AO RIFAR MARÍLIA ARRAES, LULA E O PT ARRISCAM A SOBREVIVÊNCIA DO PARTIDO
Por Ricardo Kotscho, em seu blog
“Estão ensaiando uma valsa na beira do abismo” (Ciro Gomes, ao saber do acordo entre PT e PSB na quarta-feira)
2 De Agosto De 2018
Marília Arraes, candidata ao governo de Pernambuco, que vinha fazendo uma bela campanha popular, era a única nova e forte liderança do PT nestas eleições.
Quem mais perdeu com o acordo entre PT e PSB, que sacrificou a candidatura de Marília, não foi Ciro Gomes, como a maioria dos jornais e analistas avaliaram nesta quinta-feira.
Foram Lula e o PT, que rifaram o futuro do partido.
O maior golpe foi no principal patrimônio deste partido que eu vi nascer das bases operárias do ABC paulista e acompanhei até a chegada ao poder, em 2003: a sua militância.
Para chegar lá, o partido enfrentou um monte de obstáculos, ganhou e perdeu muitas disputas, acertou e errou, mas procurou sempre se manter fiel às suas origens, dando orgulho aos anônimos militantes que empunhavam suas bandeiras.
Isso acabou. Que petista vai querer agora fazer campanha pelo partido de graça, sacrificando horas de estudo ou de trabalho, enfrentando adversários nas ruas, ouvindo xingamentos, arriscando-se por uma causa que perdeu a razão de ser?
Em lugar de orgulho, é mais provável que agora estes militantes sintam vergonha de defender um partido incapaz de bancar suas novas ldieranças contra os velhos caciques aos quais se aliou nos últimos anos.
O que fizeram com Marília Arraes é tão grave e vergonhoso para a história do partido como aquela foto trágica de Lula e Fernando Haddad, na campanha municipal de 2012, pedindo apoio a Paulo Maluf, justo ele, o velho antagonista dos petistas, nos jardins da mansão dele, todos eles sorridentes.
Não tenho a menor ideia dos motivos que levaram a direção do partido a fazer este acordo para o PSB ficar neutro nestas eleições e se afastar de Ciro Gomes – este sim, um antigo e fiel aliado do PT.
Quem ganha com isso? Com a desmobilização da militância petista, a justa ira e o isolamento de Ciro, fragmentando ainda mais o campo da esquerda, e a insistência em levar a candidatura de Lula até o fim, a ferro e fogo, pagando qualquer preço, quem ganha é a direita, que se uniu em torno de Geraldo Alckmin, e o candidato das trevas, Jair Bolsonaro.
Do jeito que as peças ficaram colocadas no tabuleiro da eleição, corremos agora o risco de repetir a França e promover um inédito embate entre direita e extrema-direita no segundo turno.
O sacrifício de Marília Arraes no altar das conveniências de momento vai cobrar um alto preço no futuro, colocando em risco a própria sobrevivência do PT como maior partido de massas do país e da América Latina.
Em lugar de Marília, teremos nos palanques do PT no nordeste os senadores Eunício de Oliveira e Renan Calheiros, do MDB, legítimos representantes da oligarquia contra a qual o PT se insurgiu quando foi criado.
Lembro-me bem de quando Lula e o PT refugaram o apoio de Ulysses Guimarães, o “Sr. Diretas” e presidente da Constituinte cidadã, no segundo turno contra Fernando Collor, em 1989, alegando que não queriam um representante da velha política no palanque.
Naquela eleição, o petista seria derrotado por uma pequena margem de votos, mas não era isso o mais importante em Ulysses, que ficou com menos de 5% no primeiro turno.
Era o simbolismo de um homem que lutou contra a ditadura, estava ao lado de Lula nos palanques das Diretas Já e foi fundamental para tornar possível aquela primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura militar.
A política, como sabemos, não é feita só de votos, mas também de símbolos que representam para o eleitorado a esperança de uma vida melhor e mais digna.
Muitas águas rolaram e muitos anos se passaram de lá para cá, e o PT foi deixando pelo caminho muitos desses símbolos fundadores do partido, até chegar à atual situação, em que a sua única liderança nacional continua sendo Lula.
A indigência da atual direção do PT, completamente perdida e sem comando, é resultado da falta de espaço e de interesse para a criação de novas lideranças e o surgimento de novas ideais e projetos para o país.
O que está em jogo neste momento não é só o destino do PT, mas do próprio país, em que o partido ainda joga um papel fundamental.
O fato é que o PT envelheceu muito cedo e já não empolga a juventude, boa parte dela hoje encantada com o troglodita Jair Bolsonaro, transformado no tal “fato novo” desta eleição.
Estratégias políticas e jurídicas à parte, que disso não entendo, tudo o que está acontecendo me dá, acima de tudo, uma enorme tristeza por ver a derrota de uma geração de brasileiros que batalhou por uma sociedade mais justa e solidária.
Encarcerado numa cela solitária em Curitiba, condenado num processo iníquo, impedido de participar da campanha eleitoral, com acesso apenas a advogados e dirigentes do partido, meu bom e velho amigo Lula não pode imaginar o que está acontecendo aqui fora, a profunda decepção dos velhos militantes com os rumos que o partido tomou.
Desse jeito, nada vai nos trazer de volta o sonho que sonhamos juntos quando esta longa trajetória começou.
Virou um pesadelo, lamento constatar, sem conseguir entender aonde querem chegar.
Não desista, Marília Arraes, nós precisamos de você para manter viva a chama da esperança que venceu o medo e está se apagando lentamente.
Vida que segue.