Sob a lógica exclusivamente partidária, fazem todo o sentido as últimas movimentações do PT.
É lógico, no contexto da disputa natural entre os partidos por hegemonia, que o partido mais bem quisto pela população e que possui entre seus quadros – muito embora esteja preso e será impedido de disputar a eleição – o político mais popular do país haja no sentido de manter sua prevalência na esquerda.
Vivemos, entretanto, um momento extremamente crítico.
O golpe de 2016 ocasionou uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores sem precedentes, acompanhada de uma dilapidação do patrimônio nacional e prostração aos EUA na política externa só comparáveis ao período FHC.
Quando Lula não é incluído nos cenários, a liderança fica com Bolsonaro, um candidato abertamente fascista. Alckmin, apesar dos parcos índices de intenção de voto até aqui, construiu uma gigantesca coligação partidária e terá o maior tempo de televisão de todos, além de toda a máquina da mídia e do status quo a seu favor.
A probabilidade de um segundo turno entre a direita e a extrema-direita é assustadoramente real.
Saindo da lógica partidária e pensando exclusivamente no melhor – e mais seguro – caminho para impedir que as urnas legitimem este verdadeiro massacre neoliberal, é evidente que o caminho seria o PT ter aberto mão de sua candidatura e indicado o vice de Ciro Gomes.
Este movimento faria com que PDT, PT, PSB e PCdoB somassem os seus tempos de TV e suas estruturas partidárias, garantindo a ida do campo popular para o segundo turno. Ciro certamente trucidaria tanto Alckmin quanto Bolsonaro nos debates e, com o tempo da TV dividido ao meio, a chance de vitória seria altíssima.
É claro que seria um movimento bastante heterodoxo e de uma grandeza moral inédita na história política brasileira. O maior partido de esquerda do país, um dos maiores do mundo, abrir mão da cabeça de chapa em nome da estratégia mais segura para impor uma derrota eleitoral ao golpe seria algo invulgar, definitivamente – apesar de ser a atitude mais “de esquerda” possível neste momento.
Lula e a cúpula do PT preferiram, infelizmente, continuar colocando os interesses partidários acima da luta contra o golpe e do bem estar da população mais pobre, tão beneficiada nos governos petistas.
Para isso, racharam o PSB, que optou pela “neutralidade” e viu seu tempo de TV ser distribuído entre todos os candidatos. O mais beneficiado por tal peripécia, por conta da proporcionalidade, foi… Geraldo Alckmin. Por meio de acordo entre as cúpulas, impediram as candidaturas de Marília Arraes (PT) em Pernambuco e de Márcio Lacerda (PSB) em Minas Gerais, o que gerou forte descontentamento nas bases.
O escolhido para vice e provável substituto de Lula na cabeça de chapa é Fernando Haddad. Apesar de suas qualidades, é um quadro bastante moderado do PT. Ele chegou a dizer, numa entrevista ao Estadão em 2016, que “golpe é uma palavra muito dura” para a deposição de Dilma. Enquanto Ciro Gomes trava épicas batalhas argumentativas contra liberais, defendendo com unhas e dentes a preponderância do papel do Estado no desenvolvimento das nações, Haddad falou em “choque de liberalismo” ao lançar o programa de governo da chapa petista. Se Haddad for para o segundo turno, a chance de derrota é alta, pela forte rejeição ao PT, depois de anos de perseguição midiática e judicial, e por seu perfil educado demais, digamos assim.
Ciro, por sua vez, pode contrapor o estilo durão de Bolsonaro – postura que atrai muito apoio em períodos de crise. Com seu combate veemente ao golpe, seu domínio absurdo do que fala, sua postura pró trabalhador e contra o rentismo e, ainda, sem a rejeição da vinculação ao PT, Ciro bota no bolso, nos debates, tanto o ex-capitão quanto o picolé de chuchu.
Além de tudo isso, a presença de um nome do PT nas urnas dependerá, em boa parte, das decisões dos tribunais quanto à candidatura Lula – leia esta boa reportagem do Nexo sobre isso. Não é preciso dizer sobre a alta probabilidade de que os tribunais passem por cima das leis para impedir a candidatura petista.
Ciro Gomes, o grande prejudicado pelas movimentações de Lula e do PT, foi quem melhor definiu a situação: o Brasil inteiro foi convidado a dançar uma perigosíssima valsa à beira do abismo.