A barbárie e a compaixão

The Last Supper Restored, Leonardo Da Vinic

A carta do professor Wanderley a PHA está muito boa. Reproduzo-a abaixo.

Do Conversa Afiada
O ansioso blogueiro recebeu uma carta do professor Wanderley Guilherme dos Santos:

PH,
O mais desanimador destas eleições é reconhecer que vasta maioria da população irá votar por barbárie inicialmente, e agora por compaixão pela barbárie (Bolsonaro hospitalizado) ou por compaixão a injustiçado (Lula).

Sem demérito a Fernando Haddad, cuja competência para as monumentais tarefas do momento é desconhecida, mas cujas vestes são as de um pregador em nome de um crucificado.

Neste exato instante, a maioria da população se reparte entre a barbárie hospitalizada e o injustiçado em busca de remissão ao preço de um país.

O mais dramático explode na evidência de que, vítimas ou não, as respectivas mensagens são selvagens, por um lado (e me refiro tanto a Jair Bolsonaro quanto a Paulo Guedes), ou obsoletas, quase reacionárias; de outro, e me refiro ao programa do PT, ciceroniado por Fernando Haddad.

O PT perdeu substância intelectual com o afastamento de praticamente todos os grandes quadros de formuladores, em parte pelo preconceito original contra títulos universitários, em parte pela gradativa deterioração da burocracia estatal e pela oligarquização do partido, resultando em propostas de governo em descompasso com a agenda urgente que o espera. Caso vença, o PT, com ou sem o controle remoto do prisioneiro de Curitiba, fará um péssimo governo, está incapacitado para melhor. E não haverá compaixão que o salve.

Do programa de Paulo Guedes/Bolsonaro mais caberia designá-lo por assalto sem fazer prisioneiros. Trata-se de uma queima de mercadorias para transmissão dos negócios a nova gerência: o capital predatório e politicamente comprometido dos Estados Unidos.
Espanta o número de pessoas, em geral dotadas de excelente tino humano e intelectual, atualmente em transe, tomadas por surtos de compaixão ou violência de tal intensidade que se recusam sequer a conversar sobre o que está ocorrendo a olhos vistos. Talvez o subconsciente lhes sussurre que estão embriagadas, mas temem o retorno ao real, algo comum aos desarranjados da cabeça. Têm medo.

Os mortos de medo do PT, independente de renda ou educação, aderem à selvageria de Bolsonaro, nele descobrindo alucinadas virtudes.

Os cegos de compaixão também morrem de medo e do mesmo PT, assediados pela sentença de traidores que lhes passam, antecipadamente, os beneficiários efetivos da compaixão: aqueles que carregam o crucificado em busca de votos que os levem, não a Curitiba, mas à Câmara ou ao Senado, em Brasília.

O próximo Legislativo estará repleto de energúmenos dessas duas espécies.

Entendo que a declaração de Ciro Gomes de que o Brasil “não aguenta mais outra Dilma” quer dizer que o Brasil “não aguentará outro golpe”. O segundo governo de Dilma Rousseff não chegou a existir, a desorientação evidente do início foi imposta pelo PT e seu líder máximo, não importa como os aproveitadores queiram reescrever a história, e, de qualquer modo, não é prova de virilidade política atingir a quem o PT escolheu para servir de bode expiatório de seus desmandos, em condomínio com o PMDB, com o qual voltou a se aliar.

Quando o furacão reacionário passar, o PT permitindo, aí será tempestivo avaliar a quem cabe o que nos doze anos de governos petistas.

O de bom e o de ruim.

Abraço,
Wanderley

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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