agora se veja ‘enquadrado’ pela lógica da burocracia petista, que se recusa a fazer uma autocrítica quanto a isso, mesmo diante de um dos maiores desastres eleitorais jamais enfrentados pela classe trabalhadora brasileira.]
Folha: O senhor defendia a união da esquerda e dizia que o PT poderia abrir mão da candidatura. O partido errou?
JW: Não gosto de ser engenheiro de obra pronta. Minha tese era o Lula. Se não fosse o Lula, poderíamos apoiar alguém desse espectro. Querendo ou não, na esquerda o PT chegou na frente. Se eu estivesse certo, teria ganhado o Ciro.
[Wagner envereda aqui por dois tipos de cinismo: primeiro, ao dizer que a tese dele era Lula. Não era. Wagner sabia que Lula não poderia ser candidato. A tese dele era Ciro. E Ciro – aqui entra o segundo cinismo – apenas poderia ter chegado à frente, pela esquerda, se houvesse um acordo com o PT. Em nome da democracia e do interesse popular! Não apenas não houve, como o PT usou toda a sua máquina não contra Bolsonaro, mas contra Ciro, visto que suas articulações foram todas feitas, inclusive com grande sacrifício do partido, para isolar o PDT. Lula determinou que Dilma Rousseff não se candidatasse ao Senado pelo Ceará, conforme havia sido combinado com os irmãos Gomes, com medo de beneficiar, indiretamente, a Ciro, e com isso prejudicou Fernando Pimentel, que perdeu a eleição no primeiro turno, e Dilma, que também não se elegeu. A candidatura de Marília Arraes foi usada como moeda de troca, numa ação vergonhosa, para forçar a neutralidade do PSB, que vinha costurando, ao longo de vários meses, o apoio a Ciro. A retirada de Marília não seria tão grave se fosse discutida com ela própria com antecipação, para não expô-la e à militância petista, ao escárnio de seus adversários. Ciro tinha condições de obter apoio formal do PSB, PCdoB, de todo o centro, e, por fim, do PT, compondo uma coalização com chances infinitamente superiores de vencer as eleições. Mas o PT e Lula preferiram arriscar uma estratégia suicida a não perderem a hegemonia dentro do campo da esquerda. Uma curiosidade: como sói ocorrer nas entrevistas com petistas, fala-se mais de Ciro do que de qualquer outro tema. O nome Ciro nessa entrevista foi citado 8 vezes, contra 2 vezes Haddad e 13 Lula.]
Mas no segundo turno o senhor disse que o Ciro era uma estratégia melhor.
É tudo interrogação. O PT entendia que, para chegar ao segundo turno, o candidato dependia do apoio do Lula, que foi uma coisa mal trabalhada. Se foi mal trabalhada pelo PT, foi mal trabalhada também pelo Ciro. Só não entendo por que ele virou um exímio atacante contra o PT. Diziam que não deveríamos apoiá-lo porque ele faria isso. Está confirmando a tese. E ainda diz “vamos isolar o PT”. Quem defende a democracia não pode querer o isolamento do PT.
[Quanto a esse “isolamento do PT”, Wagner e o PT precisam entender uma coisa. Não é uma iniciativa de Ciro. Tem muita gente magoada com o PT. E não é por “antipetismo”. Essa acusação é cretinice. É porque muita gente entendeu que o PT cometeu um grande erro, ao insistir na estratégia suicida de lançar a candidatura Lula, mesmo com ele preso. Todas as previsões se confirmaram, e se confirmaram porque era lógico que era exatamente isso que iria acontecer. Os movimentos de “isolamento do PT” não partem de Ciro, mas de todo um campo político. Pode ser um movimento temporário, apenas para forçar o PT a adotar uma postura humilde e autocrítica. Como o PT se recusa a agir com humildade, então a reação natural de seus aliados é isolá-lo provisoriamente, até que se cure de sua arrogância, ponha os pés no chão, e demonstre que ouviu o recado das urnas, que deram um grito justamente contra a prepotência do partido. Quanto aos “ataques” de Ciro ao PT, aí novamente temos um exemplo de cinismo. Ciro tem sido massacrado sem tréguas pela máquina petista desde que seu nome passou a ganhar força como um candidato competitivo. Ciro não tem máquina. Não tem blogs de apoio. Não tem influencers. Era um candidato modesto, de um partido médio, que estava fora da política e do governo há muitos anos. Mesmo no segundo turno, não houve um dia em que ele não tivesse sido atacado pelo establishment petista, ao mesmo tempo em que se fingia querer seu “apoio”. Conforme o PT vai pintando o processo eleitoral como uma disputa entre democracia versus fascismo, de bem contra o mal, o partido cria a narrativa, desde o início, de que Ciro tinha “fugido”. Esse é o recado do tweet de Leonardo Boff, dias após o início do segundo turno, que enfurecerá o pedetista. Quando Ciro volta de viagem, e faz um vídeo pedindo voto na “democracia”, sem mencionar o nome de Haddad, os petistas que ainda vinham tentando conter (por estratégia ou prudência) sua animosidade partidária por Ciro desde o primeiro turno, soltam tudo, e passam a atacar Ciro com todas as suas forças. Os xingamentos petistas, de ordem pessoal, a Ciro Gomes, sempre foram muito mais pesados do que aqueles destinados a Jair Bolsonaro. As provocações e agressões não se limitavam a Ciro. Como os internautas que acompanham o Cafezinho puderam e podem testemunhar, as agressões se voltam contra qualquer um, dentro do campo progressista, que não tenha se submetido ao ‘delenda Ciro’ emanado, nem sempre tacitamente, da cúpula do partido. ]
Ciro diz que se sente traído e que o PT busca hegemonia na esquerda.
Não sei por que ele se sente traído. Eu sempre disse que ele era um belíssimo quadro. Quando diz “traído”, significa que alguém prometeu e não cumpriu. Desconheço essa promessa.
[Mais uma vez, Wagner não pode ocultar um certo cinismo. A “traição” ao Ciro foi a estratégia petista de isolá-lo no primeiro turno, ao passo que emitia sinais, inclusive via Wagner, de que haveria possibilidade do partido apoiá-lo. Sobretudo, foi a campanha furibunda que se desatou contra o pedetista, em especial no submundo das redes sociais petistas, após todo o seu histórico de lealdade a Lula.]
E a hegemonia?
Me perdoe, ninguém abre mão de poder graciosamente. O grupo do Ciro hegemoniza ou não no Ceará? Parece que queremos ser os donos da bola, como se alguém tivesse entregado a bola de graça. A hegemonia do PT não foi montada por decreto.
[Bem, o “grupo de Ciro” entregou o poder ao PT de Camilo Santana. A hegemonia do PT, de fato, não foi montada por decreto. Mas para acontecer contou com ajuda milionária de empreiteiras amigas, como mostra a eleição do próprio Wagner na Bahia. Esse era o momento, portanto, de ser humilde e aceitar a mão amiga que outros partidos tentaram estender ao PT, e que o PT, por egoísmo tolo, não aceitou, autoisolando-se e perdendo boa parte da solidariedade que antigos companheiros nutriam pelas aflições judiciais, muitas vezes injustas, vividas pelo partido.]
Lula quis que o senhor fosse candidato a presidente. Seu desempenho teria sido diferente?
Precisamos fazer a fila andar. Se havia essa onda de renovação, o [Fernando] Haddad tinha menos a cara da política déjà vu do que eu. E o Nordeste já estava consolidado. Era mais importante alguém do Sudeste.
O senhor também decidiu não concorrer por acreditar que ficaria exposto, dadas as investigações que existem contra o senhor?
Estou muito à vontade em relação a isso. Podem falar que deram doação, presente ou sei lá, mas nenhuma delação fala de superfaturamento em obra da Bahia. Cancelei um contrato com a Odebrecht e reduzi o preço. Fiz o metrô, chegaram OAS e Odebrecht e nem foram para a licitação, porque queriam R$ 800 milhões a mais para aportar como contribuição do governo. Chamo cem empresários e vários se oferecem para testemunhar a meu favor. Nem sequer fui indiciado.
Por que o PT resiste a fazer autocrítica?
Não é a melhor hora para reconhecer erros quando alguém quer amplificar eventuais erros. Em condições normais, podemos falar que esse ou aquele não foi o melhor caminho. Nessa questão de corrupção, que gente nossa fez bobagem está claro. Até porque só acabou o financiamento privado de campanhas agora. Eu sempre disse que essa relação criava promiscuidade. Sobre a política econômica do governo Dilma, não vejo constrangimento. Muita gente achava que era aquele o caminho, e eu achava outro. Isso não quer dizer falar mal dela.
[O PT hoje tenta culpar os erros de Dilma por uma série de desgraças que se abateram sobre o partido, mas continua agindo rigorosamente da mesma forma que Dilma no Planalto. Comunicação zero. A saída inteligente para o PT seria controlar a narrativa dessa autocrítica, ao invés de deixá-la à grande mídia. Ou seja, seria fazer uma autocrítica inteligente, visando a recuperação da imagem do partido na sociedade, ao invés de permitir que seja visto como uma legenda arrogante, que não admite erros, para estupefação de todo o mundo não-petista, à esquerda e à direita. Aliás, culpar Dilma é até covardia, visto que é evidente que as escolhas da presidente não vieram de sua própria cabeça. Há o dedo de Lula na escolha de Joaquim Levy, assim como a própria Dilma foi escolhida por Lula. E a falta de uma estratégia de inteligência, para lidar com os desafios jurídicos e midiáticos do partido, é um erro do PT, não de Dilma. O PT, até hoje, prefere gastar seu capital nos sindicatos e movimentos sociais com “bom dia Lula” a montar estratégias objetivas de inteligência para fazer frente à máquina judicial, que continua ameaçando engolir o sistema político, a indústria nacional e o próprio regime democrático. ]
O PT foi leniente com quem fez “bobagem”, como o senhor disse?
Prefiro voltar à tese. A grande falha do PT foi não ter feito uma reforma política com financiamento público de campanha, já em 2003.
[O PT passou de 8 para 80. De um partido lacerdista, a UDN de macacão, como dizia Brizola, que vivia acusando todo mundo, passou a ser um partido que não responde às acusações da mídia, aparentemente satisfeito com as “narrativas” que os blogs – inclusive esse modesto Cafezinho – ajudaram a construir. Ora, os blogs, incluindo nós aqui do Cafezinho, conseguimos criar uma massa crítica que passou a questionar essa máquina midiático-judicial montada contra o PT e contra a política de forma geral. Mas o PT precisa fazer a sua parte, e montar uma grande estratégia de recuperação de sua imagem ética, discutindo isso abertamente com a população. Afinal, o PT foi um partido de governo, cujos acertos e erros atingiram a todos, então a prestação de contas deve ser pública. Nenhum partido pode esquecer a mais antiga lição da política de uma república: é preciso ser honesto e parecer honesto. Se um partido que represente a classe trabalhadora é honesto, mas não o parece, então temos um problema grave, que não vai prejudicar apenas os representantes, mas que fragilizará também a situação dos representados, ou seja, de toda a classe trabalhadora. Todos nós, eleitores da esquerda, que votamos no PT ao longo de todos esses anos, somos atingidos pelas campanhas midiático-judiciais. Esses ataques nos fragilizam a todos. Então é preciso que se discutam estratégias para recuperar a imagem ética dos partidos, e não só a imagem, mas a própria ética em si…]
Mas fica a impressão de que o crime é inevitável.
É. Se na lógica da política você só ganha gastando dinheiro, e quem tem dinheiro é empresário…
Nem todo mundo agiu assim.
Não sei se nem todo mundo agiu ou se alguns foram mais eficientes para fazer sem ninguém descobrir. Por que tudo recaiu sobre o PT? Porque foi governo por 13 anos e quem tem obra é a União. Se houvesse uma Lava Jato no tempo do PSDB… Por que tudo recaiu sobre o PT? Porque foi governo por 13 anos e quem tem obra é a União. Se houvesse uma Lava Jato no tempo do PSDB…
Como será o futuro de Lula com o avanço dos processos contra ele?
Espero que façam justiça e tenham reconhecimento pelo que ele fez pelo Brasil. [Nelson] Mandela foi o líder do movimento antiapartheid, ficou 20 e tantos anos preso e saiu como herói nacional. Lula é um herói nacional. Mais importante que o Judiciário é a história do Brasil.
[Bem, deixemos de hipocrisia. Lula receberá a qualquer momento pelo menos duas novas condenações da Lava Jato, desta vez pelas mãos de uma outra juíza, Gabriela Hardt; há outros processos engatilhados. A direita judicial passará os próximos quatro anos montando espetáculos midáticos para destruir a imagem de Lula, e agora contando com a ajuda direta do governo federal, na figura do presidente Bolsonaro e de seu ministro todo-poderoso, Sergio Moro. A melhor opção para Lula teria sido evitar aumento de exposição, desintoxicar politicamente o judiciário e apostar num combate jurídico o mais afastado da política partidária possível. A batalha de Lula na justiça tem de ser política, mas não partidária. ]
Por que Lula resiste em buscar uma prisão domiciliar?
A privação de liberdade só deveria ser endereçada a quem representa um risco para a sociedade. Lula, fora do poder, representa risco zero. Se Lula resiste, é porque ele quer o reconhecimento de sua inocência.
Como o PT sobreviverá com a ausência de Lula?
A forma de comunicação vai continuar limitada, mas ele emite opiniões que são levadas em consideração. Não acho que o partido não consiga andar devido à não presença dele aqui.
[É um tanto incrível a despreocupação do PT em ficar parecendo um partido tão caudilhesco, ainda mais relação a uma liderança presa, que as eleições que acabam de ocorrer demonstraram que sofre, mesmo que injustamente, enorme rejeição popular nas regiões mais populosas do país].
O PT afirmava que Bolsonaro era um risco autoritário. Como vê seus primeiros passos depois da eleição?
É cedo. Quando ele mandar as primeiras matérias para o Congresso, vamos ver como vai se relacionar. Vai ser na intimidação? Desejo que ele jogue na democracia, apesar do estilo, de falar aquelas maluquices. A cadeira vai ajeitando a pessoa.
[Wagner é um dos quadros mais equilibrados do PT. Sua avaliação serena de Bolsonaro é a prova disso. ]
O ex-ministro José Dirceu disse que Bolsonaro é um fenômeno que pode durar anos e que tem base social. O senhor concorda?
Não acho que ele tenha base social consistente. O que ele fala representa o que as pessoas querem. As pessoas estavam com problemas de segurança, desemprego, descrença nos políticos. Pode ser que fique mais de quatro anos. Eleição é eleição.
[O sucesso de Bolsonaro dependerá também de uma oposição inteligente, que tenha estratégias menos voltadas para o brilho fácil das “lacrações” e das acusações sensacionalistas da mídia, menos interessada em intrigas partidárias, e disputas por hegemonia, e mais na construção de estratégias que unifiquem, ensinem, ouçam, o campo popular.]