Mulheres de todo o Brasil, se unem contra candidato da ultradireita: “#Ele não!”

 

Denise Assis*

Ao subir no carro de som no Parque da Redenção, na capital de Porto Alegre, seu estado, no sábado, dia 29 de setembro, a deputada federal (PT) Maria do Rosário, tinha o rosto afogueado e a voz embargada pela emoção. Foi assim, falando firme, quase aos berros – na tentativa de ser ouvida pelas dezenas de milhares de pessoas que se comprimiam naquela praça -, que ela discursou, na data escolhida pelas mulheres brasileiras para protestar contra o candidato à presidência da República, (PSL), Jair Bolsonaro, gritando: “Ele não!”

O nome do parque escolhido para o ato, – principal ponto de reuniões políticas da cidade de Porto Alegre – não podia ser mais apropriado. Parque da Redenção. Neste dia, em todo o país, de Norte a Sul, região que a deputada representa, no Congresso, mulheres tomaram nas mãos a bandeira da democracia, e se juntaram para barrar o fascismo, a intolerância, a misoginia. Foi, a redenção da deputada.

De alma lavada, ela disse do alto do carro de som à multidão, composta também de homens, mas em grande maioria, de mulheres: “minhas amigas, companheiras, feministas, mulheres de luta. Eu sempre soube que um ataque que vier para uma de nós, é para todas. Eu sempre soube que aquilo que acontece com cada uma, mexe com todas. E eu sei que a violência, de nenhum tipo, pode ser a vencedora”

O protesto, tenta conter a ascensão à presidência do ex-capitão do Exército, 63 anos, expulso por indisciplina e deslealdade aos superiores, em 1987. Polêmico, para dizer o mínimo, ele lidera as pesquisas de intenção de votos com 28%, seguido do candidato do PT, Fernando Haddad, com 25%. O quadro é de empate técnico, mas se depender do contingente feminino do eleitorado, a julgar pelo que se viu nas ruas, a batalha do capitão para subir a rampa do Planalto não vai ser fácil.

Quanto à Maria do Rosário, que concorre à reeleição, se viu representada em cada uma das mulheres, em sua maioria, vestindo lilás, a cor escolhida para o protesto. Foi ela a deputada empurrada e agredida pelas frases carregadas de misoginia, proferidas por Bolsonaro, em dezembro de 2014, no saguão da Câmara, na frente da imprensa, que pôde gravar tudo. Dedo em riste, ele vociferou para ela: “Eu não te estupro porque você não merece. Você é feia”.

Esta foi apenas uma das muitas cenas de destemperos que pautaram a carreira de 27 anos de vida pública do deputado, marcada pela aprovação de apenas dois projetos, sem importância, de interesse dos militares, segmento que representa.

Na campanha, pregou o discurso do ódio aos “petralhas”, desenfreando uma verdadeira onda de fortalecimento da ultradireita e ódio aos militantes do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apesar de liderar as pesquisas de intenção de votos para a presidência, foi trancafiado em uma cela da Polícia Federal, em Curitiba, e não pôde concorrer.

Para substituí-lo, Lula indicou Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, pelo PT, que agora disputa voto a voto com o capitão. Em campanha no Acre, às vésperas de ser atacado e receber uma facada, no dia 6 de setembro, na cidade mineira de Juiz de Fora (MG), Bolsonaro chegou a pregar: “vamos metralhar esses petralhas”.

A esta altura, antes mesmo de ser retirado da campanha, pelo ocorrido, as pesquisas já apontavam a fragilidade de sua posição junto ao eleitorado feminino. O quadro foi agravado por uma fala do seu vi-presidente, o general Milton Mourão, que passou a representá-lo em palestras e entrevistas. Em uma delas, o general disse que os filhos criados por mães e avós, são os “desajustados”, que passam a engrossar as fileiras do exército do tráfico e trilham o caminho da violência.

Num país em que elas são, de acordo com dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em mais de 42% dos lares, a responsável pela família, a fala do general caiu como uma bomba e fez crescer a revolta feminina. Nesses lares, a mulher vive com os filhos, sem marido ou companheiro.

E não faltam motivos para que a rejeição feminina ao candidato só cresça. Falando em um programa de TV, ele defendeu que as mulheres tenham salários menores que os dos homens “porque elas engravidam”.

De acordo com o relatório da SPM, em 1995 as mulheres ganhavam 38% menos do que os homens. Em 2007 essa diferença diminuiu para 29%. E, entre 2001 e 2009, o peso das trabalhadoras na população economicamente ativa cresceu de 54% para 59%.

Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atestam um crescimento real do rendimento médio das mulheres. Apontam que em uma década houve aumento relativo do salário delas, em relação ao dos homens (12% para elas e 7,9% para eles). Além disso, a proporção de mulheres com carteira assinada saltou de 32,7% em 2000 para 39,8% em 2010. Mesmo assim, elas ainda têm muito chão para caminhar até a equiparação aos homens.

Para piorar a situação de Bolsonaro, segundo números do Cadastro Eleitoral, a maior parte do eleitorado brasileiro é composto por elas. Ao todo, são 77.337.918 eleitoras, o que representa 52,5% do total. E, por coincidência, as pesquisas vêm apontando que Bolsonaro tem rejeição de um contingente de 52% de mulheres.

Um avião de carreira, trazendo o deputado Bolsonaro do Hospital Albert Einstein, localizado em São Paulo, onde estava internado há 21 dias, para se recuperar do ferimento à faca, tocou a pista do aeroporto Santos Dumont, no sábado, às 16h40. Justo na hora em que os vagões do metrô desaguavam na praça da Cinelândia um mar de mais de 100 mil mulheres para protestar, na tentativa de barrar a eleição do candidato, notoriamente preconceituoso, machista, e que, sempre que pode, expõe suas ideias homofóbicas em entrevistas e nos seus discursos de campanha.

É possível até que da pista do Aeroporto Santos Dumont, a um quilômetro da praça, tradicional reduto de protestos, no coração da cidade do Rio de janeiro, Jair Bolsonaro tenha ouvido os gritos de “Ele Não!”. Mas, se ouviu, fez ouvidos moucos. Um carro da Polícia Federal, com cerca de 20 seguranças, o colheu ainda na pista, para levá-lo para casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, bem distante dos protestos.

No próximo dia 7 de outubro, 147.302.357 eleitores brasileiros poderão votar nos representantes políticos de sua escolha. Este ano, além de eleger o novo presidente da República, os brasileiros em dia com a Justiça Eleitoral vão escolher deputados federais, deputados estaduais ou distritais, dois senadores por estado e o governador de cada uma das 27 Unidades da Federação. As informações são oriundas do Cadastro Eleitoral, banco de dados oficial sobre o eleitorado brasileiro, e referem-se às estatísticas auditadas até o final de julho após o fechamento do cadastro, no dia 9 de maio.

De acordo com os números divulgados, esses 147,3 milhões de eleitores estão distribuídos pelos 5.570 municípios do país, bem como em 171 localidades de 110 países no exterior. As informações do eleitorado dizem respeito aos cidadãos brasileiros aptos a votar no pleito deste ano. Outros 1.409.774 eleitores não poderão votar nem se candidatar em 2018, por estarem com os direitos políticos suspensos. E, ainda, um contingente de cerca de três milhões de eleitores das regiões Norte e Nordeste, área de grande apoio ao ex-presidente Lula, não poderão votar, por decisão do TSE, pois não fizeram o recadastramento para serem identificados por biometria.

Levando em conta a afluência do grande contingente feminino que foi às praças de todo o país, no sábado, dia 29, o candidato Jair Bolsonaro comprou briga com mulheres de todas as idades, todos os credos e de todas as cores. Amparada por uma bengala, arrumada como se para um grande compromisso, uma mulher negra, de 86 anos, levando na lapela um boton em homenagem à vereadora carioca, Marielle Franco, cujo assassinato continua sem desfecho, comoveu o país. Maria Soares levava na mão uma flâmula com o slogan da campanha: “#Ele não!”. Mesmo caminhando com dificuldade, seu discurso, ao ser perguntada pela jornalista de sua motivação para ir ao protesto, em Vitória, capital do Espírito Santo, foi enfático:

“As ideias dele são ruins para a maioria das pessoas. Só pode votar no Bolsonaro, as pessoas egoístas, as pessoas homofóbicas, as pessoas racistas, as pessoas desumanas. A minha preocupação não é só com o Bolsonaro. É com estas pessoas que vão votar nele. Eu não sei o que elas querem. Por isto é que eu sou “#Ele Não!”

*Jornalista

 

 

 

 

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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