O Ibope soltou uma saraivada de novas pesquisas regionais, das quais eu chamaria atenção para os seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Nos três estados do sudeste citados, temos uma situação de vantagem de Bolsonaro muito pronunciada. Em votos válidos, Bolsonaro tem 63% em São Paulo, 65% no Rio de Janeiro, 62% em Minas Gerais.
No Rio Grande do Norte, Haddad lidera com 57%, mas Bolsonaro ganha no estado entre homens (54%), entre eleitores com renda familiar superior a 2 salários (53%), e na capital (58%).
O nordeste já não é um reduto lulista tão fechado: Bolsonaro tem avançado na classe média da região e nos centros urbanos.
A própria eleição para o governo do Rio Grande do Norte tem se mostrado mais acirrada do que alguns esperavam. A vitória da senadora Fátima Bezerra, que parecia favas contadas, deverá se dar, se acontecer, por margem estreita. Segundo o Ibope, o placar agora está em: Fátima 54% X 46% Carlos Eduardo, sendo que, na capital, o candidato do PDT tem 69% das intenções de voto.
Saída agora pouco do forno, a nova pesquisa BTG Pactual ampliou a vantagem de Bolsonaro: o deputado oscilou 1 ponto para cima, Haddad, um para baixo, e a situação agora está em 60% X 40%, em votos válidos. A rejeição de Haddad permanece muito alta, em 52%, contra uma rejeição de 38% de Bolsonaro.
O CNT/MDA, por sua vez, publicou agora uma pesquisa em que Bolsonaro tem 57% dos votos válidos, contra 43% de Haddad.
A diferença, de 14 pontos, é menor do que a mostrada em outras pesquisas.
A rejeição a Haddad, segundo a CNT, é de 51%, contra 43% de Bolsonaro.
Alguns comentários sobre a luta política
A esta altura, vale nos questionar sobre a eficácia dos argumentos usados na luta contra Bolsonaro. Os resultados no primeiro turno e a análise das pesquisas atuais mostram que as fórmulas não estão dando certo.
A última grande investida política contra Bolsonaro se deu por ocasião do escândalo, ainda fumegante, do “zap gate”, nascido de uma reportagem da Folha sobre compra, por empresários apoiadores do candidato, de pacotes para envio em massa de mensagens contra Fernando Haddad e o PT.
A campanha petista e toda sua área de influência, usou a reportagem para apostar na estratégia de deslegitimar o resultado das urnas no primeiro turno, além de lançar, desde já, suspeitas sobre o segundo. Em toda parte, pedidos de anulação do pleito, de cassação da candidatura Bolsonaro, além das hipérboles sobre “a maior fraude eleitoral” já vista na história da república. Haddad sugeriu a prisão de empresários, e disse que o segundo turno deveria se dar entre ele e Ciro Gomes.
Não se pode, por certo, subestimar o potencial de lesão à vontade popular trazido pelas novas tecnologias de informação, mas alguém precisa observar os fatos com a cabeça fria. Bolsonaro recebeu 49,3 milhões de votos no primeiro turno, contra 31,4 milhões de Fernando Haddad. Houve muita concentração regional desse eleitorado. Por exemplo, no Rio de Janeiro, Bolsonaro recebeu 60% dos votos.
Como alguém, com juízo no lugar, pode pedir que o candidato que recebeu 49 milhões de votos seja posto de lado?
As urnas evidenciaram que Bolsonaro tem de ser tratado pelo que é: um fenômeno popular. Ele tem voto, tem eleitor, tem apoiadores. Se você entrar nas redes sociais bolsonaristas, verá que eles acompanham, com apreensão, embora às vezes travestida de sarcasmo, todas as acusações ou denúncias que podem ameaçar a vitória de seu candidato. O “zap gate”, por exemplo, é acompanhado com atenção, mas seus eleitores aguardam – e não lhes tiro a razão – que sejam apresentadas provas sobre as denúncias feitas. Até o momento, existe apenas uma reportagem da Folha, com acusações a alguns empresários, que por sua vez negam as acusações
Um vídeo de Emílio Surita, líder do programa Pânico (onde Haddad esteve recentemente), ridicularizando o escândalo do Zapgate, viralizou. Milton Neves, jornalista esportivo muito popular, fez um tweet dizendo que o TSE não precisa mais julgar nada, basta ouvir os argumentos de Surita.
Outra frente de ataque a Bolsonaro, e que ganhou manchetes da mídia, foi o resgate de um vídeo de Eduardo Bolsonaro, eleito deputado por São Paulo com votação monstruosa, na qual ele faria “ameaças” de fechar o STF com “um soldado e um cabo”.
Aí também me parece que houve um pouco de forçação de barra e descontextualização.
O vídeo, gravado há mais de quatro meses, traz Eduardo Bolsonaro respondendo a uma hipótese formulada por um interlocutor, segundo a qual Jair Bolsonaro, se eleito, não seria diplomado por uma nicharia qualquer, como uma doação não-declarada de alguns reais. Ora, se houvesse um ataque do STF à soberania popular, que impedisse o vencedor das eleições, à esquerda ou à direita, de ser diplomado, usando um pretexto fútil, me parece evidente que as regras estariam rompidas. O PT normalizou de tal maneira a violência dos golpes judiciais que agora se indigna que outras forças políticas, não necessariamente à esquerda, sinalizem com resistência?
Eduardo não ameaçou ninguém. Da mesma maneira, quando um intelectual de esquerda, como vimos tantas vezes nos últimos tempos, cita o Segundo Tratado de Governo, de John Locke, e o seu “Direito a Rebelião”, que é a parte da teoria liberal que trata do direito dos povos de resistir à tirania, também não está fazendo nenhuma “ameaça”.
Quantas vezes, nossos renomados parlamentares petistas não fizeram invenctivas duras, até mesmo violentas, contra o STF? E com justiça! O combativo Wadih Damous, do PT-RJ, chamou diversas vezes o STF de guardião do estado de exceção, e chegou a defender medidas para interferir em sua composição. Wadih não tinha razão? Na minha opinião, tinha.
Por fim, temos o vídeo de dois empresários apoiadores de Bolsonaro, em que um deles, Mario Gazin, torce pela vitória de seu candidato no primeiro turno, porque assim eles “gastariam menos dinheiro”. Usar isso como prova de crimes é um tremendo exagero, já que o empresário poderia estar apenas se referindo aos gastos sociais, de fato muito grandes, com a realização de um segundo turno.
Agora, o que me parece positivamente alarmante, e que, espero, seja apenas uma violência retórica infeliz, foi o discurso de Bolsonaro deste último domingo, dizendo que irá “varrer os vermelhos”: que irão todos presos ou terão que sair do país. Para os que procuram expressões fascistas em Bolsonaro, acho que aqui não há dúvidas.
O Cafezinho repudia profundamente a família Bolsonaro, e apoia expressamente a candidatura de Fernando Haddad, mas se reserva o direito de questionar as estratégias petistas (que se espraiam para toda a esquerda, vide a tola, fútil, decisão do PDT de pedir anulação do pleito) para vencê-lo. Sobretudo porque, agora está claro, as estratégias não deram e não estão dando resultados satisfatórios.
A esquerda precisa parar de jogar para perder. Apostar todas as fichas em discursos sobre uma “anulação das eleições”, mesmo sabendo que se trata de puro jogo retórico, apenas debilita o seu prestígio, já prejudicado por tantas derrotas, junto ao grosso da população.
A ênfase numa narrativa de “luta contra o fascismo” e “pela democracia” também é algo que pode ser questionado. O eleitor de Bolsonaro, evidentemente, não concordará com a tese petista, aliás contraditória em si, de que a única opção democrática é votar em Fernando Haddad.
Muita gente não quer votar no PT, e tem todo o direito de pensar assim. Pensar que os eleitores de Bolsonaro são “fascistas” ou “adeptos do fascismo” é uma narrativa falaciosa, que também não está dando nenhum resultado prático.
Monica De Bolle, refinada economista liberal, diretora de estudos latino-americanos do Peterson Institute for International Economics, e que tem militado, há tempos contra o governo Temer e contra Jair Bolsonaro, argumenta, por exemplo, que o uso exagerado do perigo “fascista” contra Bolsonaro lhe permite uma saída relativamente fácil, que é se apresentar como “não fascista”. A grosso modo, bastará não mandar aprisionar e executar todos seus adversários assim que tomar o poder, e pronto, Bolsonaro será visto como “democrata”.
Alem disso, a esquerda precisa tomar cuidado para não fetichizar determinadas estratégias de resistência, em detrimento de outras, criando hierarquias artificiais, vãs, acerca da melhor maneira de exercer a luta política. Isso vai afastar as pessoas e empurrar a esquerda para um gueto cada vez menor. Lutar é nobre, é necessário, mas cobrar a luta do outro é apenas uma tentativa autoritária, idiota, até mesmo preconceituosa, de impor a sua ideia do que seja “luta” a alguém que pensa diferente, e que poderia nos ajudar de mil outras formas.
Trata-se de uma tentativa idiota porque é contraproducente, afastando apoiadores e matando a criatividade. Cada um sabe onde o calo lhe dói. Os problemas físicos, psicológicos, profissionais, financeiros, sexuais, políticos, jurídicos, de cada um são de conhecimento único e exclusivo de cada um. Então cada um sabe a melhor forma de colaborar para o bem comum.
Não podemos achar que existe apenas uma maneira de lutar contra Bolsonaro, e que consistiria em vociferar palavras de ordem e hashtags do alto de um palanque. Bolsonaro é fruto de um golpe costurado ao longo de anos, com muita sofisticação, e terá de ser combatido igualmente com estratégia e criatividade.
Os números gerais do primeiro turno evidenciaram o erro petista de subestimar a rejeição ao partido. A vitória de Bolsonaro na eleição do dia 7 de outubro foi arrasadora, porque acompanhada de movimentos simultâneos nas eleições proporcionais e regionais.
Um estrategista com sangue frio olharia esse quadro e já se prepararia para a batalha seguinte, para o período pós-eleitoral, que será também muito difícil.
Os pronunciamentos da presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, de que seria perfeitamente possível, sim, a Lula, tomar posse como presidente da república, mesmo dentro da prisão, desabaram como verdadeiras bombas de hidrogênio sobre a opinião pública. Quando Lula foi definitivamente impedido, parte da campanha petista foi construída sob o mote “Haddad no governo, Lula no poder”. Para mim, e para muitos, está claro que esses foram alguns dos erros determinantes que nos levaram até aqui. Parece-me saudável, portanto, que uma parte da esquerda se descole desses erros.
Houve um golpe em 2016, mas também houve muitos erros de condução política, antes e depois do impeachment. Não temos controle sobre o comportamento dos golpistas, mas talvez possamos, com debate, corrigir rumos e estratégias do nosso próprio campo.
A esquerda precisará, muito em breve, fazer uma cuidadosa autocrítica sobre suas posturas recentes, de maneira a iniciar, com muita humildade, um processo de reconstrução de pontes com setores da sociedade que se distanciaram.