Uma avaliação objetiva da força dos candidatos a presidente da república deve olhar sobretudo para seu desempenho no 1º turno, quando os eleitores puderam votar de maneira propositiva, de olho nas propostas específicas de cada um, e não tanto como cálculo para evitar a vitória do candidato que rejeita.
A força de Bolsonaro é incontestável. O candidato quase venceu no primeiro turno, quando obteve 49 milhões de votos, 46% do total.
Haddad, herdeiro do lulismo, recebeu 31,3 milhões de votos, ou 29% do total.
Entretanto, o foco deste post é analisar o tamanho e a diversidade do eleitorado de Ciro Gomes, terceiro colocado, a partir de alguns segmentos geográficos e sócio-econômicos onde ele obteve resultados relevantes.
Os dados mais importantes, naturalmente, são os números do TSE, estratificados por município e estado. Mas também vamos olhar a pesquisa eleitoral mais recente, do Ibope, para termos uma noção da segmentação por renda, escolaridade e faixa etária.
Ciro obteve 13,3 milhões de votos no primeiro turno, ou 12% do total. Numericamente, é uma votação expressiva, sobretudo num ambiente tão polarizado como foi a eleição deste ano, onde candidatos com enorme tempo de tv, quantidade gigantesca de recursos financeiros, como Geraldo Alckmin, tiveram resultados pífios (menos de 5%). Marina Silva, que participou recentemente de outras eleições presidenciais, quando obteve números bem mais encorpados, terminou o primeiro turno com apenas 1 milhão de votos, ou 1% do total.
Guilherme Boulos, do PSOL, obteve uma votação nacional muito ruim, com apenas 617 mil votos, ou 0,58% do total; a culpa, no entanto, volto a dizer, foi menos de Boulos do que do ambiente radicalmente polarizado entre petismo x antipetismo que caracterizou o pleito.
A votação de Ciro, nessas circunstâncias, foi razoável; mesmo assim, foi menos da metade do que os 31 milhões de votos de Haddad, e muito distante dos 49 milhões de votos de Bolsonaro.
Mas o Brasil é muito grande e diverso. Uma análise política consistente só faz sentido se se debruçar pacientemente sobre os números estratificados.
Vamos começar pelo lugar onde Ciro obteve o seu melhor desempenho, Sobral, sua cidade natal, onde o candidato obteve 60% dos votos válidos no primeiro turno, ou 66 mil votos, contra 21% de Jair Bolsonaro e 16% de Haddad.
Em Fortaleza, capital do Ceará, o candidato também ganhou com tranquilidade no primeiro turno, com 40% dos votos válidos, ou 546 mil votos, contra 34% de Bolsonaro e 19% de Haddad.
Uma curiosidade. Em Fortaleza, Cabo Daciolo, com 24 mil votos, ficou à frente de Geraldo Alckmin, que teve apenas 15 mil votos; Boulos teve 7,7 mil votos na cidade.
O desempenho de Ciro também foi muito relevante no Rio de Janeiro, capital, onde obteve 19,5% dos votos, correspondentes a 646 mil votos. Nada perto de Bolsonaro, fenômeno popular incontestável no Rio, que ficou com 58% dos votos cariocas no primeiro turno, mas bem à frente de Haddad, que pontuou 12% na cidade. Boulos ficou com 0,84% dos votos cariocas.
Lembrarei sempre o voto de Boulos que é para termos uma noção do tamanho do eleitorado de esquerda nas cidades e regiões que analisamos.
No estado do Rio, Ciro também ficou em segundo lugar, com 15,2% dos votos válidos, mas praticamente empatado com Haddad, que obteve 14,7%. Bolsonaro fechou o primeiro turno com quase 60% dos votos fluminenses.
De maneira geral, o pedetista obteve uma votação razoável em algumas capitais importantes. Em Belo Horizonte, por exemplo, Ciro também ultrapassou o candidato petista e terminou o primeiro turno com 17,4% dos votos, contra 14,5% de Haddad; Bolsonaro obteve 55% em BH; Boulos, 0,68%.
Em São Paulo, capital, Ciro ficou em terceiro lugar, com 15% dos votos, contra 19,7% de Haddad e 44% de Bolsonaro, mas bem à frente de candidatos muito conhecidos no município, como Alckmin, que obteve 8,8% dos votos paulistanos, e Boulos, com 1,21%.
Em Brasília, Bolsonaro venceu o primeiro turno com 58,4% dos votos, seguido de Ciro, com 17% e Haddad, com 12%.
Em Curitiba, mais uma vez Ciro passou a frente do PT, e obteve 12% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, contra 9% de Haddad; Bolsonaro ficou com 62% em Curitiba; Boulos, com 0,57%. Alvaro Dias, muito conhecido na capital do Paraná, obteve apenas 4% dos votos.
Em Porto Alegre, capital que o PT já governou mais de uma vez, e onde sempre obteve votação relevante, desta vez teve que dividir o eleitorado de esquerda meio a meio com Ciro, o qual obteve 19,37% dos votos na cidade, contra 20% de Haddad; Bolsonaro abocanhou 45% do eleitorado portoalegrense; Boulos, 1,36%.
Na bela e serena Florianópolis, Ciro Gomes novamente superou o candidato petista, obtendo 16% dos votos, contra 13% de Haddad; Bolsonaro ficou com 53%. Boulos, 1,83%.
Voltemos ao nordeste. Em Recife, Bolsonaro ganhou no primeiro turno, com 43% dos votos, seguido de Haddad, com 30% e Ciro, com 17%; Boulos recebeu 0,82% dos votos recifenses.
Em Natal, Bolsonaro venceu o primeiro turno com 44% dos votos. Reparem que a direita entrou com força no nordeste a partir de capitais como Recife e Natal. Ciro ficou em segundo, com 23,6%, seguido de Haddad, com 22,8%; Boulos ficou com 0,7%.
A força do lulopetismo é muito concentrada no interior do nordeste, onde, em muitas cidades, Haddad pontuou mais de 70% no primeiro turno.
Mais uma curiosidade. No Maranhão, por exemplo, há uma pequena cidade chamada Nova Iorque (!), onde Haddad obteve 77% no primeiro turno.
Em Vitória, capital do Espírito Santo, Haddad e Ciro ficaram com 18% e 15% dos votos no primeiro turno, respectivamente, contra 53% de Bolsonaro e 0,58% de Boulos.
Vamos olhar algumas cidades médias.
Em Juiz de Fora, o resultado no primeiro turno para Bolsonaro, Haddad e Ciro ficou em 45%, 23% e 20%.
Em Nova Friburgo, Bolsonaro teve votação arrasadora no primeiro turno, 63%; Ciro ficou em segundo, com 16%; Haddad, 10%; Boulos, 1%.
Em Niteroi, Bolsonaro venceu com 53%, seguido de Ciro, com 21%, e Haddad, com 14%.
Agora vamos passar para uma análises sócio-econômica, com base nos números da pesquisa boca de urna do Ibope, realizada em 7 de outubro, dia da votação. O Ibope chegou bem perto dos números reais: Bolsonaro ficou com 45%, Haddad 28%, Ciro 14% dos votos válidos. Os números oficiais do TSE para esses candidatos, quando as urnas foram contabilizadas, conforme lembramos acima, ficaram em 46%, 29% e 12%.
Nas estratificações abaixo, os números não se referem a votos válidos, e sim a votos totais.
Na estratificação por faixa etária, o melhor desempenho de Ciro Gomes se deu entre jovens até 24 anos, onde ele obteve 21%, praticamente empatado com Haddad, que ficou com 23%; nessa mesma faixa, Bolsonaro pontuou 37%.
Na estratificação por renda, Ciro Gomes venceu o segundo lugar entre eleitores com renda familiar acima de 5 salários, com 17% dos votos, contra 12% de Haddad. Bolsonaro pontuou 55% dos votos válidos nessa faixa. Isso explica um clima de “virada” que se alastrou entre eleitores de Ciro nos últimos dias antes do primeiro turno: era um movimento majoritariamente de classe média.
Na faixa de renda logo abaixo, de 2 a 5 salários, Ciro também teve um bom desempenho, ficando com 14% dos votos, quase empatando com Haddad, que pontuou 16%. Foi nessa faixa que Bolsonaro experimentou um crescimento expressivo às vésperas da votação, terminando com 52% dos votos totais.
Bolsonaro também se descolou de Haddad e avançou muito rapidamente nos últimos dias, antes do primeiro turno, entre eleitores com renda entre 1 e 2 salários, pontuando 42%, contra 26% de Haddad e 11% de Ciro.
A força de Haddad ficou muito concentrada no eleitorado com renda familiar até 1 salário, onde ele se distanciou no primeiro turno, com 44% dos votos, contra 26% de Bolsonaro e 10% de Ciro.
Na estratificação por escolaridade, o melhor desempenho de Ciro ficou entre os mais instruídos, com ensino superior, onde ele se descolou de Haddad e fechou em segundo lugar, com 21% dos votos totais. O petista ficou com 14% nesse segmento. Isso também explicaria o clima de “virada” às vésperas da votação. Nesta faixa, Bolsonaro ficou com 47%.