Coluna Segunda Opinião
Por Wanderley Guilherme dos Santos
A locução “militar da reserva” situa-o em posição especial na estrutura das ocupações. Um jogador de futebol estar na reserva significa manter-se na ativa, à disposição dos superiores técnicos e administrativos quando convocado à titularidade. Mas ao final da carreira não vai ocupar uma reserva permanente; ele passa à condição de ex-jogador de futebol.
Professores, dentistas, engenheiros e outras tantas profissões liberais estão sempre na ativa, nunca na reserva, mas, ao final da carreira, não se tornam reserva (é bastante rara a convocatória de um médico que “já não exerce a profissão”, como se diz) nem tampouco se tornam algum “ex”. Estão aposentados. Não existem ex-advogados, ex-arquitetos, ex-farmacêuticos e dezenas de outros profissionais.
Continuam com a identificação profissional preservada, mas inabilitados para retornar à ativa.
Militares são profissionais exóticos. Enquanto na ativa, preenchem posição clara na estrutura ocupacional: responsáveis pela eficácia dos dispositivos constitucionalmente atribuídos; essencialmente, o resguardo, em última instância, das instituições civis, e a defesa da segurança e soberania nacionais. Segurança e soberania nacionais são bens públicos clássicos, ou seja, não podem ser usufruídos ou capturados por grupos ou segmentos sociais privados, são parte indissociável da dieta de todo cidadão, independente de credo, ideologia, status social ou renda pessoal.
Ao passar para a reserva, os militares não perdem a condição de militar, tal como os profissionais liberais, mas não se aposentam, como estes. Não existe a ocupação de militar aposentado. Os militares permanecem como futebolistas ativos, embora na reserva, prontos a retornar à vida produtiva, se requeridos. Só que, ao contrário de jogadores reservas, não lhes é permitido voltar como militares propriamente ditos, de coturno e armas na cintura. Não havendo outra ocupação designada, reaparecem como avatares civis.
Ilusão. Não existem ex-militares. Por baixo dos ternos e gravatas protocolares permanecem os blusões verde oliva, ornamentados com os galões de tempos vividos, mas não idos. Com a psicologia reptiliana de militar, o presidente eleito resiste a aceitar o equilíbrio e a solenidade litúrgica do cargo, mantendo o linguajar belicoso, o gestual rude e a distribuição de poderes entre delegados de um governo de ocupação. Resta por decifrar se o Exército está ciente do jogo para o qual está sendo gradativamente arrastado.