Após visita de Chico Buarque a Lula, militantes reagem a acordo PT-PSB
por René Ruschel — publicado 03/08/2018 09h50, última modificação 03/08/2018 09h52
Acompanhado de Martinho da Vila, músico não falou à imprensa, mas gravou vídeo. Em seguida, houve protestos em apoio a Marília Arraes
O que prometia ser apenas mais um dia de visitas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Curitiba, acabou em frustração e protestos. Os músicos Chico Buarque e Martinho da Vila, aguardados por centenas de militantes que enfrentaram as baixas temperaturas do inverno curitibano, não falaram com a imprensa nem foram a vigília, do outro lado da rua, uma praxe que se repete todas às quintas-feiras defronte à sede da Policia Federal onde Lula está preso há 119 dias. Preferiram gravar um vídeo.
“Fiquei surpreso. Acho que deveriam vir ao encontro do povo. Mas o que importa foi a demonstração de solidariedade ao presidente Lula” disse Daniel Barbosa, que viajou mais de 400 km desde São Paulo para manifestar seu repúdio a prisão do líder petista. Mirian Krüguer veio de Indaial, interior de Santa Catarina. “Seria bom se tivessem interagido conosco, mas o foco neste momento é o Lula” afirmou a catarinense.
Segundo Chico, encontraram o ex-presidente disposto, firme, bem-humorado e decidido ir até o fim para provar sua inocência. “Ele disse que é candidato e não troca sua dignidade pela liberdade” interveio Martinho. O sambista de Vila Isabel justificou o fato de não querer falar com “as pessoas” por estar muito emocionado. “Gosto de falar ‘devagar, devagarinho’, mas hoje não estou em condições”. Chico criticou a decisão da Justiça Federal que impede Lula de dar entrevistas. “Ele deveria falar direto com os jornalistas. Parece que somos meninos de recado. A questão não é apenas a liberdade do Lula, mas a liberdade de imprensa. Cala a boca já morreu né! ”
Quanto aos protestos, tiveram início durante a entrevista da senadora e presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que também esteve com Lula, quando foi questionada pelos jornalistas sobre o acordo fechado com o PSB, em Pernambuco.
Um grupo de cento e dez pessoas, todos integrantes da Caravana do Semiárido Contra a Fome, que percorreu mais de dois mil quilômetros desde Recife a Curitiba para participar de uma série de debates e atividades artísticas na vigília Lula Livre, começou a gritar palavras de ordem. “Em Pernambuco, eu bato o pé, ele vai ser governado por mulher” ou “não tem plano B, em Pernambuco é Marília do PT”. Nas cercas da Vigília Lula Livre, o grupo pendurou dezenas de cartazes improvisados onde se lê “Não apoiamos golpistas. A militância é Marília Arraes”.
Gleisi justificou o acordo como necessário para resgatar uma aliança com um partido que se posicionou firmemente contra a privatização da Eletrobras, da Petrobras, das reformas trabalhista e da previdência. “Entendemos que resgatar essa aliança, somando aí o PC do B, que sempre deixou claro a importância de se fazer uma unidade, é fundamental”. Para ela, sozinho, o PT não conseguirá resgatar uma agenda de desenvolvimento inclusivo que visse a melhoria das condições de vida dos brasileiros. “Foi nesse sentido que fizemos esse movimento”. Reconheceu que é “do ponto de vista regional e de Pernambuco, é ruim abrir mão de uma candidatura como da Marília, mas nosso projeto é nacional”.
Afirmou que, desde o início, “os companheiros do PT de Pernambuco, a companheira Marília, os companheiros dos movimentos socais, sabiam da nossa conversa [com o PSB]. Em nenhum momento fizemos qualquer movimento que não fosse claro e aberto”.
Não é o que afirma os manifestantes. Mayara de Araújo Souza, de Caruaru, PE, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra e integrante do Centro de Formação Paulo Freire, quando perguntada se ficou surpresa com a decisão do partido em não lançar a candidatura de Arraes, foi taxativa. “Oxe! Muito, muito, muito, mesmo… A gente não sabia de nada. Mas vamos resistir e lutar pela candidatura dela”.
Sandreildo José dos Santos, de Afogados da Ingazeira, no sertão do Pajeú, PE, da Pastoral da Juventude Rural, também se disse surpreso. “Para a militância, a candidatura da Marília é uma resistência ao golpe de 2016. Essa aliança que estão fazendo é se aliar com o grupo de Pernambuco que apoiou a derrubada da presidenta Dilma. A Marília representa a esperança da retomada de nossos direitos” afirmou.
Após a entrevista, Gleisi Hoffmann seguiu em caminhada até um bosque, nas imediações da PF, para acompanhar o plantio de mudas de árvores. Os protestos não pararam. Integrantes da Caravana seguiram gritando palavras de ordem enquanto Gleisi era cercada por membros do MST para garantir sua segurança. Segundo a assessoria de imprensa da senadora, contatada por CartaCapital na noite de ontem, quinta-feira 2, ao final da caminhada ela teria conversado com os manifestantes e lido uma carta que Lula encaminhou aos manifestantes.
Nela, o ex-presidente não faz qualquer menção a questão do acordo político com o PSB, apenas agradece pelas demonstrações de solidariedade e parabeniza-os por “cruzarem o país denunciando o crescimento da miséria e a volta do Brasil ao mapa da fome”. Gleisi, ainda segundo sua assessoria, “foi aplaudida e elogiada pelo diálogo com os companheiros”, embora “não arredassem o pé de alguns pontos” pelos quais protestavam.