Ciro Gomes, um tom abaixo

Denise Assis *

Ciro Gomes queimou na largada. Em recente sabatina Ciro já se mostrou menos contundente, acuado e com a auto estima mais baixa do que habitualmente. Em dados momentos pareceu mesmo na defensiva, lugar onde não costuma estar. Talvez tenha se dado conta do isolamento a que se jogou, exagerando nas críticas ao PT, e faltando com uma palavra de solidariedade, por ocasião da prisão de Lula. Naquele momento, houve quem deixasse as diferenças partidárias de lado e se fizesse representar. Principalmente, com a visão maior de que o que estava sendo encarcerado era todo um país, preso na incapacidade de fazer valer a Constituição, visivelmente aviltada por uma movimentação dada ao arrepio da lei, com base em um processo frágil e desprovido de provas. Lula foi preso por um “fato indeterminado”.

Tive a oportunidade de fazer, aqui, para O Cafezinho, uma das primeiras entrevistas com Ciro Gomes, assim que anunciou a candidatura à presidência. Vi-o dizer com muito entusiasmo que era chegada a sua hora. Já naquele momento, aproveitou para dar algumas espetadas no que chamou de “hegemonia petista”. Não parecia se importar com a grande parcela do eleitorado do PT, já preocupada com o destino de Lula, sabendo que a sanha para o pegar pelo pescoço e enfiá-lo atrás das grades era grande. Não é possível imaginar, nem de longe, que Ciro, com toda a sua experiência na política, ignorasse que poderia, de alguma forma, herdar uma parcela dos votos do Partido dos Trabalhadores, se algo mais grave viesse a acontecer, como veio.

Durante a entrevista encontrei o mesmo Ciro gentil e elegante que conheci nas coberturas do governo Itamar Franco, investido do cargo de ministro da Fazenda. Diga-se de passagem, nesta condição, nunca o vi em situação de destempero. Ele tem razão, quando diz que na vigência dos cargos que ocupou se portou de maneira conveniente.

Porém, no calor da luta, o que aflora é um Ciro de sangue quente, que parte para o embate nas ruas e quando fala com os jornalistas.  Não há assessor de imprensa ou marqueteiro que dê conta. Agora, no entanto, além dos destemperos nesses embates, o político calejado perdeu também a visão de que sozinho não irá muito longe. Não conseguiu trabalhar alianças. Um exemplo, com o PSB. Abriu mão de ganhar a simpatia da militância petista e ver o seu nome ser colocado em alguma posição na chapa, como uma possibilidade, no caso de Lula ser impedido definitivamente. Ciro deu as costas para o PT. Sozinho, tenta buscar desesperadamente o tubo de oxigênio. Errou nos cálculos. Errou de adversário. Num diálogo com o espelho, talvez conclua que está ali, refletido, quem mais o atrapalha.

*Jornalista

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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