Os idos de março!

Morte de César, pintura de Vincenzo Camuccini

EID MARS- IDOS DE MARÇO

Por Deivison de Paula

Um adivinho, na célebre obra Júlio César de Shakespeare, avisa ao todo poderoso ditador, fazendo jus ao adágio vox populi, vox dio – para que tome cuidado com o dia 15 de março: “Acautelai-vos com Idos de Março”. Destino por obvio ignorado por aquele governante coberto de gloria e que havia acabado de retornar da maior conquista Romana.

Sem tomarmos pela literalidade os extremismos da tragédia, importante notarmos certas lições que referida cena traz ao recém eleito presidente Jair Bolsonaro, cuja eleição ocorreu em meio a gritos histéricos de grupos barulhentos nacionais e internacionais, dotados de lemas travestidos de denúncias as quais afirmam em síntese que todos os males do país são corolários de um suposto “marxismo cultural”, uma dita “ideologia de gênero” e de outras diversas invencionices içadas a status de categoria acadêmica por blogs embusteiros, grupos de WhatsApp e astrólogos falidos.

Muitos podem imaginar que foi essa trempe de mágicos criadores de bordões que elegeu Bolsonaro, entretanto, apesar de terem fornecido a cortina de fumaça capaz de iludir os jovens incautos e velhos insensatos que abraçaram tal corrente, não foram eles os principais responsáveis pela eleição do capitão e sim a justa demanda popular por segurança pública.

É compreensível que sejam estes sujeitos, que mais parecem provenientes da carreta furação os maiores entusiastas do novo regime e que mais emplaquem ministérios, entretanto, passado o ilusionismo que foi a eleição, imperativo para estes tratarem da ordem do dia, sob pena de frustrar as forças que abraçaram de boa-fé o bolsonarismo.

Essa demanda popular jamais respondida a contento pelos diversos governos que se sucederam desde o advento da Constituição de 1988 e que atualmente chega às raias do intolerável é o principal motivo para a ascensão desse governo. Contamos, atualmente com mais de 60 mil homicídios anuais, um patamar 60 vezes superior ao índice europeu, sendo referida narrativa e fato responsável por eleger também diversos governadores, como João Dória em São Paulo, Wilson Witzel no Rio de Janeiro e Romeu Zema em Minas Gerais, além de diversos outros em Estados igualmente importantes da Federação.

Uma pessoa, ajudada por uma profusão de fatores, que se diz dissociada da política convencional conseguiu exito em contar para as massas sua versão sobre a origem da violência no país, agora precisamos conferir qual será o resultado de eventual frustração, caso referidos índices não cedam, como já se supõe e não se tenha a tão merecida melhora na qualidade de vida da população no que concerne o problema da segurança pública.

Temos visto a tolerância da população com os sucessivos ataques à cultura, à educação e a posições tradicionais brasileiras no âmbito da politica externa, tudo isso dentro de uma lógica utilitarista popular, cultivada midiaticamente de modo a relativizar essas posturas como um sacrifício necessário para a tão almejada segurança, sendo este o preço a ser pago para se alcançar a “graça”.

O que devemos com efeito questionar é o que se dará quando nada disso ocorrer e o bolsonarismo concretizar aquilo que se propõe: vender a maior parte do patrimônio nacional, destruir a cultura, a educação e nada ocorrer neste âmbito da segurança pública ?

Será que os bolsonaristas incautos serão assim tão dóceis, quando descobrirem que as mesmas táticas imperialistas foram utilizadas para os convencer a acreditar em uma versão dos fatos totalmente divorciada da realidade ?

Verdade que foi nomeado para a pasta o juiz Sérgio Moro, e que este goza de amplo apoio perante a opinião pública, o que aparentemente servirá como álibi para o governo Bolsonaro caso seu governo não entregue o que prometeu, entregando-lhe a cabeça em tigela de prata ao povo, como responsável pela anunciada falta de zelo com o problema.

Sabemos que os humores frente a uma situação que se arrasta por décadas são volúveis e que toda narrativa simplista cai por terra caso não seja dado bom encaminhamento à questão, sendo de bom alvitre cuidar da sua fonte primária de poder. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos e torçamos para que nossos Idos de Março não seja assim tão trágico como o dos Romanos

*  Daivison de Paula é advogado graduado pelo Mackenzie.

Citações:

  • Shakespeare, William (1999). Arthur Humphreys, ed. Julius Caesar. [S.l.]: Oxford University Press;
  • https://oglobo.globo.com/brasil/atlas-da-violencia-2018-brasil-tem-taxa-de-homicidio-30-vezes-maior-do-que-europa-22747176
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