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Fra Angelico (1387-1455), Anunciação, Museu São Marcos, Florença.

É um pouco vergonhoso que parte do público consumidor de informação política, tendo diante de si o manancial de dados eleitorais disponibilizados pelo último Datafolha, prefira se ater a uma pesquisa como o Datapoder360, que até pouco tempo muitos desprezavam profundamente, porque não costumava dar boas pontuações para Lula ou pior, não incluía cenários com o ex-presidente.

O último Datafolha é o levantamento mais recente até o momento, com pesquisas feitas nos dias 18 e 19 de setembro, e que entrevistou o maior número de pessoas. Foram 8.601 entrevistas realizadas por pesquisadores treinados. O Datapoder360 trabalha com telefonemas disparados eletronicamente por robôs; a pesquisa foi realizada nos dias 19 e 20 e usou 4.000 ligações telefônicas.

O tamanho de uma pesquisa é essencial para a sua qualidade, porque permite apurar melhor fenômenos eleitorais novos, que ficam às vezes invisíveis em meio às generalizações e o “senso comum”. A participação de um pesquisador treinado, capaz de fazer a pergunta no tom correto, às vezes insistindo discretamente num ponto, tentando quebrar a timidez do respondente, é outro fator que agrega qualidade a um levantamento eleitoral.

E mais: o Datafolha é o único instituto que criou uma ferramenta dinâmica para cruzar dados e criar gráficos.

Antes de começar a análise, vamos dar uma olhada no perfil do eleitorado brasileiro, por instrução, idade e renda. Eu separei dois gráficos do TSE e elaborei um outro eu mesmo, com base nos números do Datafolha.

A tabela com a faixa etária mostra que temos 22,23 milhões eleitores com idade entre 16 a 24 anos, o que representa 15% do eleitorado brasileiro, sendo que a maior parte, ou 21 milhões, tem mais de 18 anos e já são obrigados, portanto, a votar.

Dando de barato que Bolsonaro, com 28% das intenções de voto, já garantiu sua presença no segundo turno, vamos nos concentrar numa análise comparativa dos desempenhos de Haddad e Ciro, os dois postulantes à vaga que sobrou.

No total, Datafolha apurou que Fernando Haddad tem 16% das intenções de voto no primeiro turno, contra 13% de Ciro.  Repare que o crescimento de Haddad foi inversamente proporcional à redução da quantidade de votos nulos e brancos. Na pesquisa de 22 de agosto, havia 22% de nulos e brancos; na pesquisa divulgada dia 20, são apenas 12%.

Essa redução brutal do percentual de nulos, brancos e indecisos sinaliza, possivelmente, mais estabilidade dos números daqui para a frente, embora a tensão eleitoral, que cresce à medida que o dia da eleição se aproxima, gere outros movimentos que podem trazer surpresas.

A pesquisa traz duas colunas de renda familiar que podemos qualificar como referentes à “classe média”: são os que recebem de 5 a 10 salários, e os que recebem mais de 10 salários. Os primeiros totalizam 16,7 milhões de eleitores, ou 11% do eleitorado. Os que ganham mais de 10 salários formam um eleitorado de 6,7 milhões de pessoas, ou 5% do total de brasileiros detentores de títulos eleitorais válidos.

Eu gosto sempre de lembrar aos internautas para não incorrerem em visões preconceituosas e vulgares contra a classe média. A maioria das pessoas tem renda familiar próxima à base da pesquisa; ou seja, na coluna de eleitores que ganham de 5 a 10 salários, a maioria deve estar mais próxima do limite mínimo, de 5 salários, do que do limite máximo, de 10 salários. Na coluna seguinte, idem: a maior parte deve receber no limite mínimo dos 10 salários de renda familiar. A maior parte é formada por gente trabalhadora, de hábitos simples e situação financeira apertada, embora posicionada economicamente acima das famílias mais humildes. Para combater o avanço do conservadorismo nessas classes, precisamos conhecê-las melhor, e lhes passar informações adequadas, num formato preparado especialmente para sua maneira de ver o mundo, tendo como objetivo, inicialmente, neutralizar os preconceitos inoculados pela mídia e suas campanhas de desinformação, e, por fim, torná-las mais conscientes de sua responsabilidade, como elite, na luta política em prol do crescimento econômico do país.

Na estratificação por escolaridade, o TSE informa que ainda temos  6,57 milhões de analfabetos, ou 4,5% do total de eleitores. O segmento mais expressivo é formado por brasileiros com ensino fundamental incompleto, que totalizam 38 milhões de pessoas, ou 26% do total da população. Ainda pagamos um alto preço político pelos baixos índices de educação do nosso povo.

Somando eleitores com ensino médio completo (33,6 milhões) aos que tem ensino superior completo (13,57 milhões) e incompleto (7,3 milhões), chegamos a um total de 54,47 milhões de eleitores que poderíamos chamar, numa simplificação grosseira, de “educados”.   Outros 92 milhões de eleitores, com escolaridade abaixo do ensino médio completo, poderiam ser classificados, com perdão do termo pedante, como “iletrados”.

Abaixo, o primeiro gráfico da nossa análise, sobre o qual falamos um pouco lá em cima.

Na divisão do voto por sexo, vemos que o eleitorado feminino é um pouco mais prudente na hora de decidir o voto. Enquanto apenas 3% dos homens estão indecisos, ainda restam 7% de mulheres que não decidiram em quem vão votar. O número de brancos e nulos entre mulheres também é bem maior (15%) que entre os homens (9%).

Tanto Haddad como Ciro mostram um eleitorado bastante equilibrado entre homens e mulheres, o que é saudável.  Bolsonaro, por exemplo, tem 36% dos votos masculinos, e 21% dos femininos.

É importante observar, todavia, que Bolsonaro, com esses 21% de votos femininos, também lidera entre mulheres.

 

No recorte por idade, chama atenção a força de Ciro entre o eleitorado mais jovem. Entre eleitores com idade até 24 anos, que correspondem, como vimos acima, a 15% do eleitorado total, Ciro tem 19% das intenções de voto, tendo crescido de maneira formidável desde o final de agosto. É interessante notar que Ciro cresceu paralelamente às tsunamis lulistas das últimas semanas: ele tinha apenas 8% nessa faixa na pesquisa do dia 22 de agosto.

Com apenas 10% de nulos e brancos, e 3% de indecisos, poderíamos achar que o quadro tende a ficar estático, mas há um fator instável nesse eleitorado, que é o seguinte: ao mesmo tempo que tem 26% do voto mais jovem, Bolsonaro tem 55% de rejeição nessa mesma faixa. Isso força uma tendência de baixa para o voto jovem no capitão.

Para onde podem ir esses votos? Considerando que, na mística bolsonariana, o PT é uma espécie de “anticristo”, é improvável que os eleitores de Bolsonaro migrem para Haddad.

O próprio Datafolha nos dá uma pista sobre o destino dos eleitores que desistem de Bolsonaro, no gráfico que traz a segunda opção de voto. Entre eleitores de Bolsonaro, a principal segunda opção de voto é Geraldo Alckmin, com 21%; em seguida, vem Ciro Gomes, com 16%. Haddad vem em quarto lugar, com 9%. Como é difícil acreditar que eleitores jovens possam migrar para Alckmin, com seu jeitão de político tradicional, e posicionado tão mal nas pesquisas, ou para Marina, cada vez mais sem chances de chegar ao segundo turno, a tendência é que os jovens eleitores que se desgarrarem de Bolsonaro ao longo das próximas duas semanas migrem para Ciro Gomes.

 

Vamos analisar alguns quadros selecionados. Achei interessante, por exemplo, o cenário nas cidades médias, com 200 a 500 mil habitantes. São cidades como Maringá (PR), Macaé (RJ), São José do Rio Preto (SP), Volta Redonda (RJ), Bauru (SP).

Nas cidades médias, até 500 mil habitantes, Bolsonaro pontuou 32%, tendo crescido 4 pontos na última semana, provavelmente ainda como reflexo da comoção gerada pelo atentado que sofreu. Haddad, por sua vez, oscilou apenas 1 ponto, para 10%, embora tenha visto sua rejeição, nestas mesmas cidades, subir 5 pontos, para 36%.

A rejeição de Bolsonaro nestas cidades, por outro lado, caiu 6 pontos, embora ainda seja a maior de todas, 40%.

Ciro, por sua vez, ganhou 2 pontos e firmou-se com 16% das intenções de voto nas cidades médias; sua rejeição também cresceu, 4 pontos, e ficou em 26%.

 

Outro cenário que me interessou, por ser a cidade onde moro, é o desempenho dos candidatos no Rio de Janeiro, capital.

O primeiro lugar é de Bolsonaro, com 36%, seguido de Ciro, com 14% e Fernando Haddad, com 12%.

A rejeição a Haddad não é tão alta no Rio, é de apenas 28%. Bolsonaro, por sua vez, tem rejeição de 39% na capital. Ciro tem rejeição irrelevante, de 20%.

A página dinâmica nos permite cruzar os dados das intenções de voto com a preferência partidária. Podemos ver, por exemplo, para onde estão indo os votos dos simpatizantes do PT.

A ascensão de Haddad está relacionada diretamente ao desempenho dele junto ao eleitorado petista. Se ele tinha apenas 11% do eleitorado petista na pesquisa do dia 22 de agosto, hoje, na pesquisa do dia 19, esse percentual saltou para 52%.

Ciro já chegou a receber 18% dos votos petistas, mas perdeu 4 pontos assim que o PT anunciou Haddad como substituto de Lula. Interessante notar, porém, que o percentual de Ciro se mantém estável em 14% no intervalo entre as duas últimas pesquisas, o que é um dos sinais de esgotamento da migração lulista para Haddad.

Entre os eleitores do PSOL, a maioria está preferindo votar em Ciro Gomes no 1º turno. Marina, que era a primeira opção dos psolistas ao final de agosto, com 23%, agora é a última, com 3%. A maior parte migrou para Ciro, que desponta como principal candidato do eleitor simpático ao PSOL, com 43%. Em segundo lugar, mas bem distante, vem Haddad, com 25%. Boulos recebe 19% dos votos de eleitores que escolheram o PSOL como seu partido favorito.

Entre os eleitores que não têm partido de preferência, e que formam a maior parte do eleitorado (55%), a pesquisa ficou assim: Bolsonaro com 32%, seguido de Ciro, com 13% e Haddad, com 7%.  A rejeição de Bolsonaro entre eleitores sem partido de preferência é de 35%; a rejeição a Haddad subiu 4 pontos na última semana, para 33%, encostando na de Bolsonaro.

Agora um gráfico triste, que revela uma reviravolta esquisita, reacionária, nas entranhas do PSB. Segundo a pesquisa Datafolha divulgada no dia 22 de agosto, Ciro Gomes era o nome preferido de seus simpatizantes, com 28%, seguido de longe por Bolsonaro e Alckmin, com 13% e 12%, respectivamente. Haddad tinha apenas 6% da preferência. Hoje, o PSB prefere maciçamente Bolsonaro (34%) e Alckmin (28%), ao passo que Ciro caiu para 15%. Haddad tem apenas 8% de preferência junto ao eleitor que marcou o PSB como partido preferido. Ao rasgar o acordo que planejava estabelecer com Ciro Gomes, o PSB parece ter dado um mergulho nas trevas.

Agora um gráfico de curiosidade: em quem os ateus votam? Segundo o Datafolha, o candidato preferido dos ateus é Ciro Gomes, com 26%, seguido de Bolsonaro, com 20%, e Haddad, com 17%.

Agora vamos ver dois cenários de votos da classe média. Entre eleitores com renda familiar entre 5 e 10 salários (que correspondem a 11% do eleitorado, ou 17 milhões de pessoas), Bolsonaro lidera com 40% dos votos, seguido de Haddad e Ciro, empatados com 15%.

Este é um cenário que deve ser confrontado com a rejeição. Entre o mesmo eleitorado de classe média, com renda entre 5 e 10 salários, Haddad sofre rejeição forte, de 43%, embora tenha oscilado 2 pontos para baixo na última semana. É maior que a rejeição de Bolsonaro junto a esse mesmo eleitorado, que cresceu 3 pontos e atingiu 40%. Ciro tem rejeição estável nesse eleitorado, de 28%. Lembrando que qualquer rejeição abaixo de 30% não representa um problema.

No estrato de renda mais alto apurado pelo Datafolha, o de eleitores com renda familiar acima de 10 salários, o cenário é o seguinte: Bolsonaro lidera isoladamente, com 40%, tendo crescido de maneira expressiva nas últimas semanas. Em segundo lugar, mas distante, vem Haddad, com 15%, seguido de Ciro, com 11%. Este parece ser um setor social bastante sensível, que consome grandes quantidades de informação. Repare a sua volubilidade. Haddad tinha 11% nessa faixa no dia 10 de setembro, véspera de sua oficialização como candidato. No dia 14 de setembro, após a sua oficialização, que se deu no dia 11, Haddad cai para 5%. ao passo que Ciro vai a 19% nessa faixa de renda. Já na pesquisa divulgada no dia 20, o quadro muda novamente: Haddad sobe para 15% e Ciro cai para 11%.

Essas variações são relativamente comuns em provas mostrais pequenas e instáveis internamente, como é o segmento de eleitores com renda superior a 10 salários. O Datafolha entrevistou apenas 145 eleitores que informaram ganhar acima de 10 salários. Na vida real, temos cerca de 7 milhões de eleitores no Brasil que ganham acima de 10 salários.

O quadro de rejeição nessa faixa do eleitorado é bastante problemático para Fernando Haddad, que vê o seu índice disparar para 54%. A rejeição a Bolsonaro, ao contrário, vem declinando entre os eleitores de alta renda, chegando a 35% na última pesquisa. Ciro também viu sua rejeição declinar nas últimas semanas: tinha 33% de rejeição no dia 10 de setembro, e agora tem 29%.

 

Entre eleitores com curso superior, a liderança de Bolsonaro é muito forte, 38%. Empatados num distante segundo lugar, Ciro e Haddad tem 14%. Interessante notar que João Amoedo pontuou 8% entre eleitores dessa faixa, contra 5% de Geraldo Alckmin.

 

Bolsonaro, no entanto, também sofre alta rejeição junto ao eleitorado mais instruído, de 42%. Foi superado nesse quesito por Haddad, que agora tem rejeição de 43% neste segmento. Ciro Gomes, por outro lado, viu sua rejeição oscilar dois pontos para baixo na última semana, para 26%.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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