Na Veja
“‘Fora Bolsonaro’ é uma bobagem”, diz presidente do PT fluminense
Washington Quaquá critica postura do partido em relação ao futuro governo e diz que é hora de reconhecer e pedir desculpas pelos erros
Por Nonato Viegas 29 nov 2018
O PT esteve no poder durante 13 anos, foi ferido pela corrupção no escândalo do mensalão e atingido de forma quase letal pela Operação Lava Jato, que levou o ex-presidente Lula e outros dirigentes à prisão. Há dois meses, o partido foi derrotado nas urnas por Jair Bolsonaro, teve sua bancada no Congresso reduzida a quase metade desde 2002 e a grande massa de seu eleitorado ficou confinada no nordeste do país. Lideranças petistas apontam uma imaginária conspiração planetária como responsável por esse resultado. Mas há quem discorde. Presidente do PT do Rio de Janeiro, Washington Quaquá está preparando um documento em que pedirá à direção nacional do partido que reconheça seus erros e se desculpe com os brasileiros. Segundo ele, o primeiro grande erro foi a escolha de Dilma Rousseff para suceder Lula — culpa do ex-presidente. O segundo grande erro foi abandonar a aliança com os partidos de centro, como o MDB, o PTB, o PP e outros — culpa de Dilma Rousseff. E o terceiro erro foi a corrupção, ou melhor, a rendição do PT às “regras” do jogo eleitorais.
Quaquá, como a maioria dos petistas, nunca usa a palavra corrupção para definir o crime que levou o PT ao inferno. O que a Lava Jato descobriu — um esquema que desviou dos cofres públicos algo que pode chegar a 42 bilhões de reais — é simplificado pelo dirigente como um mero caso de caixa 2. E, nesse quesito, não há inocentes. Há outros dois pontos do documento que devem provocar muita controvérsia dentro do partido. O dirigente fluminense defende que o PT mude a orientação em relação ao governo de Jair Bolsonaro. Ao contrário de fazer oposição sistemática, o partido deveria fazer uma “oposição democrática da defesa de direitos”. E para pacificar o país, segundo ele, os políticos deveriam buscar uma alternativa negociada que permitisse a libertação do ex-presidente Lula e seu exílio no exterior. Na terça-feira 27, Quaquá, que se elegeu deputado federal, soube que não assumirá o mandato. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que ele era inelegível, depois de ser condenado pela Justiça por improbidade administrativa. Eis os principais trechos da entrevista.
O senhor decidiu afrontar a direção nacional do PT, que é contra qualquer tipo de autocrítica? Somos um partido popular, não podemos nos isolar e eu tenho o direito de discordar. Desde o governo Dilma, resolvemos restringir as alianças e deixamos de fazer interlocução com as forças concretas da sociedade, como militares, judiciário, empresários e religiosos. A verdade é libertadora e é um valor essencial para a esquerda e para o cristianismo. O PT errou e muito e tem que fazer as autocríticas publicamente.
E quais foram esses erros? A Dilma foi um erro. Escolher uma pessoa que nunca fez política eleitoral foi um erro. Foi um erro do Lula. As pessoas erram. E ele errou. A reeleição dela foi um erro muito maior. Dilma forçou a barra. Havia um movimento para que Lula voltasse. O próprio Lula, num determinado momento, ficou ali esperando o gesto de Dilma, até o instante em que ela foi categórica ao dizer que seria candidata. E esse erro foi mortal.
A culpa pela derrocada do PT então foi toda da ex-presidente Dilma? Ela e os erros dela. Nós começamos a ser derrotados na medida em que a Dilma abandonou a nossa política de alianças e decidiu restringi-la à esquerda, maltratando a base de centro, que foi o motivo da eleição de Lula. Ela tem um espírito autoritário — e era incompetente, fez políticas muito regressivas e não precisava.
E os escândalos de corrupção não entram nessa autocrítica? Não tenho problema em admitir que entramos no financiamento privado. Era o que tinha, era o válido no sistema e nós disputamos eleições dentro do sistema. O que houve foi caixa 2. Era a assim o financiamento eleitoral no Brasil, mas só o PT pagou por isso. O mensalão sempre existiu. É o que, agora, está ocorrendo no governo Bolsonaro — troca de cargos por apoio parlamentar.
O mensalão e a Lava Jato flagraram petistas em crime de corrupção, não apenas de caixa 2. Repito: houve, sim, caixa 2 para financiar partidos. Sobre a Lava Jato, a sociedade brasileira parece esquizofrênica. Pode até ter havido corrupção em alguns casos. Mas houve muito linchamento público e condenação sem provas.
O mea-culpa incluiu a defesa da inocência do ex-presidente Lula? Ele é uma pessoa de 76 anos que quer provar sua inocência. Defendo que se vá ao Congresso Nacional, que se negocie com o Supremo, com as forças da economia, da política. Precisamos fazer a recomposição da democracia no Brasil. E não há recomposição com Lula preso sem prova. É preciso negociar, talvez, um exílio no exterior. Antes da condenação, vários companheiros sugeriram que ele pedisse asilo em outro país. Ele nunca aceitou.
Qual é o futuro do PT? A eleição não foi esse desastre que muitos dizem. Nós temos o maior líder popular da história do Brasil. Mas, agora, criamos uma segunda figura, que não é do tamanho do Lula, mas representa a nossa luta política que é o Fernando Haddad. A grande vitória foi a consolidação do Haddad como liderança nacional. Ele saiu como o grande fruto do lulismo.
O TSE anulou sua eleição por causa de um processo de improbidade administrativa. O senhor é corrupto? De forma alguma. Eu não tive enriquecimento ilícito. Fui condenado única e exclusivamente por ter dado gratificação salarial a servidores públicos que trabalhavam. Depois dessa condenação, não tenho pretensões políticas e não preciso puxar saco de ninguém, por isso, falo o que penso.
Como o senhor acha que o PT deve se comportar diante do governo Bolsonaro? O PT tem de assumir como luta a democracia liberal, os preceitos do liberalismo e a defesa dos direitos fundamentais. Temos que fazer uma mea-culpa de nossa história de gritar “fora seja-lá-quem-for” e pedir impeachment de presidentes. Nós temos que deixar Jair Bolsonaro governar até o fim. Não podemos mais ser sócios de impeachment neste país. Gritar “Fora Bolsonaro” é uma bobagem.
Essas críticas que o senhor faz ao partido, ao que parece, não encontram eco na direção nacional. A Gleisi é um grande quadro político, conduziu bem o PT no período de luta contra o golpe, mas a vida segue e quem tem que fazer isso agora é o Haddad. Quem saiu da urna legitimado para ser o interlocutor do PT é o Fernando Haddad.