Paulo Henrique Borges da Rocha: uma conversa com irmãos umbandistas

UMA CONVERSA COM OS IRMÃOS UMBANDISTAS
As eleições como provação para o crescimento espiritual

Por Paulo Henrique Borges da Rocha

Irmãos, sabemos que a Umbanda tem elementos de várias religiões, mas mesmo assim ela é uma religião independente, que tem seus próprios dogmas e rituais. É uma religião diversa, onde nada, ninguém é excluído; ao contrário, todos que tiverem algo a acrescentar são bem-vindos.

Mas não quero conversar hoje sobre a espiritualidade de nossa religião. Hoje quero conversar sobre a história e os riscos que corremos por sermos umbandistas.

SIM! Corremos risco só pelo fato de sermos umbandistas e seguirmos nossa fé.

Nossa história é uma história de perseguição. Desde 1908, ano em que nossa religião foi revelada pelas entidades para nós (seres encarnados), somos perseguidos.

Em 1908 o Estado Brasileiro não era um estado realmente laico, mesmo com o Decreto 119-A de 1890 decretando a separação entre o Estado e a Igreja. A igreja Católica era muito influente no Estado e na sociedade. Utilizando essa influência, ela perseguia as demais denominações religiosas. A Umbanda foi considerada como sendo magia negra, que era crime à época. Assim seus integrantes poderiam ser presos e até mortos.

Quando não temos um Estado laico, temos o risco de sofrer com esse tipo de perseguição.

A Umbanda já nasceu sendo excluída; nasceu com a população mais humilde, ao lado das pessoas mais necessitadas, surgiu do amor e da caridade.

Mas atualmente vivemos em um país laico(?). Sabemos que o Brasil é um país violento e intolerante. Continuamos sofrendo com a perseguição das pessoas intolerantes e dos fundamentalistas religiosos que pregam uma guerra santa. Isso é de fácil constatação, pois vemos quantos terreiros são queimados e quantos irmãos são agredidos verbal e/ou fisicamente. Eu mesmo, por várias vezes, fui agredido verbalmente. Graças a Olórun não fui agredido fisicamente nem meu terreiro foi invadido (mas tenho esse receio diariamente).

A nossa luta por reconhecimento e respeito é diária. Um exemplo é que só em 2016 o Governo Federal editou uma norma que incluía os terreiros de Umbanda como sendo um templo religioso e, sendo assim, teria direito à isenção fiscal do IPTU. Antes disso, cabia às prefeituras dizer se concederiam isenção ou não. Cabe lembrar que esse direito é garantido pela Constituição Federal de 1988 a todos os templos religiosos.

Estamos em risco.

A possibilidade de vermos a perseguição a nós umbandistas aumentar exponencialmente já bate à porta, e isso pode ocorrer a depender do desfecho das eleições presidenciais.

Nossa religião foi perseguida pelo Estado e pela sociedade durante todo o período em que o Estado se confundia com a Igreja Católica, e nossa religião, de certa forma, ainda é perseguida.

Mas agora a ameaça é outra, ainda que o problema seja o mesmo.

Quando o candidato à presidência, Jair Bolsonaro, diz: “Como somos um país cristão; Deus acima de tudo! Não tem essa historinha de estado laico não, é estado cristão! E a minoria que for contra que se mude! Vamos fazer o Brasil para as maiorias e as minorias têm que se curvar as maiorias! As leis devem existir para defender as maiorias, as minorias se adequam, ou simplesmente desapareçam!”. Ele demonstra que deseja voltar à época de perseguição. E mais que isso, revela sua intenção, a partir do Estado e de seus seguidores, de exterminar todas as pessoas que seguem alguma religião não cristã. Ou seja, ele literalmente ameaça a vida de todos os irmãos umbandistas. Pois, ou nós nos mudamos de país, ou mudamos de religião ou devemos desaparecer.

Estamos em risco, risco de morte.

Não minimizarei a fala do candidato, pois quando Hitler ascendeu ao poder na Alemanha os judeus acreditaram que as instituições democráticas o impediria de persegui-los. Como sabemos, as instituições foram utilizadas para perseguir os judeus. Não estou comparando Bolsonaro a Hitler, até porque cada um deles é homem do seu tempo. Não acho correta nem honesta tal comparação. Só trouxe um fato histórico para corroborar com minha preocupação. Eu poderia trazer outros, como por exemplo a história do Reino do Congo após a conversão de Nkuwu Nzinga ou Rei João I ao cristianismo.

Mas se o irmão ainda assim quer arriscar e prefere acreditar nas instituições, tenho outros motivos para não votarmos em uma pessoa como ele.

Ele é o oposto de tudo que pregamos em nossa vivência religiosa. Uma pessoa que deseja excluir, caçar, subjugar, violentar, inferiorizar, etc. os negros, as mulheres, os LGBTs, indígenas e qualquer pessoa ou grupo de pessoas que ele julga como sendo impróprio para viver na sociedade. Ele age com ódio. Nós, irmãos, agimos com amor. Estamos aqui para ajudar as pessoas independente de quem ou o que elas sejam. Nós não estamos encarnados para julgar o irmão, pois ele tem a própria batalha para se elevar espiritualmente.

Nossa religião nasceu com/dos excluídos; na verdade somos uma das minorias excluídas até hoje em nossa sociedade.
Devemos sempre lembrar que vários de nossos guias sofreram com a exclusão enquanto estavam encarnados.
Devemos ser fiéis a nossa fé. Esse é um momento de provação, onde podemos crescer espiritualmente. Não destile ódio, multiplique amor.

Quando Bolsonaro fala que defende a família brasileira (lembrando que para ele nós somos inimigos desta família), mas ao mesmo tempo discrimina a maior parte da população, ele demonstra que a família para ele são os iguais. Mas aprendemos com nossa religião que todos somos irmãos. Então devemos defender a família brasileira! Defender a família brasileira de quem quer exterminar parte dela, de quem que semear o ódio entre irmãos.
Sabíamos que este seria um ano de provações, seria um ano difícil, porque teríamos de lidar com nossos erros do passado. Esse ano é ano de Xangô. Ele com seu machado é sempre justo. Este ano é um ano perfeito para promovermos a nossa evolução espiritual e mostrar que em nós cabe amor e não ódio.

No dia 28/10 devemos votar contra a pessoa que deseja nos perseguir, nos matar, dividir a família brasileira, colocar irmão contra irmão, semear o ódio e a violência. Devemos votar em Haddad, não necessariamente por gostar dele, menos ainda por gostar do partido dele, mas para que possamos sobreviver. Devemos eleger Haddad para que possamos professar nossa fé, para que não tenhamos medo só por existirmos, para que possamos continuar a ajudar as pessoas. Devemos votar em prol de que nenhum irmão seja perseguido ou violentado. Precisamos, contudo, estar cientes de que, mesmo com a vitória de Haddad, nós continuaremos lutando por igualdade. Haddad é a única possibilidade de nos posicionarmos contra o nosso extermínio.

Que todos tenham muito axé na vida!

Discurso do Bolsonaro citado no texto vide:

Paulo Henrique Borges da Rocha:
O autor tem mais de dez anos na religião Umbanda; Formado no curso de Teologia Umbanda pelo Templo Escola Ogum Sete Espadas; Doutorando em Direito Internacional pela PUC/MG; Mestre em Direito Constitucional pela FDSM; Pesquisador jurídico; Professor Universitário e advogado.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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