Bolsonaro, o filho bastardo de Roberto Marinho

Em determinado momento da entrevista no Roda Viva, Bolsonaro diz que gostaria de aproveitar a presença dos jornalistas da Globo presentes e lembrá-los de um editorial de Roberto Marinho, de outubro de 1984, exaltando a ditadura militar.

O grupo Globo escalou dois de seus melhores jornalistas para a entrevista: Maria Cristina Fernandes, colunista do Valor, e Bernardo Mello Franco, do Jornal O Globo.

Em seguida, Bolsonaro lembra que a TV Globo foi fundada em 1965, um ano após o início da ditadura.

As observações de Bolsonaro são um tributo ao grande responsável pelo prestígio do candidato: a Globo e seu fundador, Roberto Marinho.

A Globo – e o conjunto de órgãos de imprensa que giram a seu redor – é mãe e pai de Bolsonaro.

Os clichês repetidos pelo candidato, em especial as acusações vulgares ao PT, foram cultivados ao longo dos anos pela grande imprensa.

Ele consegue fugir de qualquer questão difícil apelando para expressões como “mensalão”, “petrolão”, “BNDES”, citando falas de Joaquim Barbosa…

A decisão de escalar apenas jornalistas profissionais, além disso, não parece ter sido feliz. Faltou um negro, uma feminista e um LGBT para enfrentar um candidato racista, machista e homofóbico.

A entrevista de Jair Bolsonaro para o Roda Viva de ontem à noite deveria acender todos os alarmes vermelhos do campo democrático.

A possibilidade de Bolsonaro vencer as eleições, que é real, pois ele lidera as pesquisas em cenários sem Lula (e Lula não será candidato), faz as diferenças do campo democrático parecerem fúteis.

Bolsonaro deixou claro que só aceita a vitória. Assim como Trump, ele já tem o discurso pronto no caso de derrota: fraude. Diante de uma militância conservadora cada vez mais violenta e fanatizada, o discurso de Bolsonaro antecipa que viveremos problemas mesmo com o candidato perdendo.

Quem achava que a grande imprensa iria “jantar” o capitão, com perguntas capciosas que o levariam ao ridículo, enganou-se redondamente.

Quer dizer, os jornalistas talvez até tenham se esforçado para jogar duro com o candidato, mas comportaram-se como se estivessem intimidados. Demonstraram insegurança, a meu ver.

Bolsonaro estava à vontade porque parece ter entendido que a grande imprensa apenas pode atacá-lo por causa de sua opinião contra a ditadura. Ele não tem preocupação em elaborar questões sobre educação, saúde, economia. Para tudo, respondeu que o problema é “corrupção”, e que bastaria impor um regime “liberal”, como se o governo Temer não fosse exatamente isso. Aliás, como se o regime econômico brasileiro, desde muito tempo, não fosse fortemente liberal, inclusive durante os governos Lula/Dilma, que apenas tentaram atenuar os efeitos deletérios desse liberalismo econômico através da introdução de programas sociais, investimentos em infra-estrutura e políticas de valorização do salário.

Os jornalistas da grande mídia não tem “lugar de fala” absolutamente nenhum para confrontar a visão de Bolsonaro sobre a ditadura militar.

Eles não podem denunciar, por exemplo, a concentração da mídia, iniciada na ditadura, com a perseguição a todos os órgãos de imprensa que não rezassem a cartilha do regime.

Não podem criticar a autocensura praticada pela imprensa chapa-branca durante a ditadura, essencial para a consolidação dos grandes esquemas de corrupção da época.

Não podem denunciar o movimento avassalador de achatamento do salário mínimo e de concentração de renda, as características mais terríveis do regime, que nos transformou no país com pior distribuição de renda do mundo.

http://qga.com.br/economia/2016/12/o-mito-do-milagre-economico-da-ditadura-militar

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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