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Helder Ferreira do Vale: Bolsonaro, o novo antigo

BOLSONARO: QUANDO O NOVO É MUITO ANTIGO Helder Ferreira do Vale* A “onda Bolsonaro” não para de crescer. Desde sua vitória no primeiro turno, as pesquisas indicam que Bolsonaro angaria cada dia mais apoio. Também o seu índice de rejeição entre o eleitorado vem diminuindo. Ainda assim, existe uma parte importante dos brasileiros que não […]

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BOLSONARO: QUANDO O NOVO É MUITO ANTIGO

Helder Ferreira do Vale*

A “onda Bolsonaro” não para de crescer. Desde sua vitória no primeiro turno, as pesquisas indicam que Bolsonaro angaria cada dia mais apoio. Também o seu índice de rejeição entre o eleitorado vem diminuindo.

Ainda assim, existe uma parte importante dos brasileiros que não consegue desassociar Bolsonaro do autoritarismo, militarismo e conservadorismo. Não é para menos, até mesmo líderes da extrema direita na Europa veem com assombro algumas ideias proferidas por Bolsonaro.

Mas por que parte do eleitor brasileiro não aparenta ter medo do discurso maniqueísta e violento de Bolsonaro? A resposta cada vez mais ouvida é que o antipetismo é forte. Porém segundo uma recente pesquisa do Datafolha, apenas 25% dos votantes do candidato do PSL dizem votar em Bolsonaro por aversão ao PT.

A mesma pesquisa sugere que uma grande parte dos votantes de Bolsonaro, aproximadamente 30%, diz preferir o candidato pela possibilidade de mudança, alternância e renovação que ele representa. Outra parte dos votantes que se inclina por Bolsonaro justifica sua preferência pela imagem e valores pessoais dele (11%), assim como pelas suas propostas de governo (13%).

O que se pode concluir com estes números é que o antipetismo nas filas bolsonaristas não é tão grande como se podia imaginar e que parte dos seus votantes parece apoiar indiretamente as manifestas ideias de intolerância do candidato.

A intolerância de Bolsonaro origina-se em seus preconceitos aos vulneráveis que em princípio reduzem mais da metade dos brasileiros a uma condição de inferioridade. Este amoralismo tem outro nome, chama-se “privilégio branco”.

O “privilégio branco” é uma visão de mundo que garante a superioridade de um grupo sobre os demais. Funciona como um código de normas e regras não escrito que determina a forma como o privilegiado deve ser tratado pelos marginalizados.

Em um país que nunca institucionalizou raça mas difunde o racismo por mecanismos sociais velados, o “privilégio branco” funciona como filtro informal para distribuir os privilégios. Como este filtro é arbitrário, ele estende a exclusão a outros grupos sociais não necessariamente associados à raça: mulheres, homossexuais e pobres.

Por isso, para Bolsonaro, a garantia de direitos às mulheres e aos homossexuais, negros e pobres é considerada privilégio. Basicamente a garantia de direitos iguais e universais, o alicerce da democracia representativa, representa uma ameaça ao “privilégio branco”.

Mas Bolsonaro veio para inovar, e uma de suas inovações é transformar o preconceito na expressão da verdade, buscando a sua aceitabilidade. Hoje no Brasil o preconceito parece ser amplamente autorizado. Nessa normalização do preconceito a garantia de direitos fundamentais é visto como ameaça.

Este ano o Brasil celebra 30 anos da sua constituição democrática e 130 anos da abolição da escravidão. Mas a memória histórica do país parece ter pouca força ante o elogio e o respaldo à violência contra as minorias sociais, instituições e práticas democráticas. Sem dúvida, as instituições políticas brasileiras passam por um momento crítico.

A crise de representatividade democrática ficou visível com o rechaço dos brasileiros à “velha política”, revelada pela expressiva diminuição de deputados e senadores de partidos tradicionais no Congresso como resultado do primeiro turno. Ironicamente, Bolsonaro não representa o novo, aliás ele se fez politicamente nas entranhas da “velha política”. Mas graças à sua incompetência, ele viveu à margem da política nos seus quase 30 anos de carreira parlamentária, o que o consagrou como um político irrelevante no Congresso.

Bolsonaro vem à tona em um período de crise. Esta crise representa bem o que o filósofo italiano Antônio Gramsci, encarcerado em 1926 pelo regime fascista na Itália, definiu como uma crise de transição, que “consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer.” Gramsci identifica esse período como “interregno” quando “surge uma grande variedade de sintomas mórbidos”. Bolsonaro é o sintoma mórbido da crise.

Mesmo com propostas e ideias anacrônicas, nesse “interregno” Bolsonaro se torna atual e relevante. Estas eleições servem não só para eleger um presidente, mas também para trazer à tona o que estava submerso no Brasil há muito tempo.

Até o momento não está claro se as instituições democráticas serão suficientemente fortes para fazer cumprir as leis vigentes e manter a ordem constitucional. Caso não consigam, o Brasil estará condenado a um retrocesso histórico.

O Brasil surfando na “onda Bolsonaro” possivelmente acabará, na melhor das hipóteses, nas terras da democracia iliberal. Este lugar é uma ilha não só porque isolará o Brasil em um mar de incertezas, mas porque também condenará milhões à exclusão.

* Professor da Escola de Pós-graduação em Estudos Internacionais da Universidade de Hankuk (Seul, Coreia do Sul).

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Paulo

23/10/2018 - 15h10

Eu tenho mais receio da eventual incompetência de um Governo Bolsonaro do que de sua assertividade…a democracia é forte e resistirá, mas a esquerda precisa de comedimento, nos próximos 4 anos, especialmente os movimentos radicais, como o MST!

    Helder

    24/10/2018 - 02h05

    Paulo,

    Você tem muita razão. Eu concordo com você nos dois pontos: incompetência do candidato do PSL e o tipo de oposição de esquerda que deveria surgir.

    O perigo não apenas está no crescente apoio popular à escala de valores do candidato Bolosonaro, mas também pela sua incompetência…

    Sobre a oposição de esquerda a um eventual governo Bolsonaro também acho que você tem muita razão: a esquerda tem que se centrar em fazer uma forte oposição utilizando as instituições e não as ruas.


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