Saiu a íntegra da pesquisa Ibope, com dados levantados entre os dias 22 e 23 de setembro, e agora ficamos mais à vontade para tecer nossos comentários. Essa pesquisa deve ser comparada à anterior, feita entre os dias 16 a 18 de setembro.
Alguns analistas não gostam de comparar 2016 com 2018, dizendo que são momentos completamente diferentes. Não sei se são tão diferentes assim. Os mesmos fatores que causaram tanta influência em 2016 ainda estão em ação hoje, contra a esquerda de maneira geral, mas especialmente contra o PT: mídia, Lava Jato, máquina judicial, asfixia financeira, onda conservadora. O clima festivo de campanha cria uma cortina de fumaça que ilude a militância, distraída pela luta cotidiana por votos, mas o monstro continua vivo, no escuro, quieto. Rosnando.
A cozinha da Lava Jato, possivelmente, está cheia de novas “delações” prontas para serem servidas quando chegar o momento.
O PT encolheu 61% em quantidade de eleitores em 2016. Aliás, não apenas estão agindo hoje os mesmos fatores das últimas eleições municipais de 2016 como participam exatamente os mesmos atores. Haddad candidato à reeleição em São Paulo, teve 17% dos votos. Hoje, a duas semanas do pleito, após uma campanha massiva para associá-lo a Lula, o petista tem 22% na última pesquisa Ibope para presidência da república.
Claro, Haddad pode crescer, assim como Bolsonaro, ou Alckmin, ou Ciro. Não vamos trabalhar, porém, com previsões. Deixemos isso para esses novos profetas de redes sociais, cuja certezas só são superadas pela leveza com que atualizam suas previsões…
O Brasil não está mais “de esquerda” hoje do que em 2016, e a prova é a ascensão de Bolsonaro.
Os “coxinhas”, que dominaram a oposição de 2013 até o golpe, quando assumiram o poder, são os mesmos que, hoje, lideram pesquisas para deputados em todo país.
Aécio Neves, segundo o Ibope, deve ser um dos deputados mais votados em Minas, e seus papagaios judiciais estão sendo piedosamente arquivados pelo Supremo Tribunal Federal, graças sobretudo à diligência diuturna de Gilmar Mendes.
Alguns “golpistas”, por sua vez, especialmente no nordeste, se converteram ao campo democrático com uma destreza impressionante, e isso deveria nos deixar com uma pulga atrás da orelha. Renan Calheiros, Paulo Câmara, Eunício de Oliveira, vários dos que se locupletaram politicamente com o golpe de 2016, usando-o para destruir seus inimigos internos, e hoje posam de bons amigos do petismo.
João Dória lidera com 26% a disputa para o governo de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, e já enviou emissários para combinar uma dobradinha com Bolsonaro no segundo turno.
Luiz Marinho, um dos quadros mais conhecidos do PT em São Paulo, num estado onde o partido sempre teve enorme presença parlamentar, sindical, etc, onde governou mais cidades, e onde reside Lula, tem pontuação de 1% a 2% na pesquisa espontânea, e não passa de 8% na estimulada.
A queda de Bolsonaro na região Sul, de 38% para 30% no Ibope, me pareceu apenas um ajuste estatístico, um retorno à normalidade, após números talvez exagerados nas duas últimas sondagens, feitas no calor do atentado. Na evolução de agosto a setembro, o candidato cresceu consideravelmente no Sul.
Segundo o último Datafolha, que é a pesquisa mais recente no estado, Bolsonaro tem 30% em Minas Gerais, contra 16% de Haddad.
A última pesquisa Ibope para governador em Minas, mostra Anastasia, o herdeiro de Aécio, com 18% na espontânea, contra 8% para Pimentel. Nas simulações de segundo turno do mesmo instituto, o tucano dá uma verdadeira surra em Pimentel, de 45% X 27%. A diferença, em favor de Anastasia, inclusive tem aumentado.
No Rio de Janeiro, Bolsonaro tem 38% dos votos, segundo o último Datafolha, contra 11% de Haddad e 13% de Ciro Gomes (pesquisa FSB de há pouco, estima Haddad com 16% no Rio, contra 36% de Bolsonaro). Na eleição para o governo do estado, a candidata do PT, que tem o segundo maior tempo de TV, e ofertou generosamente ao público a informação sobre o apoio de Lula à sua campanha, tem oscilado de 0 a 1% nas pesquisas espontâneas, e de 1% a 3% nas estimuladas.
No Rio Grande do Sul, onde PT tem uma tradição, porque já governou a capital e o estado, Miguel Rosseto vai disputar o primeiro turno com apenas 5% na pesquisa espontânea e 12% na estimulada (muito atrás do primeiro e segundo colocados).
Estes não são exatamente sinais de uma “onda petista” varrendo o país.
Diante deste quadro, eu sinceramente não sei qual a razão para tanto oba-oba e ciranda, para tanto “já ganhei”, incluindo algumas manifestações grotescas de arrogância, como insinuações para que, a essa altura do campeonato, a esquerda se “una” em torno do suposto “líder na pesquisa”, ou convites sarcásticos aos concorrentes do mesmo campo para que se candidatem a algum ministério, o que são maneiras, inconscientes ou não, de tentar humilhar adversários.
Haddad avançou nas pesquisas e, portanto, viu crescer consideravelmente suas chances de ir ao segundo turno, mas a vontade que sairá das urnas, em outubro, é algo que só vamos conhecer quando estas forem abertas. Pesquisa está para eleição assim como um treino está para uma final de campeonato, em especial nos dias em que vivemos, repletos de misteriosas bolhas de opinião que podem ou não ser acessadas pelas pesquisas. A maioria das pesquisas dava a vitória folgada de Hillary Clinton, e quem ganhou foi Donald Trump…
Neste sentido, é preciso interpretar a diferença entre as pesquisas não com olhar conspirador, mas com tranquilidade: se o Datafolha mostra números diferentes do Ibope, é porque os números reais podem ser, efetivamente, diferentes.
Além do mais, subestimar a direita é um erro ao qual as lideranças políticas do campo progressista não tem direito, não depois de tudo que temos passado nos últimos anos.
A crescente rejeição a Bolsonaro, puxada pelas mulheres e pela campanha negativa promovida por Geraldo Alckmin em seu horário eleitoral, é o único fator que realmente complica a vida do candidato no segundo turno, mas não é nada que ele não possa reduzir quando lhe for disponibilizado um tempo de TV aberta que não possui hoje.
A desvantagem de Bolsonaro no segundo turno, na disputa com Haddad, é de apenas seis pontos, mas o PT concentra votos demais em contingentes populares onde a abstenção é alta, pelas próprias condições adversas em que vivem, sem transporte público adequado, morando em áreas distantes das zonas de votação, e possuindo parcos recursos para se locomover. Essa é a razão pela qual o PT costuma ter menor pontuação nas urnas do que nas pesquisas.
Além do mais, não se pode analisar pesquisas apenas com número brutos. Isso não é análise. É preciso verificar qual candidato recebe mais os votos dos indecisos, dos sem partido e dos eleitores de outros candidatos. Qual candidato tem maior rejeição. É assim que se analisa as chances de cada um no segundo turno.
O PT continua sofrendo forte rejeição em alguns setores influentes, o que o torna extremamente vulnerável a ondas negativas nas redes sociais, que podem fazer diferença na reta final.
A rejeição ao PT não é mais um problema apenas na classe média. Na pesquisa Ibope, a tabela que trata do apoio do ex-presidente, mostra que a grande cartada do PT, de associar Haddad a Lula, tem um preço.
A rejeição do eleitor ao candidato “apoiado por Lula” se manteve estável num número relativamente alto, em 49% (basta lembrar que estamos comemorando que a rejeição de Bolsonaro chegou a 46%), mas esse número só não é maior porque é puxado para baixo pelas famílias com renda inferior a 1 salário; em todas as outras faixas de renda, a rejeição permanece muito elevada, ou cresceu. Entre eleitores com renda familiar entre 1 e 2 salários, por exemplo, que não podem ser considerados de “classe média”, a rejeição à indicação de Lula cresceu 5 pontos em uma semana, de 45% para 50%.
A rejeição ao próprio Haddad, por sua vez, embora tenha oscilado apenas 1 ponto para cima, está atingindo patamares perigosos junto à classe média. Segundo o Ibope, o percentual de eleitores com renda familiar acima de 5 salários que não votariam “de jeito nenhum” em Haddad cresceu de 48% no dia 18 para 50% no dia 24. Nessa mesma faixa, Bolsonaro tem rejeição de 39%, alta de 6 pontos sobre a pesquisa anterior – ainda assim bem menor que a do petista.
O problema de Bolsonaro está muito concentrado entre os mais pobres, que ganham até 1 salário. Entre estes, Bolsonaro viu sua rejeição subir para 57%.
Num eventual segundo turno, Bolsonaro terá acesso à metade do tempo eleitoral, o que o permitirá combater essa rejeição entre os mais pobres, provavelmente com alguma promessa vazia, ao mesmo tempo em que poderá explorar a alta rejeição de Haddad junto aos eleitores de renda média.
Haddad ampliou sua vantagem sobre Ciro na média geral do primeiro turno, mas o candidato do PDT, sem dinheiro, sem TV, sem apoio de um “messias”, avançou, lenta e firmemente, e se mantém emparelhado com o petista, em três setores extremamente estratégicos na luta política e eleitoral: jovens, mais instruídos e classe média.
Entre jovens até 24 anos, Ciro tem 15% das intenções de voto, segundo o Ibope divulgado ontem, empatado com Fernando Haddad, que tem 17%. Bolsonaro tem 27% neste segmento.
Entre eleitores com ensino superior, Ciro tem 13%, também empatado tecnicamente com Haddad, com 16%, contra 33% de Bolsonaro.
Por fim, entre eleitores com renda familiar superior a 5 salários, Ciro tem 12%, empatado tecnicamente com Haddad, com 15%, contra 42% de Bolsonaro.
Estes setores, em especial os dois últimos, são particularmente estratégicos para a esquerda nesse momento, porque são aqueles onde: 1) Bolsonaro acumula mais força; 2) Haddad registra sua maior rejeição.
2º turno
O relatório completo do Ibope nos permite comparar o desempenho dos dois principais postulantes do campo progressista quando enfrentam Jair Bolsonaro num eventual segundo turno.
Entre eleitores que ganham até 1 salário, o desempenho de Haddad e Ciro é praticamente o mesmo. Ciro leva vantagem junto às classes de renda mais elevada, onde ele encontra menos rejeição.
No comparativo por região, Ciro empata no Sudeste com Bolsonaro e ganha nas outras regiões. Haddad só ganha de Bolsonaro no Nordeste. A diferença nos desempenhos entre Ciro e Haddad fica expressa mais claramente no Sul, onde Ciro ganha de Bolsonaro por 53% X 47%, ao passo que Haddad perde do mesmo candidato por 56% X 44%.
A esquerda precisa olhar os fatos com objetividade, sem romantismo. Sem apoio na classe média e nos setores mais instruídos, e sem a energia da juventude para tomar as ruas, ela não vai conseguir construir o mínimo de apoio social necessário para vencer o segundo turno e, sobretudo, governar.
Para este apoio se tornar realidade, precisaremos construir a tão sonhada união das esquerdas, mas não falo mais de eleição e sim de união política, que precisa ser construída democraticamente, sem hegemonias, com uma noção franca das vulnerabilidades e riscos que cada um enfrenta.
Uma eventual aliança eleitoral no segundo turno não pode ser discutida com arrogância ou leviandade, dando de barato que fulano ou beltrano virão automaticamente. Não é assim. Não basta receber apoio deste ou daquele cacique ou candidato. É preciso despertar interesse e entusiasmo num eleitorado que não será aquele cativo do primeiro turno, disposto a engolir todas as contradições, mas um público mais abrangente.
Militantes e dirigentes políticos precisam entender que a vitória política é diferente de vitória eleitoral. Para se obter a segunda, basta contabilizar mais votos. A vitória política, por outro lado, implica em conquistar também o respeito do adversário. Isso exige orientação, por parte das lideranças, para que seus militantes mantenham o nível elevado, fazendo o embate sem ofender adversários e seus eleitores.
Em 2014, ganhamos mas não levamos. Espero que a lição tenha sido aprendida, para fazermos diferente dessa vez.
Humildade, disciplina, respeito, se nós nos ativermos a essas virtudes talvez consigamos, enfim, impor uma fragorosa derrota ao golpe.