Wendel Pinheiro: O desabafo de Ciro em sua live

A live de Ciro: entre o desabafo e uma série de verdades

por Wendel Pinheiro

A live de Ciro Gomes, feita na noite de 04 de dezembro, entre os diversos pontos, se destacou por um ponto especial: ele revelou pela primeira vez após o processo eleitoral de 2018 o porquê da omissão do nome de Fernando Haddad (PT-SP) em sua declaração de voto no 2° turno e as razões da sua viagem para a Europa, a partir das reflexões sobre as eleições e a conjuntura política nacional.

Na sua live, Ciro mostrou o quanto o PT, na tentativa de monopolizar a esquerda, agiu com ardil para impedir concorrentes no campo popular.

Para isso, Ciro citou algumas das iniciativas do PT para não apenas isolar a sua candidatura, mas principalmente manter a hegemonia da esquerda. Dentre elas, as alianças incoerentes do PT com Eunicio Oliveira (MDB-CE), além do sacrifício das não candidaturas de Marcio Lacerda em Minas Gerais e de Marilia Arraes (PT-PE) em nome da “neutralidade” do PSB – evitando, assim, o apoio da legenda socialista a Ciro.

Como não bastasse isto, o PT impediria o PCdoB em seguir o seu caminho próprio, nem que para isso se utilizasse das chantagens como seu instrumento de dissuasão e criar uma situação notoriamente constrangedora: Manuela D’Avila (PCdoB-RS) se tornaria a “vice” da vice da chapa Lula/Haddad até o monento em que Lula fosse inviabilizado como candidato.

Ciro confirmou a revelação que até então pairava como mera especulação midiática: a articulação de Lula com Valdemar da Costa Neto, prócer nacional do PR para impedir os partidos que compunham o dito “centrão” apoiassem o Ciro. Partidos que até então dialogavam com Ciro como o SDD, PP, PR, DEM e PRB foram empurrados para uma aliança político eleitoral com Geraldo Alckmin (PSDB-SP).

Todas estas articulações foram construídas pelo PT para manter a sua hegemonia político-eleitoral no campo da esquerda, asfixiando qualquer concorrente que viesse a disputar. Mesmo que para isso, sacrificasse o país no processo eleitoral agonizante através da tese do “Lula Livre” e “candidato” para apostar suas fichas em Fernando Haddad, que em 2016 sequer atingiu 18% e perdeu em todos os redutos petistas da capital paulista para João Dória Jr (PSDB).

Se não bastasse isso, a fala de Ciro Gomes em sua live foi categórica. A política suicida do PT, ao forçar até o fim a campanha de Lula para, uma vez impugnada a candidatura, transferir os votos ao social-liberal Fernando, uniu todo o antipetismo para se predispor a votar em Jair Bolsonaro.

Um fim trágico!

Com o somatório de todos os ardis e articulações do PT para isolar uma candidatura do campo popular encabeçada pelo PDT, qual seria a moral do PT pra cobrar de Ciro Gomes?

NENHUMA!

A legitimidade político-eleitoral de Jair Bolsonaro no 1° turno, auferindo para si 46,7% dos votos válidos se deu a partir da estratégia equivocada do PT, além de uma série de erros da esquerda e da política de fakes news. Somadas, elas promoveriam o desfecho fatídico para a esquerda brasileira com a legitimação nas urnas de um candidato neofascista como o seu presidente.

Ainda assim, no decorrer do 2° turno, o PDT foi além, ao pensar na gravidade conjuntural do país, a ponto de renunciar os seus projetos partidários. Mesmo com amplo debate no interior do Partido, a Executiva Nacional do PDT decidiu, no dia 10 de outubro de 2018, apoiar criticamente o Haddad no 2° turno.

Inclusive Ciro Gomes, embora não verbalizasse o seu apoio ao Haddad, não apenas votou nele como também fez campanha nas redes sociais contra o fascismo e declarou sobre o perfil autoritário de Jair Bolsonaro.

Terminada a eleição e passado pouco mais de um mês e uma semana após o segundo turno, Ciro se utiliza de uma live para dialogar com os internautas e, a partir de sua análise conjuntural, ele faz as suas pontuações sobre o futuro Governo Bolsonaro e o processo político-eleitoral de 2018.

Face a este cenário de terra arrasada com a vitória de Bolsonaro, qual a real alternativa da esquerda brasileira granjear a simpatia do povo brasileiro?

Uma vez que o PT é “incapaz” de fazer sua autocrítica e com uma Executiva Nacional que não assume as suas responsabilidades neste processo (a começar pela recusa da Gleisi Hoffmann em fazer a sua autocrítica), cabe ao restante da esquerda brasileira seguir o seu caminho e rever a História para servir como azimute para orientar as suas ações políticas.

Dentre uma das missões imediatas da esquerda, se ela quiser sobreviver à avalanche do hegemonismo ideológico neoconservador, está na sua unidade e, concomitante a isso, na inarredável posição em isolar o PT – salvo se o PT fizer a sua autocrítica junto ao povo brasileiro e, ao mesmo tempo, deixar o seu hegemonismo de lado.

Juntos, PDT, PCdoB, PSB, REDE e o PSOL precisam apontar o horizonte na construção de um projeto nacional-popular e democrático, em defesa dos direitos históricos do povo brasileiro, na defesa intransigente da Constituição e no combate sem tréguas ao fascismo, ao neoconservadorismo e ao ultraliberalismo.

Wendel Pinheiro é historiador, membro titular do Diretório Nacional do PDT e membro da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini

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