Comentários sobre cada candidato no debate da Band

O primeiro debate entre os candidatos à presidência, realizado ontem pela Band, permite que comecemos a vislumbrar as diferentes estratégias eleitorais dos postulantes, além de suas fraquezas e virtudes. Vamos lá:

Álvaro Dias (Podemos) – É o candidato da Lava Jato. Falou da operação e de Sérgio Moro em quase todas as suas intervenções. Disse que vai “institucionalizar a operação Lava Jato como uma tropa de elite do combate à corrupção” e que “a refundação da República é nossa principal proposta”, sejá lá o que ambas as coisas signifiquem. Mandou alguns clássicos do reacionarismo tosco brasileiro: tudo se resume à corrupção, o BNDES não pode emprestar dinheiro para “ditadores corruptos e sanguinários”, etc. Repetiu algumas vezes que convidou Sérgio Moro para ser Ministro da Justiça – Ciro Gomes dedicou uma de suas “notas de rodapé” a lembrar que Moro recebe auxílio moradia mesmo tendo imóvel próprio em Curitiba, o que deixou Álvaro meio sem chão, dizendo que “Moro estará do nosso lado no combate a todos os privilégios”. Álvaro parece ter parado no tempo, ali por 2015 ou 2016. Tomara que ninguém conte para ele que a rejeição a Moro já é maior que a aprovação e que o auge da popularidade da Lava Jato passou faz tempo.

Cabo Daciolo (Patriota) – Totalmente tresloucado, falava como um pastor em pleno púlpito. Perdi as contas da quantidade de “glória a Deus”, e “para honra e glória do senhor Jesus” em suas intervenções. Ao final lembrou de Enéas (“ele estava certo!”), com o qual tem algumas semelhanças mesmo, já que também parece encarnar uma direita nacionalista. Até pontuou algumas coisas interessantes, como a falta de investimento nas nossas refinarias, a sonegação e auditoria da dívida, mas os momentos de lucidez foram totalmente ofuscadas pelo nonsense e humor involuntário da maioria de suas falas. Disse que tem “fraudes comprovadas” nas urnas eletrônicas, pediu para os brasileiros não saírem do país e os que estão fora voltarem (!), terminou lendo a Bíblia e conclamando até os ateus a louvarem o senhor. No momento mais hilário do debate, acusou, com ar grave, Ciro Gomes de ser fundador do Foro de São Paulo e perguntou sobre o plano URSAL. Ciro disse que não foi fundador do Foro e não sabia o que era URSAL. Daciolo, então, explicou. Trata-se da União das Repúblicas Socialistas da América Latina, que acabaria com as fronteiras e transformaria a América em uma única nação, a “pátria grande”. Ciro respondeu, após segurar o riso, que a democracia é uma delícia, uma beleza, mas ela tem certos custos. Ao fim e ao cabo, o cabo (perdão, gente) Daciolo conseguiu a proeza de fazer com que Bolsonaro parecesse uma pessoa equilibrada.

Geraldo Alckmin (PSDB) – Misturou o papo furado liberal – ajuste fiscal, abrir a economia, desburocratizar, desregulamentar, etc. – com apoio ao Bolsa Família e críticas à, pasmem, “bolsa banqueiro”. Disse mais de uma vez ser favorável à reforma trabalhista. Foi bastante atacado por sua aliança com o Centrão e mostrou a linha que irá adotar quanto a isso: é o único que pode fazer o que promete justamente porque contará com sustentação no Congresso. Buscou diferenciar-se de Bolsonaro; enquanto este defendeu armar a população, Alckmin falou em recuperação de dependentes químicos e prevenção. É o representante mais “profissional” da direita, digamos assim. Mistura seus projetos de diminuição do Estado com coisas que obviamente não fará, como mexer com os banqueiros. Chegou a dizer que “com privatização o Estado fica mais forte”. A sorte do campo popular é que o seu carisma continua o mesmo que lhe rendeu o apelido de picolé de chuchu.

Marina Silva (Rede) – Basicamente enumerou os problemas do país, disse que melhoraria tudo mas não fez uma mísera proposta concreta. Seu bordão é “os que criaram o problema não vão resolvê-lo”. A capacidade de Marina falar, falar e falar sem dizer absolutamente nada é ímpar. Deve ser por isso que ressurge das trevas a cada 4 anos. Sobrou apenas, para além da embromação, a defesa de plebiscito para mudar qualquer questão em relação ao aborto. A tendência deve ser o derretimento das suas intenções de voto.

Jair Bolsonaro (PSL) – Repetiu as únicas palavras sobre economia que conseguiu decorar – “desburocratizar”, “desregulamentar”, “agregar valor”, etc. Na área econômica é um Alckmin com uma capacidade de enrolar infinitamente inferior. Logo no começo mandou um “os empresários tem me dito que o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego ou todos os direitos e menos emprego”. É realmente notável a autenticidade de Bolsonaro: diz com (quase) todas as letras que quem vai mandar no seu governo são os empresários. Teve que se defender do questionamento de Boulos sobre sua funcionária fantasma e explicar o recebimento de auxílio moradia mesmo tendo imóvel (sua resposta é “tá na lei”). Disse que o Estado não tem que se meter na diferença salarial entre homens e mulheres. Bateu no PT em momentos totalmente nada a ver, tentando marcar posição como candidato antipetista. Não soube o que dizer sobre a questão do endividamento das famílias e ironizou a proposta de Ciro de limpar o nome das pessoas do SPC, chamando-a de simplista (é mole?). Encerrou batendo no comunismo e louvando o livre mercado. Me parece que Bolsonaro não ganhará voto algum nos debates. A questão é o quanto perderá – talvez não seja o suficiente para tirá-lo do segundo turno.

Guilherme Boulos (PSOL) – O melhor desempenho da noite. Foi sua a grande tirada do debate ao dizer que havia ali “50 tons de Temer”, em referência aos outros candidatos. Polarizou com Bolsonaro, bateu bem em Meirelles e Alckmin, conseguiu apresentar com clareza algumas propostas como a da reforma tributária. Defendeu com propriedade o direito das mulheres abortarem e falou que a questão será tratada na área da saúde pública em seu governo, e não na área criminal. Iniciou o debate dando boa noite ao presidente Lula, “que deveria estar aqui, preso injustamente enquanto Temer está solto”, o que indica uma busca do voto lulista. Tentará abocanhar os votos mais ideológicos do petismo e, com isso, atrair para si a aguerrida militância de esquerda.

Henrique Meirelles (MDB) – Tem, acredite se quiser, menos carisma que o picolé de chuchu. Tentou se vender como o único candidato que entende de economia e deu a entender que tudo de bom que aconteceu no país durante o governo Lula foi, na verdade, mérito do Meirelles. Atacou Alckmin por causa das críticas do PSDB ao Bolsa Família, como fosse um grande defensor dos programas sociais. Questionado por Boulos sobre sua trajetória em grandes bancos e corporações, vangloriou-se dela. É um candidato bizarro, como não poderia deixar de ser o candidato oficial do Temer. A chance de crescer nas pesquisas é próxima do zero.

Ciro Gomes (PDT) –  Focou no desemprego e em como resolver a crise econômica. Buscou a polarização com Alckmin, criticando a reforma trabalhista e o projeto econômico do PSDB. O tempo limitado prejudicou a apresentação de suas propostas. Seu grande trunfo, ao menos neste início de campanha, é a proposta de limpar o nome dos milhões que estão no SPC, o que possibilitaria o aumento do consumo das famílias e seria um dos motores da retomada da economia. Disse que vai detalhar a forma de fazer ao longo da campanha, mas adiantou que, como a média de dívida é de R$ 1.400,00 por pessoa, dá para fazer negociando prazos e taxas de juros com os titulares desses créditos. Como a escolha de Kátia Abreu para vice já indicava, Ciro deverá buscar voto em todos os espectros políticos, já que o PSOL e o PT (este mais na aparência) parecem posicionar-se à sua esquerda no imaginário da militância. Apesar disso, chamou o golpe de… golpe e explicou porque defendeu o mandato de Dilma.

***

Saltou aos olhos o medo da maioria dos candidatos de fazerem perguntas a Ciro e Boulos – os dois que não fazem parte dos “50 tons de Temer”.

O medo é totalmente justificado: ambos colocam no bolso os demais, tanto quanto às propostas quanto ao preparo. Eram os únicos representantes do campo popular.

De resto, impera a mediocridade.

 

 

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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