Por Denise Assis
Enquanto em Paris os jovens reviravam as ruas do Quartier Latin, em maio de 1968, em protestos pela mudança de comportamento para amar, ser feliz e conquistar direitos, no Brasil a juventude caminhava para uma luta sangrenta em busca de liberdade e sobrevivência.
No início de março os estudantes ganharam as avenidas das grandes capitais, para impedir o acordo MEC-USAID, uma “americanizada” no sistema de ensino que desagradou a todos, pois tinha, na sua essência, segundo descreve o jornalista Arthur Poerner em seu livro: “O Poder Jovem”, o combate ao comunismo na vida universitária, com a desculpa de dinamizar o ensino no país.
Juntou-se a esta pauta as condições do restaurante Calabouço, destinado aos estudantes, localizado próximo ao Aeroporto Santos Dumont, no rio de Janeiro. A Polícia reprimiu e no confronto foi morto com um tiro certeiro, Edison Luiz Lima Souto, um secundarista pobre, de Belém do Pará. Seu enterro parou a cidade e atraiu para as ruas toda a classe média, já insatisfeita com a carestia e em estado de perplexidade com a violência.
As passeatas não deixaram as autoridades em paz, até julho, quando depois de uma noite de terror, com uma invasão na unidade da UFRJ, na Praia Vermelha, houve abuso de todo tipo. Mais de dois mil estudantes permaneceram em assembleia durante oito horas. O presidente Costa e Silva declarou que manteria a democracia a qualquer custo, e depois de receber as lideranças, decidiu pela proibição dos protestos.
Fora das ruas, o movimento refluiu e, pouco a pouco ações de esquerda começaram a eclodir. Nada, porém, comparado aos atos terroristas de direita, descobertos e trazidos à luz pela Agência Pública, no dia primeiro de outubro deste ano. Documentos inéditos guardados há meio século no arquivo do Supremo Tribunal Militar, escancarou o que, de fato, levou ao recrudescimento e à decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Os atentados, na verdade, fizeram parte de um plano para prolongar a ditadura.
Do final de 1967, até agosto do ano seguinte, uma seita esotérica, paramilitar e de extrema direita, formado por 14 policiais da antiga Força Pública (como era chamada à época a Polícia Militar de São Paulo), todos seguidores fanáticos de Aladino Félix, executou 14 atentados a bomba, furtou dinamites de pedreiras e armas da própria corporação, além de praticar pelo menos um assalto a banco, plenamente esclarecido. Foram os pioneiros do terrorismo, e os responsáveis pela maioria das ações terroristas registradas no período – um total de 17 das 32 contabilizadas pelos órgãos policiais.
Em setembro, poucos dias antes do feriado da Independência, um discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves, do MDB, partido de oposição, sugerindo que as moças se negassem a dançar com rapazes fardados nos bailes em comemoração à data, irritou as fileiras militares. O discurso era em protestando contra a invasão da Universidade de Brasília (UnB) pela Polícia Militar. A peleja se seguiu até o final do ano, com processo de cassação aberto contra o deputado. A Câmara, porém, negou pedido de permissão pela sua cassação, também barrada no Supremo.
Historicamente, o discurso de Marcio Moreira Alves virou a gota d’água para a decretação do Ato. Hoje, se sabe, que ele viria de qualquer jeito. Porque a direita quis assim.
Escute abaixo o discurso de Marcio Moreira Alves: