Trecho de entrevista com Gilberto Gil, publicada hoje, na Ilustrada (Folha).
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Folha: Na polarização atual, há quem veja este herói salvador em Lula e há quem o veja em Bolsonaro.
Gil: Exatamente! (risos) Esta dicotomia é sinônimo da dilaceração de hoje e da dificuldade de aceitação do todo a partir da necessidade de escolher entre uma coisa e outra. Uns escolhem Bolsonaro, outros, Lula.
Folha: Como um exilado político da ditadura militar assiste à ascensão de uma figura que enaltece este período, como Bolsonaro?
Gil: Vejo com certo temor. Mas, ao mesmo tempo, tenho 76 anos e já vivi muita coisa. Por exemplo, eu presenciei a ascensão do primeiro grande núcleo do que se chama hoje de extrema direita, com [John] Enoch Powell [1912-1998], na Inglaterra. Depois vieram muitos outros, como Le Pen, na França.
Eu fico receoso que esses corações dessas pessoas não compreendam que é preciso ter piedade, perdão, caridade, solidariedade, que é preciso estarmos juntos e que a vida é para todos, apesar das diferenças entre nós. Que temos de produzir a igualdade na diferença.
Folha: E como você avalia a situação de Lula?
Gil: Uma coisa é ele como pessoa, por quem eu tenho um sentimento de pesar por tudo o que está acontecendo com ele.
Outra coisa é a figura política e suas estratégias no campo da luta. E aí, é uma opção dele. Eu tenho minhas dúvidas se as estratégias adotadas estão corretas e vão levar a um desfecho segundo as expectativas dele. Não sei.
Folha: Você fala sobre a delonga em definir Haddad como seu substituto?
Gil: Sim. Gosto muito de Haddad. É um nome interessante. Um homem muito preparado e sensível. Suficientemente jovem e suficientemente maduro ao mesmo tempo para ter uma compreensão do conjunto da sociedade brasileira hoje, da inserção do Brasil no mundo, da questão da economia. Acho ele muito preparado, assim como acho Ciro [Gomes] muito preparado. E Marina, em quem já votei para presidente por duas vezes, também é muito bem preparada e posta.
Folha: É falsa a impressão de que você, por ter sido ministro do governo Lula, vota no PT?
Gil: É falsa! Quando eu fui num show do Lula Livre, evento aqui no Rio de Janeiro em prol da libertação dele, disse que, diferentemente de muitos que querem Lula solto para votar nele, eu necessariamente não quero ele livre por isso.
Eu acho que Lula deve ser solto porque sua prisão é injusta em vários aspectos. E, neste sentido, ele deveria estar aí, como nós, vivendo a plenitude das lutas partidárias e das disputas democráticas, coisa que ele está impedido de fazer. Sou Lula Livre, mas não necessariamente para votar nele.
Folha: Por que acha a prisão de Lula injusta?
Gil: São muitos os que assim a consideram: juristas —daqui e de outros cantos do mundo—, cronistas políticos, milhões de eleitores. Eu não estou sozinho, muito pelo contrário.
Folha: Falta autocrítica ao PT?
Gil: Acho que sim. Um pouco. E a Lula, na medida em que poderia ter levado o partido a uma posição mais de explicação sobre suas questões, problemas e erros.
Folha: Você sempre se alinhou à esquerda, campo em que há ao menos quatro candidatos à presidência. Como se posiciona entre tantas opções?
Gil: Eu sinto um certo pesar de eles todos não estarem juntos num momento como esse, em que tudo o que significa a negação do que eles representam está lá, fortalecido, do outro lado. Eu sinto que mais uma vez não seja possível a união das forças progressistas contra o atraso.
Folha: Por que essa união não acontece?
Gil: Não sei. Talvez o extremo zelo que cada um tenha por suas facções, por suas representações partidárias, por seus partidos, por seus traços ideológicos especiais. Mas numa hora em que se vê o contrário de tudo isso se avolumando na sua frente, acho que a gente deveria se abraçar.
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