Denise Assis – jornalista
A despeito da sua vastíssima produção em livros, artigos e ensaios, e, principalmente, por ela, o que fica de Otávio Dulci, o sociólogo e professor da UFMG – de 1972 a 2013 -, falecido neste 10 de outubro, para a família, os amigos, os alunos e para os seus orientandos, é a generosidade com que dividiu conhecimento.
Alguém presente ao seu funeral, em Belo Horizonte, cidade que escolheu para viver e plantar amigos, lamentou a reserva de saber que estávamos perdendo. Mas logo uma outra pessoa presente reagiu. Não. Otávio não leva. Ele o repartiu em vida.
E quem estava à volta teve que concordar. Sem alarde, com uma determinação que só os mais íntimos acompanhavam, pois no social era discreto ao falar de sua produção, Otávio ia tecendo o que trouxe das intermináveis conversas na cozinha de sua casa, em Santos Dumont (MG), com o que buscava em suas pesquisas. Seu pai, Cesário Dulci, era testemunha atenta da era Vargas. Reproduzia passagens saborosas da velha política, da rixa regional das oligarquias Andradas X Bias Fortes, e tantos personagens da cena influente daquele Brasil. A mãe, Anita Dulci, amante da literatura e da música, reservava atenção sensível à desigualdade, e aos problemas sociais do país. Nessa mistura de influências Otávio foi buscar o material que pesquisou e ordenou em livros necessários, tais como o “A UDN e o anti populismo no Brasil”, e tantos outros.
Otávio desenvolveu um olhar especial para as injustiças, para o conservadorismo das elites que as produziam e para o equacionamento e o entendimento delas, a partir das teorias da Sociologia, em que embarcou muito jovem. Não perseguiu o brilho. Não era do seu feitio. Miúdo, afável, cortês, foi conquistando naturalmente o seu espaço, à medida que produzia. E foi isto que ele fez durante toda a sua vida. Produzir conhecimento e generosamente distribuí-lo em salas de aula e palestras, pregando a democracia, e apontando perspectivas nesta direção.
Sua formação familiar e acadêmica o levou a ter convicções firmes sobre a construção deste modelo. E tanto foi assim que participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, da elaboração do programa de governo de Lula, da candidatura de Patrus Ananias ao governo de Minas, em 1998.
Otávio não era de esmorecer, de desanimar. Seu estilo era o de ver sempre um lado em que pudesse oferecer palavras de otimismo. De quem discordava, costumava trocar argumentos suavemente. O acirramento da disputa pelo ódio, onde ele sempre plantou acordo, deve tê-lo abalado. No cenário em que transitava não cabiam sentimentos exacerbados. Vê-los desfilando frente aos seus olhos, certamente o levaram ao mal súbito que o acometeu no dia seguinte à conquista do seu partido, ao segundo turno das eleições.
Otávio transitou pela vida com elegância. Foi embora levando no peito a estrelinha vermelha, espetada na camisa social. Para nós que ficamos, resta a obrigação moral de preservarmos a liberdade pela qual lutou, e os princípios democráticos que não se cansou de ensinar. Por Otávio Dulci: a luta continua, companheiros.