(Charge: Kayser)
Logo no início da sua entrevista ao Jornal Nacional, ontem, Ciro Gomes foi questionado sobre a declaração de que botaria o MP e o Judiciário “na caixinha”. Ele respondeu que, em conjunto com o Legislativo, faria com que cada poder voltasse a tratar de suas atribuições, as quais estão sendo flagrantemente excedidas.
Neste momento, a Globo, por meio de Bonner, revelou toda a sua vocação autoritária e sua ojeriza à democracia e ao voto popular. O apresentador citou a separação dos poderes para argumentar que o Executivo e o Legislativo não poderiam interferir na atuação do Judiciário. Ciro, então, após dar uma pequena aula sobre Montesquieu e separação dos poderes, matou a charada. A questão é que MP e Judiciário são órgãos técnicos, não eleitos por ninguém; é lógico que o Legislativo e o Executivo, por serem eleitos – “todo o poder emana do povo” não está na Constituição apenas de enfeite, apesar de parecer – têm a prerrogativa de refazer o desenho das atribuições de cada poder.
Aliás, no futuro, elegeremos também integrantes do Poder Judiciário e lembraremos desse tempo, em que juízes não eleitos têm tanto poder, como um tempo vergonhosamente autoritário. Certamente contra a vontade da Globo, que gosta mesmo é de poder não eleito tutelando a vontade popular.
Após a contundente crítica de Ciro à atuação política do MP e do Judiciário, Bonner fez um comentário ridículo, fora de lugar e factualmente bastante questionável: “Isso a despeito do manifesto apoio da população brasileira ao MP e também o Judiciário”.
Na última pesquisa Datafolha sobre o grau de confiança dos brasileiros nas instituições, feita em junho deste ano, 48% dos entrevistados disseram que “confiam um pouco” no Judiciário e no Ministério Público. Vai uma bela distância entre “confiar um pouco” e o “manifesto apoio da população brasileira” pronunciado por Bonner, não?
Já o índice de pessoas que “não confiam” é de 31% para o Judiciário e 30% para o MP, enquanto o das que “confiam muito” é de 19% para o Judiciário e 20% para o MP. Ou seja, os que “confiam muito” nessas instituições são minoritários na população. No mundo paralelo global, a realidade é o que menos importa.
Na mesma medida em que exalta os poderes não democráticos – antes a ditadura, agora MP e Judiciário – como os baluartes da moralidade e da eficiência, a Globo esculhamba com os poderes eleitos pelo voto. São as duas inseparáveis faces do projeto de descrédito da democracia empreendido com afinco pela empresa da família Marinho.
Na pergunta sobre segurança pública, Ciro disse que pretende federalizar a questão, já que atualmente ela é sobremaneira responsabilidade dos estados. Após a resposta, Renata Vasconcellos fez o comentário mais senso comum e vazio possível: “Mas federalização entra governo, sai governo e nunca sai do papel, né candidato?”. Ciro brincou, ao seu estilo: “É porque eu nunca fui presidente, você vai ver comigo”. Bonner deu um risinho irônico, olhando pra sua companheira de bancada, e começou a introduzir a próxima pergunta. Ciro interrompeu-o para falar, com ar grave: “A gente não pode ser cético não. O Brasil tá machucadíssimo”. Uma clara crítica à estratégia de desmoralizar a política adotada pela Globo, a qual se manifesta até em comentários toscos e risinhos irônicos de seus entrevistadores. “Eu sou um cara experiente, eu não proponho coisas que eu não seja capaz de fazer. Eu só quero uma chance do povo”, complementou o candidato.
De resto, não houve uma mísera pergunta sobre desemprego, saúde, educação ou economia. Quem se importa com esses detalhes, não é mesmo?
Já exaltação alucinada dos poderes não (e quase sempre anti) democráticos e ataques furibundos a tudo o que cheire à soberania e poder popular, teve de sobra.
Isso é Globo. Plim Plim.