Minha análise da entrevista de Ciro no Jornal Nacional

[Para assistir à entrevista do Jornal Nacional, clique aqui. Ao fim desse post, dou link para a entrevista no Jornal das 10, na Globonews]

Tenho uma opinião bem diferente da maioria da esquerda em relação às críticas ao formato das entrevistas com candidatos. Admito que há excessos. Era desnecessário, por exemplo, que William Bonner repetisse, interminavelmente, a mesma pergunta (uma pergunta idiota, aliás) sobre a questão da “simplicidade” da proposta de Ciro para tirar o nome das pessoas do SPC.

Mas considero que esse formato de”enfrentamento” nas entrevistas ajuda muito o candidato a ressaltar a sua própria posição.

É chato quando entrevistador e entrevistado concordam. O bom é o embate. Por isso, as entrevistas da grande mídia com personagens do PSDB são tão sonolentas e tediosas.

A entrevista com Alckmin no Roda Viva teve uma das mais baixas audiências de todas.

As nossas entrevistas, na esquerda, também são chatas.

Quando a esquerda voltar ao poder, e quiser construir uma estratégia de comunicação, a solução não é montar programas com apresentadores de esquerda entrevistando pessoas de esquerda. A solução é montar bancadas plurais. Quando o entrevistado for de direita, que haja sobretudo jornalistas de esquerda, e quando o entrevistado for progressista, que se monte uma bancada com presença de conservadores.

Por ocasião da entrevista com Manuela D’Ávila no Roda Viva, por exemplo, eu notei que a então candidata obteve um lucro político sensacional justamente porque houve o enfrentamento. Se os entrevistadores fossem de esquerda, e fizessem perguntas bonitinhas e inofensivas, a audiência e o impacto seriam muito menores.

E não adianta falar que entrevistadores de esquerda podem ser duros com entrevistados de esquerda. Podem até tentar, mas nunca haverá um enfrentamento real, e se houver, gerará antes mal estar, para ambos, do que um embate produtivo.

Para uma entrevista obter audiência, em se tratando de política, é preciso haver polarização.

Na entrevista com Ciro, ontem, no Jornal Nacional, o seu sucesso se deve, claro, à maneira assertiva com que o candidato respondeu às perguntas, mas também à postura agressiva de William Bonner.

Essa mesma postura agressiva terá de se repetir hoje, com Jair Bolsonaro, e agora vamos ver se Bonner não cai na armadilha de tentar confrontar o capitão com pautas “esquerdistas”, e sim com perguntas difíceis sobre economia, educação e saúde, para que a população veja se o candidato é preparado ou não para governar o país.

Voltando à entrevista com Ciro. Quando Bonner insiste na história de que Carlos Lupi é réu, o candidato poderia ter encaixado facilmente uma crítica à mentalidade implícita na própria pergunta do âncora. Ele poderia ter respondido algo assim: “Olha, que eu saiba, Lupi não é réu de nada, mas por amor ao debate, digamos que ele fosse: ser réu é bem diferente de ser culpado. Quem prejulga e condena é, me desculpem, a mídia brasileira”.

A entrevista ajudou a esclarecer muitos pontos. Vou comentar alguns, mas de maneira muito resumida.

  • Lava Jato

Ciro deixou claro suas críticas à seletividade da operação, que não prendeu um tucano até o momento. Explicou suas críticas aos excessos do judiciário e ao ministério público (cada num em sua “caixinha”).

  • Aliança com PT e “união da esquerda”

Não era uma bandeira de Ciro Gomes, e sim da sociedade, de setores da imprensa alternativa (o Cafezinho, inclusive), que queriam evitar o que, infelizmente, aconteceu: PDT, PSB e PT separados, com recursos de campanha e tempo de TV fragmentados, embates desgastantes entre as diferentes militâncias. Seja quem for que chegar ao segundo turno, enfrentará dificuldade em secar as feridas e reerguer as pontes.

  • Esquerda  X Centro-Esquerda 

Ciro deixou claro que seu projeto é de “centro-esquerda”. Ajudou a desfazer uma confusão (em que houve um tanto de má vontade) produzida por entrevista a uma revista norte-americana, em que disse que seu “projeto não era de esquerda”. Teve gente que, deliberadamente, omitiu a frase que vinha a seguir: “meu projeto é de centro-esquerda”. Desde que, para o público comum, essa diferença entre esquerda e centro-esquerda é algo incompreensível, a criação dessa dicotomia tem um objetivo estratégico: afastar preconceitos ideológicos relativos à esquerda, agregando-lhe o prefixo tranquilizante “centro”.

  • Katia Abreu 

Ciro explicou, com bastante franqueza, as razões pelas quais escolheu Katia Abreu para sua vice: agregar um eleitorado que não é de esquerda, inclusive usando a fórmula de Lula, quando trouxe o empresário José de Alencar para sua chapa presidencial, em 2002. Deixou claro que pensa diferente de Katia Abreu, mas que a vê como uma pessoa honesta, corajosa, que lutou contra o “golpe” (ele usa essa palavra, o que é sempre importante no embate semiótico contra a Globo), e que se posicionou contra as reformas de Michel Temer.

  • SPCiro

Foi a parte algo cômica da entrevista, em que William Bonner achava que iria fazer o candidato se confundir, sendo que esse é o tema em que Ciro se sente mais à vontade para falar. Quem acabou se queimando foi o próprio Bonner.

  • Lula e PT

Esse é o tema mais sensível para Ciro Gomes, porque ele é adversário de primeiro turno do PT, e a tensão inevitável inerente à competição eleitoral, mais a lembrança dos acordos frustrados com o PSB,  tem produzido mal estar na relação entre PT e PDT, apesar de serem aliados históricos há muitos anos. Em algumas entrevistas, Ciro comete o erro de fazer algumas críticas ao PT que me parecem desnecessárias. Ontem, no entanto, Ciro tratou o tema com a elegância que ele merece, inclusive mencionando uma aliança no segundo turno. E conseguiu uma proeza em relação ao tema Lula. Fez uma crítica leve, sutil, à maneira como Lula lidou com as nomeações para a Petrobras, que resultariam na Lava Jato, mas defendeu com muita ênfase o governo Lula e seu legado para o povo.

Aconselho aos internautas a assistirem também à entrevista na Globonews (link abaixo), que foi, do ponto-de-vista programático, bem melhor que a do Jornal Nacional.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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