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Ramon Brandão: a política como exercício estético

A política como exercício estético Por Ramon Brandão Ao longo do século 20 – sobretudo a partir da segunda metade – o conceito de “Revolução” foi perdendo o seu glamour. Aquilo que até então mobilizara multidões e acelerara milhares de corações numa ânsia avassaladora por transformação social se tornara teoria científica, programa partidário e procedimento […]

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Lygia Pape

A política como exercício estético

Por Ramon Brandão

Ao longo do século 20 – sobretudo a partir da segunda metade – o conceito de “Revolução” foi perdendo o seu glamour. Aquilo que até então mobilizara multidões e acelerara milhares de corações numa ânsia avassaladora por transformação social se tornara teoria científica, programa partidário e procedimento burocrático (como no caso da URSS, com a estatização da “Revolução”).

Tal processo não poderia fazer emergir outra coisa senão o afastamento das pessoas. Tal como afirma o filósofo Michel Foucault, o esquema de “conversão” à revolução via adesão a um partido que, por sua vez, afirma-se revolucionário fracassou: “Sabemos hoje em dia, em nossa experiência cotidiana, que só nos convertemos à renúncia à revolução. Os grandes convertidos de hoje são os que não creem mais na revolução”.
Daí, afirma o filósofo, a importante tarefa do intelectual contemporâneo: “restituir à revolução todos os charmes que ela tinha no século 19”. É claro que não se trata – quando fala o filósofo em restituição do charme – de atualizar a antiga cartilha revolucionária que foi editada pelos partidos, nem de atualizar as palavras de ordem a fim de capitalizar engajamentos e adesões.

Trata-se, antes, de erguer novas territorialidades, de forçar a emergência de novos povoamentos. Trata-se, então, de novamente tomar posse de uma paixão transformadora, de fazer brotar no próprio corpo, mais uma vez, um devir revolucionário que fora apagado pela burocracia e, consequentemente, pela cristalização dos comportamentos. Por isso, em meu último artigo, elaborei uma crítica à “Revolução” ao mesmo tempo em que conduzi um elogio ao motim – que, inquestionavelmente revolucionário, jamais se permitiria a institucionalização. É no motim que a possibilidade de sermos os artistas de nossas próprias vidas se faz possível.

Simplificadamente, trata-se de resignificar a questão da “verdade”. Com a institucionalização da “Revolução” os partidos e sindicatos se tornaram as vozes da verdade revolucionária. Os que sabiam quais decisões tomar para implementar uma nova sociedade eram os dirigentes partidários e os intelectuais de vanguarda, detentores da grande missão de conscientizar as massas. Cabia, portanto, aos militantes convertidos à causa, a mera obediência. Outro ponto fundamental para o seu fracasso: com os interesses da organização sendo a única prioridade – sobretudo quando comparado aos interesses individuais –, instituiu-se uma grande estrutura de autoridade e hierarquia no interior das instituições revolucionárias. Foi ali que a “Revolução” se tornou uma grande instituição e, como de praxe, foi fundamental que o indivíduo renunciasse à sua individualidade, à sua potência criativa, reconhecendo-se incapaz de encontrar alternativas por si mesmo. O capitalismo produz algo ainda mais perverso, porém extremamente mais bem elaborado e menos perceptível.

Assim, foi neste contexto que as chamadas “instituições revolucionárias” começam a perder a hegemonia sobre as vontades e os desejos individuais. Convictos da verdade que carregavam, da palavra da grande autoridade e afoitos em proferir a forma na qual deveriam agir e pensar as pessoas, o alto escalão revolucionário acabou por desaprender a ouvir.

Foi então que, alheios ao proselitismo partidário, surgiram os movimentos sociais. Foi assim que indivíduos cuja potência de criação até então estivera enjaulada e castrada deram vasão aos seus devires revolucionários, consolidando suas revoluções capilares. Nascia o movimento feminista, o movimento gay, negro, hippie, ambientalista, etc., movimentos moleculares, atuantes na micropolítica que habita uma rua, uma habitação, um bairro, uma cidade, uma família. Movimentos que deixaram de recorrer à cartilha partidária. Movimentos que não visavam o poder do Estado ou o controle dos meios de produção, mas que se colocavam e lutavam contra as instâncias de poder que agiam diretamente sobre as individualidades.

Nascia – ou renascia – o desejo por novas relações socioéticas. Uma forma outra de se relacionar consigo mesmo e com os outros. Formas outras de se resistir à submissão da subjetividade afirmando a diferença. Afirmando aquilo que faz dos indivíduos verdadeiramente individuais. Foucault diz que “nós somos prisioneiros de certas concepções de nós mesmos e de nossa conduta. Nós devemos liberar nossa subjetividade, nossa relação conosco”. Liberar nosso desejo dos moldes já estabelecidos pela máquina estatal.

Neste viés, afirmamos uma guerrilha aberrante, nômade, imediata, molecular e anárquica. Indicamos uma experiência outra que possibilite ao indivíduo a constituição de uma nova política da verdade; verdade que não mais se revela através da objetividade de um método, mas que é pensada e pautada pela liberdade, pela potência e pela coragem de afirmá-la em uma situação de risco.

A experiência proporcionada por tais forças é traçada à luz do desassujeutamento e da recusa absoluta a qualquer tipo de individualidade padronizada. É, definitivamente, o que deveria constituir a ação política. Parafraseando Michel Foucault, não se trata de descobrir o que somos, mas de recusar o que somos. Trata-se da criação de novas formas de subjetividade, de vida; da transformação de si e de como nos relacionamos com o mundo. Trata-se de fundar novos valores, novas condutas, uma nova ética. Trata-se, por fim, de lutarmos contra o governo da individualização.

Antes de tudo, eu lhes digo: na contemporaneidade, a mais urgente das revoluções é aquela que transforma a vida em presença imediata, provocadora e selvagem. Ela não é retórica acerca de como e/ou quem poderá transformar a sociedade, mas de um desbravar o conhecimento que, quando levado ao extremo, acaba por transformar a nós mesmos, acaba por constituir um sujeito ético que, de fato, provoca e inspira o seu entorno.

A transformação do mundo não passa pela idealização e pela promoção de um “outro mundo”, um mundo ideal e perfeito; antes, a transformação do mundo passa pela transformação de si que, por sua vez, recusa as convenções e as morais totalizantes do nosso tempo.

Devemos acreditar na transformação do mundo a partir da transformação do nosso próprio modo de vida; vida que se compromete com uma única verdade, a saber, a verdade que se reflete cotidianamente, que nos toca a pele em plena luz do dia.

Assim, nos parece que a revolução é menos a tomada do poder do que a invenção de novos modos de vida. É a transformação do mundo a partir da conduta, a partir de uma certa “estética da existência”. Exercício estético-militante cujo alvo é a própria vida e cujo objetivo é a transformação refletida de si mesmo a partir de critérios éticos assumidos e praticados ininterruptamente. O estético-militante pratica a liberdade no próprio processo de constituição de si mesmo e, por isso, não deixa de ser um artista; um intérprete de sua própria existência, um inventor de seu próprio modo de vida.

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Ramon Brandão

Ramon Brandão é graduado e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo e doutorando em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Goiás

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Chauke Stephan Filho

12/11/2018 - 10h40

O que se poderia esperar de um soldado legebetê que lesse Ramón Brandão na frente de guerra? Ele só poderia ser o bundeiro da tropa.

Ingrid

10/11/2018 - 08h48

Pérolas aos porcos…
Prezado Miguel parabéns pelo belíssimo texto. As críticas negativas advém do total desconhecimento dos, digamos, pouco estudiosos, alheios ao que seja estética da existência, cuidado de si, dessubjetivação, parrhesia e demais preocupações políticas do último Foucault. A coragem da verdade, lamentavelmente, é para poucos, ainda… saudações e avante!

ACAUA R SANTOS

09/11/2018 - 14h26

Um artigo sem sentido, vai do nada para lugar nenhum, puro jogo de retórica pretensamente revolucionária, baseada em nada e com objetivo nenhum.

    Rodrigo

    09/11/2018 - 17h12

    Acho que vc não entendeu absolutamente nada do artigo (que sim, está muito bem escrito). Não vou me alongar muito, mas p/ mim é bem claro o movimento do autor. É um exercício filosófico o que ele faz. Ele discute a questão do ponto de vista ontológico, conceitual. É um texto complexo – tal como exige um texto filosófico. Ao mesmo tempo, o autor se esforça para que o conteúdo não fique cansativo – tal como a maioria dos textos filosóficos. Enfim, ficou muito bom e eu, particularmente, estava sentindo falta de textos escritos assim. É incrível o quanto as pessoas, hoje, só se importam com textos dogmáticos, cheios de conclusões precipitadas, pouco complexas, fora da curva do senso comum. Por isso as fake news (tanto à direita quanto à esquerda) reinam hoje. Textos sem nenhuma reflexão, sem nenhuma beleza estética. Só cagação de regra pra todo lado.

      ACAUA R SANTOS

      09/11/2018 - 17h43

      Puxa vida, acho que estou muito aquém do entendimento de tão profundo e original texto…. Não precisava me humilhar tanto….

      Apenas uma das pérolas, a de fechamento:

      “”O estético-militante pratica a liberdade no próprio processo de constituição de si mesmo e, por isso, não deixa de ser um artista; um intérprete de sua própria existência, um inventor de seu próprio modo de vida.””

      Se um clichê destes é “filosófico e complexo”, realmente não entendi nada… me lembra muito algumas discussões dos meus tempos de CRUSP….

      Outra pérola… agora sua:

      “”Ele discute a questão do ponto de vista ontológico, conceitual.””

      Eu teria que gastar um verbo para examinar esta frase por completo….. mas acho que também não, consegui alcançar a profundidade….

      Uma coisa que entendi foi a “cagação de regra”…. essa entendi perfeitamente !

      Bezos fefelechianos “

        Rodrigo

        09/11/2018 - 18h48

        Pelo amor de Deus. Qual o seu problema? Por isso a esquerda é esse lixo no Brasil. É um querendo ser mais exibicionista do que outro. Se não for a cagação dos marxistas supostamente ortodoxos não vale, é pós-moderno, é reaça, é burguês. Por isso esse conservadorismo bizarro devora a humanidade. Do lado de lá, estão todos articulados, cada um com seu espaço e com sua fatia. Do lado de cá, um bando de imbecis que vivem para desconstruir os discursos não da direita, mas da própria esquerda. Por isso ela é toda desarticulada, por isso o problema das eleições é culpa do Ciro Gomes. Tenha paciência, o Brasil merece esse presidente eleito mesmo.

        E sobre o parágrafo do autor que vc diz ser “clichê” (e mais, que diz ser pouco complexo e filosófico), eu digo que o autor está explorando um conceito do filósofo Michel Foucault – que é o autor que fundamenta todo o texto. O autor trabalhou com a noção de “estética da existência” do filósofo que, por acaso, conheço um pouco. Foucault fala que devemos recusar esse modelo racional-subjetivo que nos é imposto. Fala que devemos recusá-lo para, então, refundarmos o que somos. O autor, me parece, afirmou isso na perspectiva da militância cotidiana. Afirmou que nossa subjetividade poder ser refundada nas práticas do dia a dia e que a revolução social jamais vai existir sem uma revolução subjetiva – o próprio Foucault usa a União Soviética para se certificar disso. Veja só você, mais uma vez, falando o que não sabe.

        Enfim, é uma pena me deparar tantas e tantas vezes com esses agentes da desarticulação à esquerda. Vocês são iguais aos filhotes do presidente eleito, um bando de imbecis que não querem saber de nada e que acham que a vida é um videogame. Espero profundamente que o autor do texto jamais leia esses comentários que você fez e, se ler, que ele não se desanime com tamanha estupidez.

Esmael

09/11/2018 - 14h08

E por isto mesmo destinada ao fracasso, a eleição de Bolsonaro é uma prova disso, os reacionários de plantão perceberam que era apenas uma “questão estética” da moda, na política não há saída sem o coletivo “partidário”, divididas as minorias o terreno fértil para para a coesão política da direita e a explosão destruindo direitos seculares até então garantidos na sociedade moderna. Convencidos da “falsa meritocracia” individual, da auto realização, da individualidade, da negação do coletivo como parte do próprio bem estar. Politica não é somente uma questão de estética revolucionária, é uma questão de solidariedade humanitária que deve encontrar sua base no coletivo. O objetivo dás mídias em destruir as bases de uma democracia em desenvolvimento está sendo alcançada. Aqui no Brasil a principal força coletiva que resiste, está sendo destroçada por gente que faz proselitismo tomando um cafézinho com ciro gomes.


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