Entrevista importante para entender o pensamento do candidato.
No Globo
‘Candidato não pode ser lesma ou ameba’, diz Ciro Gomes
Com fama de explosivo, candidato do PDT diz que quem deseja ser presidente precisa de temperamento forte
POR CATARINA ALENCASTRO, FERNANDA KRAKOVICS E MAIÁ MENEZES 17/08/2018 4:30 / atualizado 17/08/2018 8:00
RIO — Isolado pelo PT na negociação de alianças partidárias, o candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, diz rejeitar o papel de vítima. “Na política não cabe mimimi, choradeira. Guerra é guerra”, afirma em entrevista ao GLOBO.
Ciro ataca a cúpula do PT, que está “pouco se lixando para a sorte da nação”, mas defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da condenação no processo do tríplex no Guarujá (SP). Para ele, a sentença do juiz Sergio Moro é “inconsistente”.
Embora esteja em visível esforço para combater a fama de pavio curto, o pedetista diz que candidato a presidente não tem que mostrar temperamento de “ameba”. E provoca seu concorrente do PSDB, Geraldo Alckmin: “Se não, vai ser chamado de picolé de chuchu”.
Ele diz ser factível sua proposta de tirar 63 milhões de devedores do SPC: “Não tenho vocação para ser populista”.
Leia a entrevista:
O senhor fez sucessivos ataques ao PT e depois divulgou um artigo dizendo que o partido não é seu inimigo e que Lula foi um bom presidente para muitos. Aonde o senhor quer chegar?
A cúpula do PT é simplesmente desastrada, não tem escrúpulo de nenhuma natureza, está pouco se lixando para a sorte da nação brasileira. Porém, isso não transforma o PT em meu inimigo, porque a cúpula do PT é uma coisa. Por exemplo, eu apoio o PT no Piauí, com o Wellington Dias.
Parece uma estratégia para tentar se descolar do desgaste do PT e do Lula, de quem foi ministro, e, ao mesmo tempo, conquistar parte desse eleitorado.
Você está preconceituosamente querendo me olhar com esse filtro de que eu sou um maquinador. O Lula aumentou o salário mínimo, quando eu fui ministro dele, com muita honra; expandiu o crédito; criou uma rede de proteção social que baniu a fome, que está de volta com o Temer. Agora, o Lula loteou a Petrobras. O Palocci é réu confesso, o Guido Mantega está envolvido com dinheiro em conta em paraíso fiscal. E eu faço o quê? Eu não sou petista, o petismo é que esquece isso, bota para debaixo do tapete, inventa uma conspiração.
O senhor tem feito críticas a supostos excessos do Judiciário. Considera que Lula é inocente?
Eu acho a sentença do Moro injusta.
Por quê?
Porque é inconsistente. No Brasil, eu não conheço nenhum julgamento em que alguém tenha sido condenado por conjunto indiciário, como o Lula foi. No Brasil se exige prova.
O TSE pretende julgar logo o registro de Lula, e Fernando Haddad deve assumir a candidatura.
A mim me surpreende como o Haddad e a Manuela (D’Ávila) se prestam a esse tipo de serviço. Eu falo isso porque eu mesmo fui pressionadíssimo a fazer esse papelão (ser vice do Lula). Ora, se isso der certo, não dá certo.
Por quê?
Porque nasce daí um presidente desse tamaninho (fazendo gesto com os dedos). Um presidente que parece que vai precisar ir para Curitiba consultar como resolver as confusões e as complexas questões nacionais.
O senhor acabou sendo vítima de um acordo do PT com o PSB que o deixou isolado.
Eu não tenho esse lugar de vítima, sou um velho lutador. Eu tenho escrúpulo, você não vai encontrar uma rasteira (minha) dessa natureza. Na política não cabe mimimi, choradeira. Guerra é guerra. Me escolheram para a guerra nessa fase, eu estou na guerra. Não sou a Marina (Silva), que com todas as suas extraordinárias virtudes, aceitou ser empurrada para a direita. Eu não vou para a direita, vou buscar a liderança do campo progressista de verdade do Brasil.
O senhor já disse que negociou com o centrão porque é candidato a presidente e não a “madre superiora de convento”. O que isso quer dizer?
Eu quero reformar o Brasil, para isso eu preciso ter capacidade de diálogo com diferentes forças. Eu disse para eles na conversa: “Meu programa está aberto para ser discutido com vocês”. Aí vinha reforma trabalhista. Não volto atrás. Revogação do teto (de gastos), não volto atrás. Isso estabelece uma relação para o futuro em que eu lidero, se for o eleito pelo povo, para não ser o que a Dilma foi e o Lula, em certo aspecto, também: testa de ferro desses pilantras que infernizam a vida brasileira. Não deu certo (a aliança com o centrão), mas eu mostrei que tenho capacidade de dialogar e tenho limite de transigência.
O senhor critica a reforma trabalhista. O que vai revogar e o que vai manter?
Atenuar os abusos da Justiça do Trabalho é uma coisa que a minha reforma terá. Trabalho intermitente não é possível ficar como está. Gestante em ambiente insalubre, francamente isso é século 18. Imposto sindical isso não tem nenhum sentido, já conversei com as centrais sindicais. Estou sensível à ideia de trabalhar com eles uma transição. Eles estão me sugerindo, e eu acho razoável, permitir que tenha efeito normativo a convenção coletiva estabelecer a contribuição sindical. E que valha para a categoria inteira.
É possível ser eleito sem contemplar os empresários?
Eu não quero servir a dois senhores. Mas o meu projeto tem o objetivo de conciliar os interesses práticos de quem trabalha com quem produz.
A promessa de limpar o nome de quem está no SPC é factível?
Eu não tenho a menor vocação para ser populista. O Tesouro não vai botar nenhum centavo nisso, é crédito. Banco do Brasil e Caixa Econômica (vão refinanciar). Se os bancos privados quiserem, eles entram e ganham dinheiro, mediante um pequeno afrouxamento do compulsório. O programa começa com um leilão reverso, quem der o maior desconto entra primeiro. Junto com o Programa Nome Limpo, o cidadão vai receber uma cartilha e vai fazer um rápido treinamento sobre educação financeira. Quem entrar no programa, entra com garantia. Cada cidadão vai ter que arranjar quatro amigos e vão combinar que um suporta a inadimplência do outro, se acontecer.
O senhor tem fama de pavio curto, mas nos últimos dias está parecendo mais tranquilo. Está tentando se controlar?
Dependendo da natureza da provocação eu reajo. Eu tenho que me comportar agora como o futuro presidente do Brasil, que eu quero ser. E o futuro presidente do Brasil não tem que mostrar temperamento de lesma, de ameba. Se não vai ser chamado de picolé de chuchu.
Sua mulher, Giselle Bezerra, tem acompanhado suas agendas. Qual é o papel dela na sua campanha?
Ela é minha companheira, meu amor, trabalha comigo, vive comigo, me aconselha e tal. Pronto. Vai querer que eu repita aquela bobagem? (de que o papel de sua então mulher Patrícia Pillar, na campanha presidencial de 2002, era dormir com ele). Isso é ridículo, foi há 16 anos. Em tempos de Rodoanel, merenda de escola, cunhado recebendo ou não dinheiro, funcionário fantasma. De mim, o que se recupera é um imponderável temperamento e uma bobagem inominável que eu falei.
O senhor disse que é contra a descriminalização das drogas.
Eu não disse que sou contra, eu disse que não sou candidato a guru de costumes. Esse é um assunto tabu para grupos importantes da sociedade brasileira por quem eu tenho muito respeito.
Mas a questão dos costumes, até pelo posicionamento do primeiro colocado nas pesquisas, Jair Bolsonaro, vem balizando os debates.
A esquerda velha criou e está aperfeiçoando o Bolsonaro, porque ela desconhece a vida real brasileira. Você acha que o (Marcelo) Crivella seria prefeito do Rio de Janeiro se não fosse a estreiteza do PSOL?
Por quê?
A pretexto de ser o déspota esclarecido, ultraesquerda, o intransigente, acaba se descomprometendo com a realidade do povo. Por se achar muito mais inteligente do que todo mundo, muito mais moralista, muito mais danadão, resultado: é o Crivella o prefeito, e não o (Marcelo) Freixo. Você acha que o Crivella se elegeria prefeito de Fortaleza alguma vez na vida? Nem a pau, Juvenal. E o Rio de Janeiro, maior concentração de artistas por quilômetro quadrado, de intelectuais, de engenheiros, uma elite exuberantemente linda, criativa e olha a situação de vocês. Isso por causa do gueto da Zona Sul. Eu vou para as reuniões aqui (no Rio) e as pessoas não querem falar de emprego, de salário. Completamente voando da agenda do povo, querem exigir de mim compromisso de descriminalização de droga, porque “eu gosto de fumar minha maconha’. Nenhum problema, meu patrão, mas eu quero ser presidente do Brasil, e não guru de costumes.
Sua vice, Kátia Abreu, disse ser contra o aborto, inclusive de anencéfalo. Concorda?
Tem muita coisa que não estamos de acordo, por isso a convidei. Eu advogo um projeto de centro-esquerda e ela tem visão diferente da minha em muitos assuntos. Por isso ela é muito útil para nós.
Ela também defende facilitação do porte de armas no campo e o seu programa de governo é contrário.
Eu não refleti especificamente sobre questão rural e urbana. Confesso que quando escrevi aquilo estava pensando mais na questão urbana. Ela me sensibilizou para essa questão, dado que a polícia não tem condição de ostensividade no campo. Mas ainda acho que essa tarefa de garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio é tarefa do Estado e não do exercício individual.