O lado meio chato da sede de poder insana que corrói as mentes da direita brasileira é que ela, a sede de poder, faz com que o pessoal cometa atrocidades contra a democracia, como derrubar um governo eleito (sem crime de responsabilidade) e prender o candidato favorito às eleições (sem provas).
O lado bom – sim, ele existe – é que essa absoluta falta de limites acaba deixando tudo muito, mas muito escancarado.
Sérgio Moro já tinha garantido seu lugar – nada aprazível – na História.
Alçado a herói pela grande mídia e protegido pelas cortes do Judiciário, Moro ganhou superpoderes. Simplesmente passou por cima das leis e da Constituição para atingir politicamente o PT e, assim, permitir o golpe e a prisão de Lula.
Vazar uma conversa grampeada da presidenta da República, determinar a condução coercitiva de Lula – depois de avisar as TVs para que a cobertura do show pudesse ser feita, é claro -, vazar delações para a grande mídia sempre no melhor timing político para a direita, condenar o líder nas pesquisas com uma sentença juridicamente grotesca. A enorme lista de absurdos cometidos por Moro atesta que se trata de um juiz que se esconde atrás da toga para fazer política.
Aceitar o convite para integrar o ministério de Bolsonaro é o gran finale dessa trama macabra. Bolsonaro foi eleito na esteira do antipetismo alucinado – gerado, em grande parte, pela atuação de Moro – e teve seu caminho até a presidência enormemente facilitado graças à prisão, ordenada pelo futuro ministro, de seu grande antagonista, que liderava as pesquisas isoladamente até ter sua candidatura impedida pelo Judiciário.
Vou repetir, porque é surreal demais: Moro mandou prender o líder das pesquisas – sem provas! – e, logo após o adversário de Lula ganhar a eleição, aceitou o convite para o ministério. Não imagino um jeito de deixar mais escancarado que a Lava Jato foi uma vergonhosa operação política para colocar a direita no poder.
Mais dois fatos a demonstrar que, como diz a personagem Grace em Avatar, do James Cameron, “Eles mijam em nós sem nem ao menos terem a cortesia de dizer que é chuva”:
- Mourão, vice de Bolsonaro, disse que o contato com Moro foi feito ainda durante a campanha. Moro liberou o conteúdo da delação de Palocci faltando poucos dias para o primeiro turno.
- Moro disse, em 2016, que “jamais entraria para a política”. Agora, além de aceitar ser ministro de um governo de extrema direita, já é cogitado para a sucessão de Bolsonaro pelo núcleo duro da equipe do presidente eleito, segundo Mônica Bergamo.
Bolsonaro e Moro se merecem. Cada um a seu modo, ambos apresentam um forte desapreço pela lei e pelas liberdades.
Se fosse um pouco mais esperto e menos fascinado pelo poder, Moro não aceitaria o convite. É a cereja do bolo, o complemento que não deixa qualquer margem para dúvida de que sua atuação foi, desde o início da Lava Jato, vergonhosamente política.
Sob essa ótica, o quase ex-juiz merece nossa gratidão. Sua trajetória é um exemplo trágico e didático dos perigos de um Judiciário sem controle e antidemocrático. Fatalmente servirá, no futuro, para que se coloquem freios democráticos na casta dos juízes.
Muito obrigado, ministro Moro!