Mesmo tendo de vencer eleição, PT se ocupa de atacar Ciro
Por Daniel Soares
Publicado em 11 de outubro de 2018.
A batalha eleitoral foi deveras intensa. Principalmente porque durante toda a campanha de Ciro tivemos de confrontar duas difíceis frentes: os bolsonaristas fascistas e os petistas fanatizados. Os primeiros continuam sendo adversários ideológicos que precisamos desconstruir a fim de manter a democracia e as liberdades individuais, e os segundos deveriam ter deixado de sê-lo ao fim do primeiro turno, mas, inesperadamente, insistem em continuar rivalizando conosco. Temos visto isso nos ataques que têm ocorrido contra Ciro e seus eleitores desde a divulgação da nota do PDT anunciando o apoio crítico do partido e de Ciro ao então candidato do PT, Fernando Haddad. Ao que parece, militantes petistas de todos os estados finalmente estão começando a perceber que a probabilidade de seu candidato bater o inominável no segundo turno é ínfima, e, portanto, buscam desesperadamente alguém para colocar a culpa de sua (leia-se nossa) provável derrota.
A empreitada petista de buscar se apropriar da narrativa à força, e de maneira desonesta, chega a ser melancólica. Seus esforços têm sido no sentido de criar a narração predominante dos fatos ocorridos na disputa eleitoral e, assim, eleger os heróis e vilões de acordo com seus próprios interesses. Como não podia deixar de ser, nesta narrativa os militantes petistas, Haddad e Lula são os heróis que lutam bravamente contra o fascismo, e Ciro e os ciristas são aqueles que fazem coro com a reação, atrapalhando sua bela batalha contra o mal. Alegam que Ciro está “lavando as mãos”, se eximindo de ajudar tanto quanto poderia – provavelmente gostariam que fizesse campanha em palanque lado a lado com Haddad – na luta contra o coiso. Os mais ousados até mesmo dizem que Ciro está se apequenando perante a história ao não apoiar o petista mais enfaticamente.
A deturpação da realidade na construção de narrativas sempre foi uma estratégia comum entre colonizadores, exploradores e conquistadores, que buscavam retratar a realidade a seu modo, de maneira que somente os vencedores das guerras e pleitos tivessem dignidade perante a história. Os derrotados eram relatados como fracos e covardes, e seus princípios e ideias relegados ao status de “equívocos já superados”. Foi assim que os bandeirantes, os ditadores ou os soldados norte-americanos tornaram-se heróis para as gerações seguintes. Os que foram por eles mortos neste processo, ou seja, índios, escravos, revolucionários e inimigos de guerra, passaram a ser vistos com desprezo pela maioria. Walter Benjamin, filósofo alemão, dizia que o controle da história era um importante instrumento de manutenção do status pelas elites políticas e econômicas, e, portanto, uma ferramenta crucial para preservar a desigualdade. O PT sempre se utilizou de táticas como esta, e não surpreenderia ninguém se o partido começasse a fazê-lo novamente. No entanto, é curioso notar que nem se faz mais necessário o PT se manifestar para que isso ocorra. Sua militância já incorporou este ethos e o executa, espontaneamente e desavergonhadamente.
Mas não é difícil desconstruir esta narrativa falha. Basta lembrar que esta empreitada se deve ao medo que os petistas têm de todos perceberem que os principais responsáveis por sabotar a luta contra o fascismo foram eles mesmos. Afinal, durante o primeiro turno havia a clara possibilidade de uma união de esquerda/centro-esquerda para barrar o avanço das forças fascistas. Restava saber quem receberia o fardo de representá-la no pleito. A conjuntura mostrava o seguinte quadro: PT detentor de uma imensa rejeição na maior parte da população brasileira, pesquisas indicando que só Haddad perderia para Bozo, o PT recém-saído de um golpe (perpetrado por gente que não vai desistir de espalhar ódio enquanto o partido continuar se reelegendo seguidamente), e grande parte da sociedade civil entendendo como necessária a alternância de poder para oxigenação da democracia. Estes fatores podiam até não ser suficientes para que abdicassem da disputa, portanto podemos ainda dizer que era justo que o PT lançasse sua própria candidatura e aguardasse para ver se a conjuntura se encaminharia a uma união ao seu redor mais uma vez. E isso tinha grande chance de acontecer caso Lula não tivesse sido preso. Mas ele foi. Portanto, nada mais natural que o PT desistisse do pleito em prol de uma união de esquerda em torno de quem tinha a maior força política no campo progressista e, ao mesmo tempo, possuía a menor rejeição entre todos os candidatos.
Não foi o que aconteceu. Não só enrolaram até os 45 do segundo tempo para lançar um candidato fraco e sem espírito como articularam para combater e isolar quem deveriam ter como aliado. Tudo isso simplesmente no intuito de manterem sua supremacia de “líderes da esquerda”. Ou seja, em nenhum momento o PT, Lula ou Haddad abdicaram de seus interesses (projeto de poder) em prol da sociedade brasileira. O PT arriscou tudo pelo poder, e por isso nos trouxe a este cenário aterrorizante (claro que sabemos que não é tudo culpa do PT, já que os únicos culpados pela ascensão do fascismo são os próprios fascistas, mas não podemos esconder a responsabilidade do partido ao minar a luta contra os mesmos num momento tão grave). Até mês passado, o Bozo ainda estava pequeno, mas cresceu graças a decisão de Lula de manter o PT na disputa. Há pouco tempo atrás ele perdia até mesmo para Marina nas pesquisas. Foi só quando a massa antipetista vislumbrou a possibilidade de ter o PT novamente na cadeira presidencial que o Bozo disparou.
Ciro, por outro lado, ao fim do primeiro turno, anunciou – junto ao PDT – o apoio crítico a Haddad. Afinal, depois de todas as articulações acima citadas, seu apoio não poderia mesmo deixar de ser crítico. Não é possível agora colocarmos Haddad como salvador da pátria quando, na verdade, é um de seus vilões (mais por responsabilidade do partido que dele mesmo, mero instrumento). O obscurantismo defendido pelos militantes petistas não pode esconder a responsabilidade histórica do PT na situação deplorável em que nos encontramos. Dito isso, não dá pra pedir a um intelectual coerente como Ciro que faça campanha junto a quem conspirou contra ele e, de tabela, contra a democracia. A grandeza histórica de Ciro já está afirmada pela campanha excelente que fez e, em seguida, por ter manifestado apoio ao único candidato democrático (apesar de fraco) no segundo turno. Se fizesse mais que isso estaria aprovando simbolicamente as ações pérfidas executadas pelo PT.
Para os petistas fanáticos, pequenez histórica é a derrota no pleito, e ser grande significa vencer e defender incondicionalmente seu próprio partido, mesmo que isto envolva falsear os fatos. O que entendemos por grandeza histórica, entretanto, é a coragem de abdicar dos interesses próprios em prol dos interesses do país – como Ciro fez ao “esquecer” o que lhe fizeram para anunciar apoio ao PT no segundo turno em prol da democracia –, é desafiar os privilégios das elites em virtude da garantia dos direitos do povo, é confiar no bom senso da população ao oferecer um projeto completo de desenvolvimento ao invés de apelar para uma competição de carismas como tantos outros fizeram. Ciro sai gigante desta disputa presidencial, e seu eleitorado clama para que concorra novamente ao cargo em 2022. Não descansaremos enquanto não tivermos a satisfação de ver alguém tão coerente e tão preparado quanto Ciro na cadeira de presidente do Brasil.
O PT, por sua vez, se apequenou perante a história ao optar pela supremacia em detrimento da democracia. Seu enfraquecimento político é iminente, e seu único reduto seguro ainda é uma determinada parte do Nordeste, que mantém sua fidelidade por gratidão ao que já foi feito, mas que, dentro de poucos anos, tende a redirecionar seus votos para um candidato que demonstre querer fazer mais do que somente lhes fornecer programas emergenciais. Logo perceberão que o governo pode e deve fazer mais por eles, propiciando-lhes não apenas o pão, como também oportunidades de realizarem voos mais altos. Por enquanto, o PT ainda não sentiu o peso da redução de sua importância no cenário político, pois está no segundo turno. Mas, infelizmente, sentirá em breve, e da pior forma possível.