No momento em que a imprensa se vê com uma investigação crescente sobre estranhas movimentações financeiras na conta de alguém ligado estreitamente ao presidente da República, envolvendo inclusive cheques para sua esposa (Bolsonaro procurou explicar o cheque de R$ 24 mil como pagamento de dívida), o sistema integrado mídia-justiça tira da cartola um delator inusitado: Marcos Valério.
Antes haviam vazamentos ilegais de delação contra determinados partidos. Depois começaram a haver vazamentos de delações que ainda não haviam ocorrido. Agora, os vazamentos de delação entraram em sua fase mais sinistra: Valério aponta “ligação de partido com facção”. A reportagem menciona o PCC.
Que partido político?
Se a facção é o PCC, a lógica nos sugeriria o PSDB, porque é a legenda que comanda São Paulo e que tem sido acusada recorrentemente de ter celebrado acordos com esta organização criminosa.
Mas como o alvo do consórcio mídia-justiça é quase sempre o PT, sempre que há um vazamento desse tipo as pessoas pensam no… PT
Entretanto, independente de quem seja o partido, temos que tomar cuidado para não legitimar a prática espúria e irresponsável desse consórcio entre mídia e justiça, que vaza declarações de um criminoso preso, cuja palavra não tem credibilidade e que tem, naturalmente, interesse em sair da prisão a qualquer custo, sem se preocupar com a veracidade do que afirma: ao contrário, criminosos com faro político sabem exatamente que tipo de mentiras podem lhe tirar da cadeia, vide o caso Palocci.
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Marcos Valério delata ligação de partido com facção, e Barroso ordena segurança a operador do mensalão do PT
Publicitário pivô e operador do primeiro grande escândalo do governo PT, revelou em colaboração premiada suposto envolvimento de organização criminosa com uma agremiação política, de acordo com documento da Polícia Federal juntado aos autos do processo
Teo Cury/ e Amanda Pupo/BRASÍLIA
07 Dezembro 2018 | 15h38
O publicitário Marcos Valério de Souza, pivô e principal operador do mensalão do PT e condenado no esquema, revelou, em delação premiada, o envolvimento de uma facção criminosa com um partido político, de acordo com documento da Polícia Federal juntado aos autos do processo. Não há nomes do partido político nem da facção citadas pelo ex-empresário.
O acordo, firmado com a PF, a Polícia Civil de Minas e o Ministério Público do Estado de São Paulo, tramita em sigilo. Em despacho publicado na quarta-feira, 5, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Justiça de Minas garanta a segurança de Marcos Valério.
“Oficie-se com a máxima urgência ao Juízo da Vara das Execuções da Comarca de Contagem/MG para que adote todas as medidas necessárias para assegurar ao sentenciado o respeito à sua integridade física e moral”, ordenou Barroso no documento. Valério foi condenado a 37 anos e 5 meses de prisão, tendo cumprido até o momento 6 anos e 6 meses da pena.
Em 19 de novembro, o delegado de Polícia Federal Leopoldo Soares Lacerda informou a Barroso que Valério retornou em 21 de setembro à Penitenciária Nelson Hungria, onde, em 2016, foi agredido em meio às tratativas para firmar o acordo de delação premiada com as autoridades. Para o delegado, o fato de Valério estar trancafiado dificulta ações de proteção pela PF.
“Assim, considerando as declarações já prestadas pelo colaborador, sobretudo referente ao anexo 57, quando cita o envolvimento de facção criminosa com partido político, entendemos mais adequado para a proteção do colaborador outras medidas como progressão de pena ou prisão domiciliar, cujos pleitos cabem a sua defesa diretamente ao judiciário”, escreveu o delegado.
Em depoimento ao promotor de Justiça de Santo André (SP), Roberto Wider Filho, Valério diz que foi procurado por um integrante do Primeiro Comando da Capital que apresentou-se como seu “protetor” na prisão. Valério informou, no entanto, que, apesar de ter recebido, não pediu proteção para o membro da facção e que sente que sua vida e sua integridade física correm risco.
A defesa do ex-empresário pede a Barroso que seja autorizada a progressão de regime, a conversão do regime fechado para domiciliar e, caso os pedidos sejam rejeitados, que sejam concedidas saídas temporárias e trabalho externo. Os advogados afirmam que trata-se de “medida de extrema necessidade” devido ao “alto risco” a sua integridade física e de vida.
“Sem adentrar aos termos dos depoimentos prestados pelo reeducando, face ao sigilo da colaboração, não se pode deixar de destacar que se tratam de declarações que envolvem as mais perigosas organizações criminosas em operação no território nacional”, escreveram os advogados de Marcos Valério em 13 de novembro.
“Frise-se, novamente, ministro Barroso, que o reeducando vem trazendo informações importantes sobre esquemas de corrupção em nosso País, tendo, inclusive, testemunhado, ao Ministério Público do Estado de São Paulo, sobre a morte do então Prefeito de Santo André Celso Daniel, o que, conforme noticiado pela mídia, poderá reabrir o caso que havia sido arquivado”, informaram os advogados.
Para reforçar o pedido a Barroso, a defesa incluiu o atestado de conduta carcerária do período em que Valério permaneceu na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), em Sete Lagoas. O documento mostra que Valério desempenhou os trabalhos atribuídos, frequentou os cultos religiosos e palestras de valorização humana. “Sendo assim, no período em que cumpriu pena nesta instituição, não há registros de que seu comportamento fosse inadequado.”
Documento datado de 31 de outubro e assinado pelo chefe da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, o delegado Rodrigo Bossi de Pinho, mostra que ‘o colaborador vem prestando auxílio imprescindível às investigações de corrupção tanto em âmbito federal quanto estadual’.
“Considerando o teor de seus depoimentos, que cada vez mais envolvem organizações criminosas consideradas, hoje, as mais perigosas em operação no território nacional, o risco para a sua integridade física e, inclusive, para a sua vida é extremamente alto acaso continue mantido no cárcere”, escreveu o delegado.
“Conforme comunicado pelo advogado do colaborador, ele já tem o direito à progressão para o regime semiaberto de cumprimento de pena e, logo, considerando também o elevado risco para sua vida e, consequentemente, para o processo penal, entendo ser razoável e proporcional seja ele cautelarmente transferido para o cumprimento de sua pena em regime de prisão domiciliar, em endereço protegido do conhecimento público, haja vista inexistência de estabelecimento prisional no território nacional capaz de garantir a segurança ao colaborador”, concluiu o delegado.
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PS Cafezinho: Valério já foi usado em 2016 por Sergio Moro para levantar mais ataques ao PT, e legitimar o impeachment. Na época, tentava-se ressuscitar o caso Celso Daniel, um assunto recorrente sempre que se quer atacar o Partido dos Trabalhadores (apesar do crime ter sido já investigado várias vezes, sem que nunca se tivesse encontrado qualquer prova ou indício de envolvimento de membros do partido no crime).