Nos dias de hoje, é raro comemorarmos vitórias da classe política sobre as pressões midiáticas, por sua vez ditadas – invariavelmente – por interesses antipopulares patrocinados pelo mercado financeiro.
O Globo publica hoje um editorial furibundo contra a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), no qual critica a decisão da casa de derrubar o veto do governador Pezão, hoje preso, a um projeto de lei que proibia a venda da Cedae.
Voltando um pouco, para o leitor entender.
Quando o governo do Rio se viu completamente quebrado, sem dinheiro para pagar os salários de seus servidores, ele apelou ao Planalto. Que, por sua vez, condicionou qualquer ajuda ao governo do Rio à adesão a um “Regime de Recuperação Fiscal”, que incluiria venda de ativos, entre eles a Cedae.
Em dezembro de 2017, o banco BNP Paribas emprestou R$ 2,9 bilhões ao governo do Rio, para ajudá-lo a pagar os salários atrasados. A garantia dada foi a… Cedade.
Houve protestos massivos de populares, servidores, parlamentares. Nada adiantou. O governo Pezão sofreu pressão de todos os lados: da justiça (que o prenderia logo em seguida), da Globo, do Planalto, e, sobretudo, da situação fiscal do estado, quebrado após a Lava Jato desativar ou suspender indefinidamente todos os grandes projetos de infra-estrutura que geravam renda e impostos. Então o governo usou até o limite seu poder de persuasão e chantagem e conseguiu aprovar a venda da Cedae na Alerj.
Mas aí entra o deputado estadual Paulo Ramos, um brizolista discreto, que estava no PSOL há algum tempo, até ser expulso do partido porque votou contra a prisão (ilegal, diga-se de passagem) dos deputados Picciani, Albertassi e Paulo Melo.
Aí vale uma rápida digressão. Os partidos de esquerda que defendem Lula Livre e criticam (com razão, com muita razão) os abusos da Lava Jato apoiaram a prisão desses deputados, embora esta fosse completamente inconstitucional, pois se deu sem flagrante e sem autorização da Casa.
A direção nacional do PT determinou o apoio a prisão dos deputados, punindo (embora não com expulsão) o deputado Andre Ceciliano, que desobedeceu à legenda. O PSOL aderiu entusiasticamente à tese da prisão e expulsou Paulo Ramos, que votou pela soltura dos colegas, sumariamente.
O PDT, por sua vez, votou em peso pela soltura, com exceção de Martha Rocha, que até hoje se orgulha de seu voto, e que, segundo o presidente Carlos Lupi já deixou claro, tem o apoio do partido para disputar a prefeitura do Rio em 2020.
Enfim, expulso do PSOL, Paulo Ramos voltou ao PDT, e este ano se elegeu – com uma votação modesta, de 25 mil votos – deputado federal pela legenda.
Voltando à Cedae, Paulo Ramos conseguiu apoio da maioria da Alerj para aprovar uma emenda de sua autoria que tinha uma lógica cristalina, irrefutável. Como a União tem uma dívida de cerca de R$ 4 bilhões com a Cedae, reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, nada mais justo do que usar esse montante como garantia para o empréstimo com o BNP Paribas.
Segundo o último balanço oficial da empresa, a receita operacional líquida da Cedae em 2017 foi de quase R$ 5 bilhões.
O lucro líquido da empresa em 2017 foi de R$ 279,7 milhões. Em 2016, havia sido de R$ 379,2 milhões; em 2015, R$ 248,8 milhões e 2014 foi de R$ 460,3 milhões. Ou seja, nos 4 anos de 2014 a 2017, a empresa gerou lucro líquido de R$ 1,4 bilhão.
É uma empresa, portanto, que dá lucro para o Estado, e que o ajuda a pagar as contas. Vendê-la apenas piorará a situação fiscal do Rio de Janeiro.
É verdade, infelizmente, que o estado do Rio sofre horrivelmente com problemas de saneamento, e que grande parte da culpa disso recai sobre a incompetência da Cedae. Por outro lado, a empresa vinha fazendo enormes investimentos nos últimos anos, e não me surpreenderia que muitos deles (talvez todos) estejam parados por causa da Lava Jato, que impôs uma paralisia generalizada em qualquer tipo de obra pública em andamento no país.
A solução não é, definitivamente, vender a Cedae, inclusive porque se trata de uma privatização quase impossível, de tão complicada, por causa da fragmentação da empresa.
O governador eleito, o juiz Wilson Witzel, apesar de suas posições conservadoras, e para a desgraça da Globo, é contra a privatização da Cedae. A pressão sobre ele – oriunda da mídia e do mercado financeiro – será grande, mas ele experimentará uma situação fiscal um pouco mais folgada que a de Pezão, em virtude da recuperação dos preços do petróleo e o consequente aumento dos royalties pagos ao estado do Rio.
Até o momento, portanto, a Cedae continua pública, e a salvo da sanha dos abutres financeiros. Parabéns ao deputado Paulo Ramos e à Alerj
E abaixo a Rede Globo!