Sobre a chocante conversa entre Paulo Guedes e Eunício Oliveira

Montagem de fotos: Fátima Meira/Futura Press – REUTERS/Sergio Moraes

É estarrecedor o relato de Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado, sobre a conversa que teve com Paulo Guedes no dia 6 do corrente mês.

Leiam o trecho da matéria do BuzzFeed News que reproduzirei para vocês, queridas leitoras e leitores do Cafezinho. Volto em seguida:

“Se o sr. acha que vai ser tumultuado ano que vem, imagina como vai ser esse ano. O que eu puder fazer para ajudar, estou pronto…”, disse Eunício ao BuzzFeed News, narrando ter deixado a porta aberta para propostas de interesse do futuro governo, que só toma posse em janeiro, no Orçamento Geral da União.

“Ele olhou para mim e disse que orçamento não é importante, importante é aprovar Reforma da Previdência”, contou o presidente da Casa.

Eunício conta ter lembrado que aprovação do Orçamento é pré-requisito para o recesso parlamentar, estabelecido pela Constituição. “Ele me disse: ‘vocês não aprovam orçamento, orçamento eu não quero que aprove não’. Mas não é o senhor querer, a Constituição diz que só podemos sair em recesso após a aprovação.”

Pela reconstituição de Eunício, Guedes o teria cortado: “‘Não, eu só quero Reforma da Previdência. Se vocês não fizerem vou culpar esse governo, vou culpar esse Congresso e o PT volta, e vocês vão ser responsáveis pela volta do PT.”

O presidente do Senado relata ter lembrado ao futuro ministro que votação de Proposta de Emenda Constitucional só pode ser votada depois que o Executivo encerrar a intervenção federal no Rio.

Pelo relato de Eunício, Paulo Guedes teria insistido com a história do PT voltar se a Reforma da Previdência não passasse. Segundo ele, Paulo Guedes subiu a aposta na conversa:

“[Guedes me disse:] ‘se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano, o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês’”, contou.

“Democracia é o melhor regime para se viver no mundo, mas ela é complicada mesmo, é difícil, ministro”, respondeu o emedebista. Eunício não se reelegeu em outubro, mas até 31 de janeiro continua no comando do Senado, com o poder de determinar a pauta do que vai à votação no plenário.

“Então eu vi a Raquel Dodge lá na frente e saí para conversar com ela e ele seguiu conversando com o Fernando Bezerra (MDB-PE), que saiu de lá horrorizado”, afirmou.

***

É pra ficar horrorizado mesmo.

O primeiro choque é a notícia de que o futuro superministro da Economia, o Posto Ipiranga de Bolsonaro, o todo poderoso Paulo Guedes não sabe que o orçamento do país deve, obrigatoriamente, por comando direto da Constituição Federal, ser aprovado pelo Congresso durante a legislatura anterior.

Bolsonaro garantiu, durante a campanha eleitoral, que colocaria “os melhores” para gerir as pastas do governo. O fato de o melhor nome encontrado para a economia não saber algo tão básico e fulcral para o funcionamento do país, sabido por qualquer estudante do primeiro ano de direito, faz com que paire um enorme ponto de interrogação sobre a capacidade do presidente eleito de escolher “os melhores”.

O que, aliás, é algo bastante óbvio: se a pessoa não sabe nem o básico sobre um assunto, como é o caso de Bolsonaro em relação à economia, como ela irá escolher um bom nome? Essa pessoa, no caso o presidente eleito, irá escolher o que melhor lhe enrolou – no caso, o sr. Paulo Guedes.

A segunda conclusão que podemos tirar do relato de Eunício não é tão chocante assim, já que a truculência e o antipetismo tosco são marcas registradas de Bolsonaro. O que surpreende é que o futuro ministro da economia, do qual naturalmente se espera uma postura mais polida e democrática, bem como argumentos um pouco mais sofisticados, aparentemente vai emular o comportamento de seu chefe.

Se usar a estratégia de culpar o PT por todos os males do país – quiçá da história da humanidade ou, por que não, da história do planeta; vai saber se o meteoro que provocou a extinção dos dinossauros não foi uma negociação escusa de algum ancestral remoto do Lula com aquelas divindades furibundas de antigamente? – e usar como grande trunfo eleitoral impedir a volta do petismo ao poder já é um rebaixamento vergonhoso do debate político, usar esse mesmo tipo de, vá lá, “argumento”, nas negociações com o chefe do Poder Legislativo, como fez Paulo Guedes, é inacreditavelmente vergonhoso.

“Façam o que eu quero ou o PT volta e eu vou culpar vocês” parece uma frase saída da boca de algum rei estupidamente mimado da Idade Média. Não é por acaso que a “família real brasileira” (risos, muitos risos) apoia entusiasticamente Bolsonaro. O tataraneto de Dom Pedro II (mais risos) foi eleito deputado federal por São Paulo, pelo partido de Bolsonaro, com uma expressiva votação (aqui, cabem algumas lágrimas).

Algumas horas depois da bizarra conversa com Eunício, Paulo Guedes disse que deveria ser feita uma “prensa” no Congresso para aprovar a reforma da Previdência. Eunício reagiu:

Eu digo que aqui ninguém dá prensa. Aqui você convence, discute, ganha perde, agora prensa ninguém vai dar em mim

Guedes é autoritário e truculento como o chefe, mas bobo não é. Ele sabe que a reforma da Previdência é absolutamente impopular, por motivos óbvios, e não quer que o governo Bolsonaro assuma essa bronca. Como alguém tem que fazer a reforma – afinal, assim a banca exige -, a genial solução é tentar enfiá-la “guela” abaixo deste Congresso em fim de legislatura.

Tem tudo para dar errado, uma vez que ainda estamos em uma democracia e existem algumas normas constitucionais que não são tão simples de driblar.

Como disse Eunício, no alvo: “Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social”.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.