Ciro Gomes explicou, na entrevista que concedeu a Gleen Greenwald, que a sua estratégia de ser polido com os adversários nos primeiros debates deveu-se ao fato de que muita gente ainda não o conhecia e, portanto, não queria apresentar-se já distribuindo suas costumeiras voadoras argumentativas.
Ele disse ainda que, no desenrolar da campanha, baterá mais duro nos adversários.
Pois parece que esse período já começou, talvez não voluntariamente – o que não é de todo mal.
Na sabatina feita pelo Estadão e pela FAAP, Ciro começou a responder uma pergunta sobre a condenação de Lula de forma absolutamente tranquila e técnica, demonstrando, calmamente, a injustiça da condenação sob uma ótica jurídica.
O repórter do Estadão, bem ao estilo tosco e arrogante da grande mídia, interrompe a explanação do pedetista para perguntar se este “já visitou um imóvel com um empreiteiro”. O velho e bom Ciro começa a vir à tona: “Um minuto só, eu to falando de direito, não de política. Eu sei que vocês são tudo tarado contra ele”. Ciro aperta o repórter e, após demonstrar a estupidez da pergunta, deixa a indignação aflorar para desancar os entrevistadores e seus risinhos pretensamente irônicos:
Esse país não vai se sair bem se nós, os brasileiros, começarmos a achar conveniente, politicamente, a gente agredir, insultar e, pior, prender quem a gente não gosta politicamente! Jornalistas inclusive! Jornalistas inclusive! É a mesma raiz!
O vídeo do trecho está aqui.
A Folha noticia que Ciro mudou a estratégia, voltando às suas origens mais enfáticas, digamos assim, mas me parece que não foi nada calculada essa indignação com o tradicional jornalismo do Estadão: tacanho, desonesto e que não tem o menor pudor de fingir que a condenação de Lula não é uma odiosa perseguição política.
Ciro sempre demonstrou brio e verve notáveis, especialmente quando trata das desigualdades e das injustiças que assombram o nosso país desde sempre. A revolta com o apetite voraz da elite predatória brasileira é uma de suas marcas.
Neste vídeo, Ciro fala sobre uma de suas obsessões. Há anos ele denuncia o absurdo que é metade do orçamento do país ir para o pagamento da dívida pública e dos juros e, quando se fala em corte orçamentário, ninguém ousar mexer nisso, enquanto cortar na educação, saúde ou no Bolsa Família é encarado com naturalidade.
Vale a pena assistir ao menos a partir do minuto 3:20:
Onde é que eu vou cortar, vou cortar no Bolsa Família, que gasta 15 bilhões de reais pra atender 60 milhões de pessoas? Com três refeições, cara, isso é comida! Cortou, o cara passa fome! Cacete! Não é possível!
Ciro fecha a cara quando profere essas palavras, claramente revoltado. Apenas pela sua expressão facial e seu gestual já se percebe o abismo de distância que há entre uma candidatura que representa os interesses populares e outras que existem apenas para aplicar as políticas criminosas do capital. Alckmin, Meirelles, Bolsonaro ou Amôedo não poderiam sequer simular tamanha indignação com a miséria dos nossos irmãos brasileiros. Nem se fizessem os melhores cursos de teatro do mundo.
Em tempos nos quais a brutalidade doentia de um Bolsonaro faz sucesso, creio que Ciro tem muito a ganhar se abandonar de vez o estilo paz e amor e demonstrar, para além das propostas consistentes, toda a sua sadia – e justa – revolta com a tragédia social brasileira.