O Datafolha divulgado ontem nos ajuda a projetar alguns cenários, mas permanecem ainda muitas zonas de sombra.
A primeira vítima dessa pesquisa, aliás, é a certeza profética de alguns analistas, de que o segundo turno seria disputado entre PT e PSDB. Pode até ser que isso aconteça, mas agora ficou positivamente ridículo apostar todas as fichas nessa possibilidade.
Aparentemente, Alckmin não vai decolar, não a tempo de chegar o segundo turno, embora seja temerário tratá-lo, como precipitadamente fizeram alguns com Ciro, como “carta fora do baralho”. O tucano tem 44% do tempo de TV, uma quantidade monstruosa de recursos partidários e continua sendo o candidato preferido do grande capital. Alckmin é um adversário que precisa ser respeitado.
Depois do “atentado”, contudo, o mais provável, diante dos novos números, é que Bolsonaro passe para o segundo turno e dispute com Ciro ou Haddad.
Uma outra teoria sai bastante abalada dessa pesquisa: a de que o PT teria, com certeza inabalável, um lugar no segundo turno e que se poderia descartar Ciro Gomes.
Isolado pelos grandes partidos, com pouco tempo de TV, sem recursos financeiros, contando apenas com suas próprias cordas vocais e a disposição de não perder uma oportunidade de se dar a conhecer ao público, através de entrevistas, sabatinas e debates, Ciro Gomes chegou ao segundo lugar nas pesquisas, com 13%.
O cearense já tem 20% no Nordeste, segundo o Datafolha divulgado ontem.
Haddad, todavia, ainda tem grandes chances de ser o escolhido, pelo eleitor, para enfrentar Bolsonaro no segundo turno. Ele cresceu de maneira vigorosa, de 4% para 9%, e o processo de migração de votos do lulismo ainda está no início. No Nordeste, segundo o Datafolha, Haddad avançou de 5% para 13%.
Segundo o noticiário, o petista será consagrado candidato oficial hoje, em Curitiba, e aí será preciso esperar uma ou duas semanas para que a transferência de votos se complete.
Ciro Gomes avançou fortemente no segundo turno, onde abriu vantagem de 10 pontos sobre Bolsonaro (45% X 35%) e de 4 pontos sobre Alckmin (39% X 35%).
Fernando Haddad ainda perde de Alckmin no segundo turno (43% a 29%) e mantém um perigoso empate com Bolsonaro (39% a 38%). Mas tudo indica que também melhorará esse desempenho nas próximas pesquisas.
Tanto Haddad como Ciro tem trunfos e problemas.
A vantagem de Haddad pode ser resumida a uma só palavra: Lula. O ex-presidente é o maior fenômeno eleitoral e político da história recente do país. Preso em Curitiba, massacrado dia e noite pela grande mídia, ele permanece sendo uma figura central no debate político nacional. Mas ao mesmo tempo que Lula é seu principal trunfo, é também seu principal problema, por causa da alta rejeição a Lula no Sudeste, na classe média e, sobretudo, junto a influentes setores dos estamentos jurídicos. Haddad vai receber, no peito, toda a carga de rejeição ao PT e a Lula.
Ciro apresenta trunfos difíceis de ver na pesquisa, mas evidentes para qualquer analista: ele penetra em setores do centro político que ainda parecem bloqueados ao PT; e tem um eleitorado próprio, não necessariamente lulista, o que lhe confere uma importante vantagem no segundo turno. Ciro tem votos do eleitor hostil ao PT (infelizmente uma parcela importante e influente do eleitorado), e ao mesmo tempo, como se vê nas pesquisas, recebe no segundo turno quase todos os votos do lulismo.
O principal problema de Ciro, por sua vez, é a ausência de uma estrutura partidária para lhe dar guarida nas batalhas políticas e eleitorais.
Chegamos a um momento da campanha em que precisamos analisar com muito cuidado não apenas qual candidato tem melhores condições de vencer Bolsonaro, mas qual oferece melhores condições para superar a polarização paralisante que vem asfixiando e matando o país, e que nos levou ao golpe. E não adianta aqui convencer a “esquerda”. É preciso convencer a grande maioria, o eleitor comum, que não tem partido.
Alguns números regionais mostram que o eleitor brasileiro, mesmo aqueles que declaram preferência em algum partido, tem baixo índice de organicidade partidária. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde Lula tinha até pouco tempo 26% das intenções de voto, e o PT tem 18% de preferência partidária, a sua candidata, Marcia Tiburi, exibe agora apenas 1% das intenções de voto, segundo Ibope divulgado ontem. Em São Paulo, a situação é parecida: Luiz Marinho, apesar de ex-presidente da CUT, ex-prefeito de cidade importante, tem 5%.
Isso significa que o eleitor não tem dono. O eleitor lulista respeita profundamente a opinião do líder, mas a maioria não vota em quem “Lula mandar’, e sim em quem considerar, em seu livre arbítrio, que é a melhor opção para o futuro do país. A migração dos votos de Lula para Haddad precisará ser construída, portanto, com muita humildade pelos estrategistas do partido.
Tanto Haddad como Ciro tem chances razoáveis de ir ao segundo turno e ganhar as eleições, mas ambos tem de calçar as sandálias da humildade e investir numa relação de mútuo respeito, porque precisarão desesperadamente um do outro, tanto no segundo turno quanto (e sobretudo!) no governo, que promete batalhas ainda mais duras que a disputa eleitoral.
A essa altura do drama brasileiro, a esquerda estará cometendo um crime imperdoável se se deixar engolfar por picuinhas partidárias e sectárias, ao invés de olhar o grande cenário que se desdobra à sua frente, com seus imensos perigos, de um lado, e suas infinitas esperanças, de outro.
Para isso, todavia, precisaremos revisar algumas posturas adotadas até aqui. A conjuntura já deixou claro que a estratégia de xingar o juiz, o procurador, a imprensa, o general, clamar por uma invasão da ONU, não dá certo.
A única maneira de vencermos é conquistando corações e mentes, inclusive de juízes, procuradores, jornalistas e militares.
A esquerda só tem uma arma, mas que é a mais poderosa de todas: a palavra. Usemo-la com sabedoria, força e compostura!