Contra Bolsonaro e o fascismo só há um antídoto

Por Bajonas Teixeira,

 

Argumentar com um fascista é a maior tolice que se possa cometer. Lutar contra ele, é o único gesto de lucidez possível. É justamente o ódio aos argumentos, e a todas às instituições baseadas em argumentos, em razões, que caracteriza o fascismo. A imprensa, o parlamento, a justiça que se honra, os tribunais do júri, as universidades são para ele instituições detestáveis.  Quando ele diz, por exemplo, que bandido bom é bandido morto,  está dizendo que não quer julgamentos, que procedem por argumentações, mas sim execuções extrajudiciais, puros atos de vingança. A vingança do “homem de bem” contra os bandidos.

 

Assustador é que, como temos visto nos últimos dias, todos os que são adversários dessa insanidade são classificados insistentemente como bandidos, canalhas e vagabundos. São vermelhos e comunistas. Todos estão, portanto, ameaçados com a mesma vingança: bandido bom é bandido morto.

 

A cada momento surgem novos episódios dosados para ampliar o clima de tensão e pesadelo, como essa ‘coincidência orquestrada’ que acaba de levar à invasão de 30 universidades no país. Ao que parece, os TREs trabalharam para criar um fato político e criminal: se na semana anterior veio à luz o escândalo dos disparos ilegais da campanha de Bolsonaro no WhatsApp, agora seria a vez de mostrar que os opositores agiam também ilegalmente e, pior, por trás dos muros das universidades.

 

E esse é o grande perigo que temos adiante. Jair Bolsonaro, contando com total cumplicidade do judiciário não é de hoje (a não ser quando ele, e seus filhos, ou aliados, atacam diretamente a cúpula da instituição), acena com uma grande vingança social. Essa vingança já está em curso, porque no Brasil, quando se toca música em cima, os debaixo dançam. Ou como dizia um ditado que ouvi do meu avô sobre o Brasil oligárquico, “Quando o fazendeiro pigarreia, o jagunço cospe fogo”. O que acontecerá aos sem-terras, por exemplo, se um candidato que diz que classificará o MST como terrorista, que armará os fazendeiros com fuzis da TAURUS, chegar à presidência?

 

O que acontecerá com os gays e as lésbicas no Brasil, que já é o país que mais mata homossexuais no mundo, se esse mesmo indivíduo diz que prefere um filho morto em um acidente a um filho gay?

 

E quem contará a história de todas essas atrocidades anunciadas, já engatilhadas para acontecer, se esse mesmo candidato já começou a amordaçar a imprensa com  chantagens a mais diversas?

E o que acontecerá às mulheres que, nesse país monstruosamente misógino, tiveram a coragem de se constituir, através do movimento #EleNão, como o primeiro grupo social organizado de luta e de enfrentamento ao fascismo?

O que ocorrerá nas universidades, principalmente nos cursos de humanas e adjacências, quando qualquer minima moralia do pensamento, qualquer vínculo ético com a verdade e qualquer percepção crítica (na ciência e na arte) forem classificadas como ideologia comunista?

 

A noite de São Bartolomeu do pensamento crítico já está afiando as suas facas. E um aperitivo grotesco foi servido nesta quinta-feira (25) com a invasão policial das universidade no país inteiro por ordem do TRE.

 

Quantos docentes serão perseguidos, violentados e expulsos quando a universidade for “enquadrada”? Quantos asseclas do mito já não estão aguardando as primeiras demissões para ingressarem pela porta dos fundos na carreira docente?

 

Não é preciso mais que olhar em volta para ver o grau de tensão e de medo, exasperados até o limite, que Bolsonaro introduziu no país com a injeções indústrias de ódio nas redes sociais. Ódio que já faz tempo transbordou das redes para as ruas.  Esse ódio não é apenas político, não visa apenas alguns partidos supostamente de esquerda. Esse ódio é também social, pretendendo transformar em terra arrasada os movimentos sociais que caracterizam a história moderna e contemporânea. É o caso do ódio aos Sem-Terras (que se promete classificar como terroristas), e que nada mais é que um movimento típico da moderna sociedade burguesa, que pretende que muitos tenham acesso à propriedade do solo ao invés de somente um punhado.

 

Isso nada tem de comunismo. O repúdio  ao monopólio da terra por meia dúzia de grandes senhores é bandeira de David Ricardo, economista burguês, apologista da sociedade capitalista e da propriedade privada.

 

Todos os movimentos sociais, que desde Alain Touraine são tidos como inseparáveis da reconstrução contemporânea dos valores sociais (movimentos de mulheres, de negros, de índios, de moradia, de gays e lésbicas, etc.) são demonizados e prometidos como lenha de fogueiras e limpezas radicais.

 

Mas também tudo que diz respeito à cultura, ao modo do ódio nazista à cultura – “Quando ouço a palavra cultura saco o meu Tauros” – é objeto de perseguição: o artista mais importante da música popular brasileira, é acusado de pedofilia (Caetano Veloso); a classe dos artistas é permanentemente hostilizada como sendo de parasita da Lei Rouanet; diversas manifestações culturais são estigmatizadas como coisa de bandido. O que será do funk a partir do dia 1o de janeiro de 2019?

 

E os negros, o que podem esperar desde agora? Ontem uma matéria do G1 relatava o caso de uma mulher negra de 70 anos hostilizada em um ônibus. A agressora exigiu em tom categórico, dizendo que não gostava de negro nem de velho, que senhora negra se levantasse para ela sentar. Vamos multiplicar isso por milhares de vezes ao dia, e teremos uma imagem próxima do que deve ser esperado. A vítima nesse episódio disse com muita dignidade à reportagem: “Estou procurando os meus direitos. Eu não peço, estou exigindo, porque eu sou um ser humano. Não só eu, como todos os negros”.

 

Muito bem dito. Mas ocorre que, com a plena cumplicidade do judiciário como se viu na absolvição de Bolsonaro no episódio do quilombo, estamos às vésperas da erradicação de todo e qualquer direito humano no Brasil: “Direitos humanos para humanos direitos”.

 

E quem são os humanos direitos? São aqueles que estão ao lado do candidato, os demais são maniqueísticamente alocados como inimigos, como comunistas, como vermelhos. Os negros, de modo geral, serão todos vermelhos.

 

O conjunto desses absurdos se torna possível porque a emergência do programa de Bolsonaro subverte as estruturas do estado de direito, a começar por suas instituições fundamentais. O parlamento, como se viu, acordou do primeiro turno com uma cara inteiramente nova.

 

Rejeitar a complexidade do mundo moderno, os conflitos de interesse de classes, os movimentos sociais e a experimentação cultural, são atitudes arquetípicas do fascismo. Em Bolsonaro e seus prosélitos isso vai muito além de um ódio platônico. Em primeiro lugar são muitas frentes de ódio diante das quais se coloca uma solução (final) da mais obtusa simplicidade: a transformação de cada cidadão em um policial armado. O estado deixa de ser o único operador legítimo da violência. A defesa da propriedade é eleita como o imperativo fundamental e se entrega a cada indivíduo uma arma simbolizado um micro monopólio da violência.

 

Mas se cada um detém um monopólio da violência, não há monopólio nenhum, mas sim a guerra de todos contra todos. A fuzilaria geral será a norma cotidiana da sociabilidade brasileira.

 

Cada indivíduo, cada família, cada grupo (por exemplo, os fazendeiros do agronegócio) serão convidados a se retirarem, no que respeita aos seus interesses de segurança, do pacto com o estado e a agirem por conta própria. O que significa que, se isso se aceita, como vem efetivamente ocorrendo até aqui, se o estado concede sua cumplicidade, o próprio estado renúncia a sua transcendência para se erigir em apenas mais uma corporação de interesses ao lado de outras.

 

E os resultados radicalizarão em muito o que estamos assistindo com um STF e um TSE inteiramente despidos de qualquer transcendência institucional. Quando o filho de Bolsonaro ataca o STF e o capitão do Youtube ofende o TSE (vagabundos, canalhas, bandidos, etc.) e os ameaçam, deixam implícito que apenas tiram as consequências da politização desenfreada dessa instituição. Mas onde está essa politização? Precisamente na cumplicidade acobertadora das fanfarronadas e atrozes promessas dessa direita, sempre e quando sirvam (e sempre tem servido) para combater e desafiar uma parte do corpo político da democracia brasileira, o PT.

 

Se o STF se prestou ao golpe de maneira tão generosa, se foi tão parcial ao desferir negativas contra Lula e tão proativo em desemaranhar os  laços que prendiam Aécio ao código penal, então, pensam a ultradireita brasileira, tudo é possível. Os poderes são apenas simulacros que escondem interesses de outra ordem.

 

E há outros interesses na fila. Se o STF segue obediente o passo à passo do impeachment e, logo em seguida, pede aumento salarial, que instituição é essa? Se essa mesma instituição, contra todas as evidências concede graciosamente a Sérgio Moro a prisão de Lula, e logo depois volta a bater na tecla do aumento, que dignidade resta a esse poder?

 

As invasões coincidentes de trinta universidades durante a semana, numa parceria dos TREs e da PM, em claro desprezo pela legalidade, visando o efeito sobre a opinião pública num momento decisivo da história do país, levou a uma reação em cadeia mostrando os limites dessas maquinações. Parece que aqui o feitiço começou a virar contra os feiticeiros. Despertaram uma capacidade de luta que estava  adormecida desde os anos 80.

 

O fascismo, cuja ação é a de degradar todas as instituições sociais que depara  em seu caminho, encontra um antídoto justamente na sociedade organizada e mobilizada, na ocupação das ruas, na multiplicação das denúncias e dos debates. É a razão social organizada em luta contra a insanidade das violações fascistas.

 

Bajonas Teixeira:
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