Quase totalidade dos eleitores de Ciro migraram para Haddad, aponta estudo.
Transferência de votos
Por Rodrigo Rodrigues-Silveira, no Facebook
3 de novembro às 08:56 ·
Um tema sempre presente em eleições de dois turnos é como ocorre a transferência de votos após o fim do primeiro turno entre candidatos derrotados e vencedores. Estes últimos procuram receber o apoio formal dos primeiros, que negociam o seu apoio em troca de cargos num eventual futuro governo. Essa perspectiva, concentrada na racionalidade das elites políticas, assume que o candidato derrotado seja capaz de influenciar o voto de seus eleitores por meio de sua indicação política.
No entanto, uma explicação alternativa, baseada na perspectiva do eleitor, pensa o voto como um processo de hierarquização de preferências. Cada indivíduo possuiria não uma, mas uma série ordenada de opções políticas “preferidas”, que podem incluir votar nulo ou simplesmente não comparecer. Com a eliminação dos primeiros da lista, as opções seguintes entrariam em cena, explicando o resultado eleitoral.
Ainda que os candidatos possam exercer certa influência, é muito plausível que a segunda opção seja a mais próxima aos mecanismos que explicariam a transferência de votos entre os dois turnos de uma eleição. Algumas evidências empíricas sustentam essa afirmação. A primeira delas provém das pesquisas de opinião que explicitamente perguntam aos eleitores, uma vez terminado o primeiro turno, o voto e a opção escolhida para o segundo turno. Os resultados, como os publicados pelo DataFolha, por exemplo, revelam que, ainda que haja um roteiro “típico” (votos do Ciro em Haddad), a transferência não é completa.
Uma segunda alternativa, que é a que utilizamos aqui. Consiste em analisar os dados agregados dos resultados eleitorais dos dois turnos para estimar a intensidade da transferência dos votos no período. Por meio de um método de inferência ecológica, desenvolvido por Andreadis e Chadjpipadelis (2009), geramos a matriz de taxas de transição de eleitores (voter transition rates). A matriz de transição dos votos entre contendentes foi estimada a partir de dados agregados no nível de seção eleitoral.
Parte dos resultados podem ser observados na figura abaixo. Para facilitar a visualização decidimos agregar Marina Silva (REDE), Guilherme Boulos (PSOL) e Vera Lúcia (PSTU) na categoria “Outros (esquerda)” e os candidatos Álvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriota), Henrique Meirelles (MDB), Eymael (DC) e João Goulart Filho (PPL) como “Outros (direita)”. Mantivemos, no entanto, a abstenção e os votos nulos separados para capturar o eleitorado com forte rejeição a ambos candidatos que passaram ao segundo turno (Jair Bolsonaro e Fernando Haddad).
A transferência mais clara entre dois candidatos se realiza entre o eleitorado de Ciro Gomes (PDT) a Fernando Haddad (PT). Observa-se que o voto no candidato do PT foi a opção majoritária desse eleitorado (79,2%). Poucos optaram por votar nulo, abster-se ou votar em Jair Bolsonaro (PSL). João Amoedo (NOVO) e Geraldo Alckmin (PSDB) tiveram voto mais fragmentado, mas uma parte expressiva de seus apoiadores (53% para o primeiro e 48,3% para o segundo) optaram pelo candidato do PSL. Algo parecido aconteceu com os votos aos demais candidatos da direita, com 43,4% de transferência ao candidato eleito. Outro elemento comum entre Alckmin e Amoedo foi a anulação do voto como segunda opção. Esse não foi o caso dos eleitores dos outros candidatos de direta, que optaram por Haddad como a segunda opção.
A retórica das eleições no segundo turno dentro do campo da esquerda foi a de uma união ou de uma frente democrática contra a ameaça que Jair Bolsonaro representaria à democracia no Brasil. No entanto, os resultados sugerem que o eleitorado desse grupo não atuou de acordo com as diretrizes das elites políticas. A principal opção foi anular o voto, com 30,4% do total. A segunda sim apoia a Haddad, com 26,9%, mas uma parcela não desprezível de 20,9% decidiu votar em Bolsonaro.
À luz desses dados, a esperança de parte da esquerda em uma possível virada de Haddad no segundo turno não passava de uma ilusão baseada no desconhecimento do perfil do eleitorado de cada candidato e, sobretudo, do grau de rejeição de todo o eleitorado não petista ao PT. Dentro da própria esquerda Haddad foi a segunda opção e seguido de perto por Bolsonaro. Este último foi capaz de capturar a maioria dos votos dos outros grupos políticos e isolar o PT ao redor do eleitorado de Ciro Gomes.