Não quero que ela [a imprensa] acabe, mas no que depender de mim, na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal.
A frase acima é de Jair Bolsonaro e foi dita ontem (29), durante entrevista ao Jornal Nacional. Logo antes, Bolsonaro havia criticado a Folha pela reportagem sobre a funcionária fantasma do seu gabinete.
A fina ironia da História novamente dá as caras.
A imprensa passou todo o período dos governos do PT acusando o partido de ter inclinações autoritárias. Bolsonaro nem bem foi eleito e já serve um indigesto aperitivo do que é autoritarismo de verdade.
A Veja insiste em igualar o que é incomparável. Na capa da edição que está nas bancas consta o seguinte: “Com a provável eleição de Bolsonaro, as instituições – que resistiram às tentações autoritárias da esquerda petista – terão agora de vencer as tentações autoritárias da direita radical”.
Que “tentações autoritárias” do PT seriam essas? A proposta de regulação da mídia, quem sabe?
Bom, o oligopólio que controla a mídia no Brasil o faz contra a Constituição. É absolutamente nocivo à democracia que um punhado de famílias milionárias e politicamente de direita pautem o debate público nacional. É necessário, para que haja oxigênio em nossa democracia, que exista diversidade política na TV, no rádio e na internet, aos moldes de nações desenvolvidas como EUA e países europeus.
Entretanto, o PT não chegou nem perto de colocar isso em prática. Nem mesmo teve habilidade para fazer do tema uma discussão pública. Ou tratou de forma burocrática ou simplesmente deixou de lado a proposta, acuado com as reações furibundas da grande mídia a qualquer menção ao tema.
Bolsonaro, por sua vez, promete que veículos que “mentem” não terão “apoio” do governo federal.
Ou seja, esqueçam critérios minimamente técnicos para distribuição da verba de publicidade federal: se o presidente concluir que o veículo é “mentiroso”, certamente aconselhado por uma junta de milicos com larga experiência em definir o que é a verdade e o que não é, bye bye.
O PT é um partido extremamente moderado – perdoem o aparente paradoxo.
Bolsonaro é um projeto de ditador. Como bem escreveu o professor Wilson Gomes, “Quem sempre foi estilingue, não tem a menor ideia do que é ser vidraça”.
A mídia familiar insiste, há tempos, na esdrúxula atribuição de características ditatoriais ao Partido dos Trabalhadores. Na eleição, tentou caracterizar ambos, Bolsonaro e PT, como extremistas. Deu no que deu.
Agora, terão motivos reais para falar em tentações autoritárias do governo. Substituindo, se quiserem ser precisos, tentações por práticas.