Ciro: Bolsonaro foi eleito pelo PT

Nessa entrevista, Ciro Gomes se defende de que tenha “lavado as mãos” no segundo turno.

(…) em uma eleição que tem só dois candidatos, na noite do primeiro turno, disse à imprensa: “Ele não”. O que ele quer mais agora?

E parte para a ofensiva contra o que ele chama de “petismo ululante” ou “fanático”, que pensa em chamar 60% dos brasileiros que votaram em Bolsonaro de “fascistas”.

Por fim, assevera que permanecerá firme na luta:

“Minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.”

Leia e comente!

Ciro: Lula me traiu miseravelmente

O PT elegeu Bolsonaro

publicado 31/10/2018

Por Gustavo Uribe, de Fortaleza, na Folha:

Fomos miseravelmente traídos por Lula, não farei mais campanha para o PT, diz Ciro

Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em entrevista à Folha, que foi “miseravelmente traído” pelo ex-presidente Lula e seus “asseclas”.

Em seu apartamento, onde concedeu nesta terça-feira (30) sua primeira entrevista desde a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro nega ter lavado as mãos ao ter viajado para a Europa depois do primeiro turno. “A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto”.

“Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT”, disse.

O pedetista critica a atuação do PT para impedir o apoio do PSB à sua candidatura e diz que considerou um insulto convite de Lula para assumir o papel de seu vice no lugar Fernando Haddad (PT).

Folha: No primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública?
Ciro: Eu disse isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.

Folha: E não tomou uma decisão se será candidato em 2022?
Ciro: Não. Quem conhece o Brasil sabe que você afirmar uma candidatura a 2022 é um mero exercício de especulação, porque a adrenalina não pacificou. Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar.

Folha: O senhor disse que deixaria a vida pública porque a razão de estar na política é confiar no povo brasileiro. Deixou de confiar?
Ciro: Não, procurei entender o que aconteceu. Esse distanciamento me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação impensada, espécie de histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores que dão razão a uma fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista. Eu não, de forma nenhuma.

Folha: Naquele momento do país, uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro viajou para Portugal, Itália e França após o 1º turno]
Ciro: Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando.

Folha: Com a sua postura de neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para o país?
Ciro: Não foi neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está neutro. Agora, o que estava dizendo, por uma razão prática, não iria com eles se fossem vitoriosos, já estaria na oposição. Mas estava flagrante que já estava perdida a eleição.

Folha: Por não ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos eleitores de esquerda?
Ciro: A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de que com o PT eu não iria.

Folha: Não se aliará mais ao PT?
Ciro: Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT. Evidente, você acha que eu votei em quem?

Folha: No Haddad?
Ciro: Vou continuar calado, mas você acha que votei em quem com a minha história? Eles podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de condescendências.

Folha: Quem são os bajuladores?
Ciro: É tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que ele fez? Que não pode fraudar a opinião pública do país, mentindo que era candidato?

Folha: Por que o senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula?
Ciro: Porque isso é uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.

Folha: Por que não declarou voto em Haddad?
Ciro: Aquilo era trivial. O meu irmão foi a um ato de apoio a Haddad, depois de tudo o que viu acontecendo de mesquinho, pusilânime e inescrupuloso. É muito engraçado o petismo ululante. É igual o bolsominion, rigorosamente a mesma coisa. O Cid está lá tentando elaborar uma fórmula de subverter o quadro e é vaiado. Estou devendo o que ao PT?

Folha: Não declarou voto no Haddad por causa do Lula?
Ciro: Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT. Agora, em uma eleição que tem só dois candidatos, na noite do primeiro turno, disse à imprensa: “Ele não”. O que ele quer mais agora?

Folha: Cid Gomes cobrou uma autocrítica dos petistas. E quais foram os erros cometidos pelos pedetistas?
Ciro: Devemos ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana.

Folha: Isso por Lula?
Ciro: Pelo ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do PSB neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi feito isso? De qual espírito público, razão nacional, interesse popular? Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro.

Todas as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso. O Haddad é uma boa pessoa, mas ele, jamais, se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, deveria ter aceito esse papelão. Toda segunda ir lá [visitar Lula], rapaz. Quem acha que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto dele. E eles empurram para a direita, que é o querem fazer comigo.

Folha: A postura do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda?
Ciro: Não quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista sul-americano.

Folha: A liberdade de imprensa está ameaçada?
Ciro: É muito epidérmica a nossa sensibilidade. Não acho que tem havido nenhuma ameaça à liberdade de imprensa até aqui. Por isso que digo que uma das centralidades do mundo político brasileiro deveria ser um entendimento amplo o suficiente para cumprir a guarda da institucionalidade democrática. E um dos elementos centrais disso é a liberdade de imprensa. A imprensa brasileira nepotista e plutocrata como é parte responsável também por essa tragédia.

Folha: A imprensa ajudou a eleger Bolsonaro?
Ciro: A arrogância do [William] Bonner achando que podia tutelar a nação brasileira, falar pela nação brasileira. A Folha que repercute uma calúnia contra uma cidade inteira que é reconhecida mundialmente como um elemento de referência de educação para me alcançar [Ele se refere a reportagem sobre relatos de estudantes de fraudes em avaliações nas escolas de Sobral, no Ceará].

Folha: E os ataques feitos pelo Bolsonaro à Folha? É uma ameaça?
Ciro: Não considero, não. A Folha tem capacidade de reagir a isso e precisa ter também um pouco de humildade, de respeitar a crítica dos outros.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.