Da página Meu Professor de História
Autor: Ruben Klaus
Acabei de ver o discurso de hoje do Bolsonaro. Inegavelmente um discurso neofascista. Uma análise rápida de alguns pontos:
“Nós somos a maioria. Nós somos o Brasil de verdade.”
Exclusão das minorias como o “falso” do Brasil.
“Perderam ontem, perderam em 2016 e vão perder semana que vem de novo”.
Continuidade entre o golpe (“impeachment”) e a sua provável eleição. Está correto.
“Só que a faxina agora será muito mais ampla. Essa turma se quiser ficar aqui vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria.”
Desumanização do adversário político, identificando-o com “sujeira”. Promessa de banimento caso não se coloque “sob a lei”. O que é a “lei” é esclarecido mais tarde.
“Ninguém vai sair dessa pátria, porque essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha e tem a cabeça lavada.”
Lembrando que as minorias estão excluídas da “nossa pátria”, a esquerda política é igualada ao crime (“gangue”). A contradição entre “ninguém vai sair dessa pátria” com o “serão banidos da nossa pátria” é resolvida com criminalização/exclusão/desumanização dos banidos – eles não são ninguém.
“Sem indicações políticas faremos um time de ministros que realmente atenderá as necessidades do nosso povo.”
Promessa claramente absurda, já que toda indicação é política. Na melhor das hipóteses, indica política tecnocrática. Pode indicar tendência autocrática, anti-política.
“O Brasil será respeitado lá fora. O Brasil não será mais motivo de chacota junto ao mundo.”
O Brasil está sendo motivo de espanto no mundo todo por causa desse candidato. Complexo de inferioridade.
“Seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia! Brevemente você terá Lindberg Farias para jogar dominó no xadrez. Aguarde, o Haddad vai chegar aí também. Mas não será para visitá-lo, não. Será para ficar alguns anos ao seu lado. Já que vocês se amam tanto, vocês vão apodrecer na cadeia. Porque lugar de bandido que rouba o povo é atrás das grades.”
Aqui Bolsonaro se arvora no papel de Judiciário, prometendo prisão perpétua a Lula e encarceramento ao seu concorrente na eleição, a futura oposição. Ameaça explícita e claríssima manifestação de autoritarismo.
“Você achava que tava tudo dominado? Não tava, não. Esse povo sempre se levantou nos momentos mais difíceis da nossa nação, para exatamente salvá-la. Vocês da Paulista, vocês que fazem manifestação em todo o Brasil, vocês estão salvando a nossa pátria. Não tenho palavras para agradecê-los nesse momento. Vocês estão salvando o meu, o seu, o nosso Brasil. Petralhada: vai tudo vocês (sic) pra ponta da praia! Vocês não terão mais vez em nossa pátria, que eu vou cortar todas as mordomias de vocês! Vocês não terão mais ONG’s para saciar a fome de mortadela de vocês. Será uma limpeza nunca visto (sic) na história do Brasil. Vagabundo vai ter que trabalhar! Vai deixar de fazer demagogia junto ao povo brasileiro. Vocês verão as instituições sendo reconhecidas. Vocês verão umas forças armadas altiva (sic) que estará colaborando com o futuro do Brasil. Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar com retaguarda jurídica pra fazer valer a lei no lombo de vocês!”
Reitera promessa de banimento de um grupo político. Conspiracionismo (“tudo dominado”), misticismo nacionalista (“salvação da pátria”). Vagabundo vai ter que trabalhar – “o trabalho liberta” [Arbeit macht frei, inscrição dos campos de concentração nazistas]. Promessa de violência política – a lei “no lombo”.
“Bandido do MST, bandido do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo! Vocês não levarão mais o terror ao campo ou à cidade. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis, ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba!”
Promessa de criminalização e encarceramento de movimentos sociais. Aqui está a “lei” referida anteriormente – quem não se adequa será banido. Referência chula ao ex-presidente.
“Conclamo a todos vocês que continuem mobilizados e participem ativamente por ocasião das eleições no próximo domingo. De forma democrática…”
Referência cínica à “democracia”, após prometer banimento de adversários políticos, exclusão de minorias, criminalização de movimentos sociais e encarceramento do opositor na eleição.
“sem mentiras, sem fake news, sem Folha de São Paulo! Nós ganharemos essa guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de São Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre: parabéns! Imprensa vendida: meus pêsames!”
Promete retaliar veículos de imprensa não-alinhados, o momento de maior ênfase do discurso. Semeia confusão ao atribuir as próprias práticas (fake news) a terceiros. “Guerra”, expressão militar, para se referir à eleição.
“Somos amantes da liberdade. Queremos a democracia e queremos viver em paz. Nós amamos as nossas famílias. Nós respeitamos as crianças. Nós respeitamos todas as religiões. Nós não queremos socialismo. Nós queremos distância de ditaduras do mundo todo. Amigos da Paulista e do Brasil: muito obrigado a todos vocês. E vamos juntos trabalhar para que no próximo domingo aquele grito que está em nossa garganta que simboliza tudo o que nós somos seja posto para fora: Brasil acima de tudo e Deus acima de todos!”
Da “liberdade” foram excluídos a esquerda, os “petralhas”, a “bandeira vermelha”, as minorias, os movimentos sociais. Assim se tem “paz” e se pode praticar as liberdades de mercado neoliberais. Brasil acima de tudo – “Deutschland uber alles” era o lema da Alemanha nazista”; Deus acima de todos – tendência teocrática.
Esse discurso resume bem a catástrofe que será a eleição desse sujeito. O discurso foi lido, logo não foi de improviso. A regressão civilizatória é, a meu ver, irreversível.
De Ruben Klaus