Os cabelos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão totalmente brancos e mais ralos. Em dados momentos, cercado de todo o aparato, na sala da Justiça Federal do Paraná, onde prestou depoimento, na cidade de Curitiba, ele tem dificuldade de ouvir o que a juíza Gabriela Hardt lhe pergunta, apesar de estarem divididos apenas por uma mesa de trabalho.
Seus dedos tamborilam na garrafa de água mineral posta à sua frente e, em alguns trechos, dependendo da pergunta, Lula, antes controlado e seguro, bate impaciente na mesa, com os papéis que carrega contendo dados que possam ajudá-lo a explicar sobre o que está sendo questionado.
O tom da juíza, independente de ser ele um ex-presidente da República, o que por si já merecia tratamento mais respeitoso, é duro além da conta. A cada corte que dá na fala de Lula, a juíza parece repisar que agora ele não é mais nada além de um detento.
Despreza, por certo, o fato de que o homem à sua frente é o mesmo que, há pouco mais de sete meses, arrastou multidões para praças públicas por onde andou, levando a promessa de continuidade dos benefícios sociais que hoje a população carente vê sumir de sua frente, antes mesmo da posse efetiva do novo governo.
De cara, já ficaram sem o tratamento básico de saúde. E, mais adiante, sabe-se lá mais o que vão perder, enquanto o ministro que administrará as contas pública anuncia que vai dar “prensa” e “tratorar”, os que impedirem suas iniciativas. Sem contar que o seu antigo carcereiro subiu alguns degraus de poder e agora não detém apenas a chave de sua cela. Tem na mão a chave mestra da Justiça do país.
Lá fora, para além das nossas fronteiras, Lula continua merecendo atenção e o rótulo de “preso político”. Principalmente entre grandes juristas, que não concebem o caminhar de processos que começam com um tipo de acusação e prosseguem com outro, a ponto de desnortear o acusado, que a certa altura quer saber: então não estou mais sendo acusado de ser o dono do sítio? Do que, afinal, me acusam? ((não coloquei entre aspas porque podem não ser exatas as apalavras que reproduzo aqui, mas o sentido foi este).
Dura, com voz de atendente de telemarketing, a juíza reproduz para Lula o que está contido nos autos, agora com o conteúdo gritantemente modificado. Já não é mais o dono do sítio de Atibaia, posto que a documentação regular e precisa do proprietário não deixa dúvidas quanto a quem, de fato, pertence a propriedade. Agora ele é apenas o beneficiário de reformas que não pediu que fossem feitas. Lula, aturdido, tenta reagir, contradizer, mas é novamente impedido, agora como um escolar pego em estripulias dentro da classe.
O depoimento, de mais de duas horas, nos traz Lula de novo. Podemos, enfim, ver como está o ex-presidente. Daqui de onde o vi, posso dizer que ele está no limite. No limite de sua fé, no limite de sua esperança, no limite de sua paciência e no limite de sua indignação. Mas Lula é Lula. E, no momento em que um dos seus advogados, José Roberto Batochio, avisou que por motivo de compromisso deixaria a sala, transferindo a Christiano Zanin a continuidade dos trabalhos, ele candidamente, olhando para o advogado, suplicou: “me leva com você”.
Para os presentes, soou como mais uma de suas tiradas espirituosas e todos caíram na risada. A juíza, mais uma vez, aproveitou para usar de sua aspereza e ameaçou: “se o senhor quiser ficar em silêncio, também podemos encerrar (referindo-se à audiência). Mas, para quem de fato prestou a atenção à cena, viu um Lula quase infantil, pedindo ajuda. Lula queria ver a rua, onde a vida transcorre assustadoramente dentro da normalidade. É Lula de novo, mas longe do povo.